sexta-feira, 24 de maio de 2013

O emburramento necessário

Graciliano Ramos: "Felizmente as ditaduras (com ou sem disfarce) acabaram e os generais saíram de cena, mas muitos políticos safados ainda estão aí, impunes. Para estes, o emburramento do povo é, de fato, necessário."



O emburramento necessário
Milton Hatoum
O Estado de S. Paulo 


O que pensam os 5.570 prefeitos brasileiros sobre a falência do nosso ensino público? Quantos se empenham verdadeiramente em trabalhar por uma mudança qualitativa da, educação, de que depende o futuro do Brasil?

Deviam seguir o exemplo de Graciliano Ramos, que foi prefeito de Palmeira dos índios (1928-30) e diretor da Instrução Pública de Alagoas (de janeiro de 1933 a março de 1936).

Num dos artigos do livro Garranchos (ed. Record, organização - notável - de Thiago Mio Salla), o autor de S. Bernardo fez um balanço de sua gestão à frente da Instrução Pública, um órgão equivalente, hoje, à Secretaria Estadual de Educação. Os avanços são significativos: construção, ampliação e reforma de escolas, aumento considerável do corpo docente e do número de matrículas, melhoria da qualidade do ensino.

Segundo Salla, o Jornal de Alagoas reconheceu o trabalho do escritor na pasta da educação, "destacando o acréscimo de 87,3% no número de matrículas no período de 1932 a 34". A matéria do J.A, (Trabalhando em silêncio, 13/12/1935), diz: "Trabalhador compenetrado de seus deveres, decidido nas determinações, a sua obra, na Instrução Pública, dia a dia se impõe ao respeito da coletividade".

Nas memórias de Infância, Graciliano menciona escolas improvisadas, manuais de leitura enfadonhos, professores pobres, ignorantes, violentos. Enfim, alude a uma pedagogia bruta naquele tempo de República Velha.

Mais de um século depois, é possível dizer que houve avanços quantitativos na educação pública, pois a imensa maioria das crianças e jovens pobres frequentam escolas. Mas problemas estruturais perduram: salários vergonho- houvesse a Lei de Responsabilidade Fiscal (que certas raposas querem revogar), a farra seria maior.

Gatunagem e impunidade formam a duplinha sórdida do nosso atraso. Durante a ditadura, a república dos milicos e do milagre econômico cresceu, inchou, adquiriu ares modernos e interrompeu a promessa de um ensino público democrático. Mais de duas décadas de censura e repressão foram nefastas para a formação de uma consciência crítica.

Quando dirigiu a pasta da Educação, Graciliano foi criticado ao viabilizar a matrícula de centenas de; crianças negra se paupérrimas numa escola pública de Pajuçara, onde estudavam filhos das "famílias mais arrumadas" desse bairro de Maceió. Um tenente do Exército, inconformado com a reprovação de sua sobrinha numa escola de Penedo, pediu a Graciliano que nomeasse uma banca especial para essa aluna. Como isso era contra o regulamento, o pedido foi negado. Algum tempo depois, no dia 3 de março de 1936, esse mesmo tenente deu ordem de prisão ao escritor. Vingança do militar? Talvez. Mas o verdadeiro motivo da detenção era outro.

Nas Memórias do Cárcere (1953), o escritor alagoano assinalou que, àquela época, o País estava sendo governado por "uma ditadura mal disfarçada por um congresso de sabujos". Ao rememorar sua prisão em março de 1936, ele escreveu: "O emburramento era necessário. Sem ele, como se poderiam aguentar políticos safados e generais analfabetos?".

Felizmente as ditaduras (com ou sem disfarce) acabaram e os generais saíram de cena, mas muitos políticos safados ainda estão aí, impunes. Para estes, o emburramento do povo é, de fato, necessário.
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