terça-feira, 8 de julho de 2014

A Copa e o gigante em berço esplêndido

Em 2006, durante o jogo da seleção contra a França, peguei minhas duas filhas pequeninas, uma bebê, e fui passear na frente do prédio B da quadra 202 Norte. Deitei no meio da rua para desespero de minha filhinha mais velha. Disse para ela se acalmar pois carro algum viria. O porteiro perguntou-me o motivo de não assistir o jogo: Quatro dos cinco principais jogadores brasileiros, todos jovens, renovavam contratos milionários naquele mesmo ano e a França estava repleta de jogadores com mais idade e mais experiência e, sobretudo, mais conjunto. Deu o que eu previa, cada um quis ser o salvador da pátria e não se encontraram do meio do campo para a frente.

Hoje, após avisá-los dias atrás, saí para caminhar no calçadão da praia de Camburi em Vitória ES, só não deitei no meio da avenida. Já sabia da derrota, não dessa forma.

Bem, pelo pouco que vi, os jogadores fizeram seu papel, deram o melhor de si. Não vi corpo mole. Por quê antecipei a derrota? Avaliações de cenário: os jogadores alemães tiveram mais tempo, jogaram juntos antes e de muito tempo. Eles tiveram mais conjunto, mesmo contra a mais valente Argélia, também em condições iguais. 

Pergunto-me alguns danos colaterais anteriores a influência, sobretudo, de patrocinadores e jornais. Tem eles tempo de descanso? Sofrem os demais, alemães e holandeses, as mesmas influências que os brasileiros? Tem os brasileiros tempo sobrando para, com razoável antecipação, se estruturarem como grupo?

A pergunta que sempre me faço: Por quê sendo um país com quase 201 milhões de brasileiros precisamos depender de 23 jogadores que jogam na Europa. Aliás esta copa foi de jogadores que jogam na Europa "emprestados" para seus países neste curto interregno. A copa de 1970 foi a última quando TODOS jogadores jogavam no Brasil, dentro de suas fronteiras.

Sou pragmático e realista. Todos são muito bons jogadores, caso contrário não estariam nos clubes onde jogam na Europa, da mesma forma o técnico. O que lhes faltou foi a oportunidade e longo tempo para se estruturarem como equipe. Está na hora da sociedade amadurecer, parar de achar que no amor e suor da camisa tudo se resolve tudo se vence. 

Talvez seja a hora do cidadão fazer um paralelo com a eleição e o processo político. Da mesma forma que o cidadão vota, feliz com sua "democracia participativa", coloca o voto na urna e vira as costas para sua responsabilidade de conhecer a gestão pública e acompanhar o que seus eleitos fazem ou deixam de fazer, o cidadão acompanha, passivamente, uma CBF que faz e desfaz, atende a patrocinadores multinacionais e interesses privados que interferem no resultado final, os jogadores e os jogos e, pior, não fazem a menor idéia do que ocorre. E, ainda, recebe fartos recursos de nossos impostos e de ingressos, assim, sim, claro, tem que aceitar a interferência do torcedor. Mas onde está o torcedor? Aliás, onde está o eleitor?

Bem, da mesma forma que antecipei o resultado, foi da mesma forma que entendo a razão de um alagamento, espraiamento de epidemias, um engarrafamento, um apagão de energia elétrica, violência urbana etc...olhar profundamente os fenômenos e não o que vem na superfície este é o meu segredo, meu diferencial. Não sou nem quero ser melhor que ninguém, mas acompanho a vida brasileira há muito tempo, há muito tempo, e não é nos intervalos de novelas e de jogos de futebol. Muita leitura, leio muito, muito mesmo.

Não é a seleção brasileira que precisa melhorar, não é o técnico que precisa ser trocado, é o brasileiro que tem que perseguir uma qualidade melhor de cidadania, achando que a qualidade melhor de vida virá de algum "milagre" prometido por essa fenomenal miríade de pastores e religiosos. Precisamos aprender a gostar de trabalhar, a preparação abreviada e apressada de nossa seleção versus a sistemática da Alemanha espelha e melhor represente nossa idiossincrática mania de "na hora vamos ver como é que fica". Diligência e sistemática é o que nos falta em absolutamente todas as áreas de nossa vida, social e econômica.

Vejo um lado positivo nessa derrota, e esperança que, exatamente em um ano de eleição, o cidadão se pergunte um pouco mais profundamente se sua vida, de fato, melhorou e o como buscar essa melhora.

Dói, mas as dores do crescimento são infalíveis e necessárias. Essa derrota, enfim, será um marco, um divisor de águas, um despertar de um profundo sono de gigante adormecido em berço esplêndido.
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