sábado, 27 de abril de 2013

Um corpo no rio

Nada substitui o conhecimento adquirido de forma metológica por intermédio de leitura completa e útil, sempre que possível, de livros.

Os que me acompanham sabem que tenho sérias reservas a opiniões e conhecimentos adquiridos por intermédio de mídias sociais. Após a Primavera Árabe intensificou-se o paradigma que que twitter e Facebook seriam as ferramentas finais e fundamentais de conscientização e de informação.

O recente caso do imbróglio da eleição italiana, onde um humorista mobilizou a sociedade por intermédio do Facebook influenciando diretamente as resoluções tomadas naquele parlamento, onde políticos votavam para ficar bem na foto gerou atrasos e insegurança na gestão de uma milenar sociedade que hoje rondeia a crise econômica (vide a reportagem "www.confusao.com" na revista Veja dessa semana. Na medida que os debates em busca de saídas para a crise econômica avançava com debatedores on line, os facebookeanos demonstraram grave desconhecimento até de situações e soluções (e os motivos econômicos que as tornaram soluções) nos países vizinhos, recolhidos e absortos em sua suposta auto-suficiência de conhecimento promovida pela mídia social.


O artigo abaixo avança na questão.
Ratifica o que sempre penso: Nada substitui a leitura útil e consistente.





Um corpo no rio
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
FOLHA DE SP


Acusado falsamente pela "nova mídia" de ser um dos terroristas de Boston, Sunil apareceu morto

Surgiu esta semana um corpo boiando no rio em Providence, capital de Rhode Island. Era Sunil Tripathi, estudante de filosofia em uma universidade americana de primeira linha, a Brown. Quando escrevo, ainda não se sabe como ele morreu.

Tripathi foi alvo de histeria nas redes sociais e sites colaborativos, especialmente no Reddit.com, muito influente nos Estados Unidos. Era acusado por justiceiros on-line pelos atentados de Boston.

Ele estava desaparecido desde março. Descobriu-se no Facebook uma página criada por parentes para tentar encontrá-lo. Alguém julgou que o rapaz sumido se parecia com um dos suspeitos. Pronto: a informação errada se espalhou sem controle.

Como todos sabemos, nós que seguimos a revista "Wired" e acompanhamos cada novidade do vale do Silício, os sites colaborativos de notícias surgiram para suplantar a "velha mídia" --jornais, revistas, TVs, monstros sensacionalistas sedentos por lucros e pontos de audiência.

O conteúdo colaborativo, sem filtros ou mediações, seria um canal direto com a voz do cidadão. Informação pura, nada de interesses ocultos. Anátema da imprensa estabelecida.

Se Sunil Tripathi não estivesse morto, poderia dar um grande depoimento sobre a qualidade e a precisão das informações surgidas nas redes sociais.

Que fique claro: não se trata de negar a importância das novas mídias --especialmente do Twitter, feito sob medida para esse tipo de evento em que surgem novidades a cada minuto.

O assassinato de um policial no campus do MIT, por exemplo, foi narrado em tempo real por estudantes no Twitter, algo impensável no esquema tradicional da "velha mídia".

Mas o que os atentados de Boston deixaram claro é que as relações entre "velha" e "nova" mídia são muito mais nuançadas do que supunham os gurus do jornalismo-cidadão.

A "nova mídia" funcionou, ao menos neste caso, como uma geradora de ruídos aleatórios. Uma avalanche de dissonância e distorção, em meio à qual se descobriam umas poucas notas de melodia coerente.

Na hora em que se precisa de informação de qualidade e bem apurada, em quem confiar? Nos tuítes de um garoto de 15 anos que vê a confusão pela janela ou num texto apurado por seis repórteres e revisto por mais dois editores no "New York Times"?

Será que as redes sociais são de fato fontes soberanas de informação ou apenas geradoras de "fatos", "certezas" e boatos, a serem conferidos por profissionais do ramo?

E os canais de TV especializados em notícias, como a CNN, perderam para a internet o monopólio da informação imediata?

Como dez entre dez jornalistas, acompanhei pela CNN, desde o início, a cobertura do atentado. E, no começo, quase não havia informações.

Só uns poucos vídeos, repetidos seguidamente. A cobertura demorava a decolar. Os principais repórteres e apresentadores eram, provavelmente, chamados em casa para assumir as transmissões.

Demora um tempo até que cheguem à TV, se arrumem, colham informações para não falar bobagem. Enquanto isso, o pessoal que está no ar se vira como dá.

Começa então o "backlash" na internet. Vi jornalistas, alguns até conhecidos, bradando contra a repetição de imagens, dizendo que era uma espécie de pornografia.

A razão de os vídeos serem reexibidos é óbvia: não havia dado tempo de obter nenhuma outra imagem. E, se a cobertura é ininterrupta, alguma coisa é preciso mostrar.

Agora, imagine o seguinte cenário: a CNN, para não ficar repetindo os vídeos, para não praticar "pornografia", decide sair do assunto e apresentar um daqueles programas mensais de golfe ou tênis.

As mesmas vozes que clamavam contra a "pornografia" da violência iam se deliciar apontando a inércia da "velha mídia", a falta de sintonia da imprensa tradicional com a realidade, iriam dizer que as informações quentes mesmo estavam no Twitter, no Facebook e no Reddit.

É um jogo impossível de ganhar. Se entrou de cabeça no assunto, está praticando "pornografia". Se ignorou o tema, não entende o século 21.

Talvez aconteça, mas não foi com as bombas de Boston que a "nova mídia" tomou o lugar da "velha" como portadora de informação confiável, ou pelo menos da mais confiável que se pode obter.

Agora, vem a investigação. A história contada pelas autoridades americanas está cheia de lacunas. Vamos ver quem vai desvendar o caso. Se algum blogueiro ou tuiteiro que não sai da poltrona ou um repórter com fontes e tempo para mergulhar no assunto.
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