Todos os anos, as escolas de administração, engenharia e similares despejam centenas e centenas de novos recrutas no mercado de trabalho. A fauna é rica e variada em termos de formação, ambição e vontade de trabalhar.
Há pelo menos duas décadas, as grandes empresas dedicam maior atenção a esse grupo. Os programas de trainees buscam identificar, entre os mais promissores talentos das melhores escolas, aqueles que supostamente conduzirão as organizações pelo século XXI.
As expectativas de parte a parte são altas. Os noviços desejam boas condições de trabalho e esperam remuneração compatível. As empresas querem que seus escolhidos se tornem verdadeiros agentes de mudança, a espanar as teias de aranha e a lubrificar as engrenagens enferrujadas.
Apesar dos recursos empregados na seleção e na preparação dos noviços, frustrações são comuns. No boca-a-boca, circulam histórias sobre trainees que se demitem no meio do processo de desenvolvimento e sobre choques com veteranos. Conhecer o perfil e as demandas desse grupo é prioridade para as empresas. Afinal, projeta-se (ou teme-se), a eles o futuro pertence.
Estudos recentes têm denominado a turma nascida entre o fim da década de 1970 e o início da de 1990 de geração Net ou de geração Y. Ainda que imperfeita, a classificação ajuda a identificar alguns traços comuns a esta lavra demográfica do final do milênio passado.
Grown Up Digital: How the Net Generation is Changing Your World (Editora McGraw-Hill), livro do guru de gestão Don Tapscott, ocupa-se desta questão. A obra é atraente e fácil de ler, porém é também reducionista e apresenta um retrato excessivamente róseo da realidade. Portanto, a leitura exige boa dose de desconfiança e aguçado olhar crítico.
Tapscott considera a turma Y mais esperta e ágil que suas antecessoras, e também mais preocupada com a sociedade e com a justiça. Em suma, a melhor safra recente, muito superior à geração anterior, de sacos de batatas, educada diante da tevê e acostumada a uma atividade cerebral mínima. A turma Y valoriza a liberdade de escolha, gosta de personalizar tudo que tem e faz, avalia criticamente tudo e todos, exige integridade e transparência, espera que o trabalho (ou o estudo) seja agradável e divertido, gosta de trabalhar em grupo, espera que tudo aconteça rápido e crê que a inovação deve fazer parte do cotidiano.
Naturalmente, esse perfil gera impactos para as empresas, nem todos positivos. Primeiro, o gosto pela velocidade alimenta a impaciência. A turma Y acredita que a carreira é uma montanha a ser escalada com rapidez. Sempre com pressa, aposta nas redes de contato e no gerenciamento da impressão para materializar seus desejos. Frequentemente domina mais a retórica do que o métier. Continuamente pressionadas, as empresas cedem às suas vontades, promovendo os mais ambiciosos. Frustrações e tombos rondam o horizonte.
Segundo, a visão crítica e a expectativa de integridade e transparência podem facilitar mudanças positivas. De fato, elas ecoam tendências recentes em gestão, de adoção de condutas éticas, de sistemas abertos de governança, de programas de responsabilidade social e de comunicação mais aberta. Entretanto, muito do que se vê nas empresas é maquiagem. A colisão entre a utopia tímida e jovem da turma Y e o pragmatismo calejado das empresas pode gerar conflitos e atitudes cínicas, por parte dos noviços.
Terceiro, o desejo de que o trabalho seja agradável e divertido, nutrido por um hedonismo juvenil, que é, aliás, sinal dos tempos, pode privilegiar o presente em detrimento do futuro. De fato, o mundo parece existir para que a turma Y o goze aqui e agora. Tal postura dificulta a realização de projetos de longo alcance, que exigem disciplina e tolerância a pequenos fracassos.
Quarto, a tendência de trabalhar em grupo, também louvável, pode transformar-se em prática para inglês ver. Poucos problemas corporativos podem ser resolvidos hoje sem uma perspectiva coletiva. No entanto, para trabalhar em grupo é preciso somar postura cooperativa com boa dose de disciplina. Quando tais características estão ausentes, prevalece um simulacro de trabalho em grupo: muitas reuniões e comitês, avalanches de mensagens eletrônicas e celulares eternamente em fúria. Porém, muito pouco trabalho produtivo.
Com a turma Y, tudo mudará para ficar exatamente como está? Talvez não. A turma Y quiçá não seja assim tão diferente das anteriores. Entretanto, ao mergulhar em organizações construídas por e para suas antecessoras, surgirão tensões e conflitos que a transformarão e a empresas que a absorverem
Thomaz Wood Jr. twood@fgvsp.br
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