terça-feira, 22 de julho de 2014

Dois ouvidos para falar

Dois ouvidos para falar

Castells, sociólogo espanhol, escreveu uma excelente tríade entitulada Sociedade em Rede. Das grandes esperanças por ele registradas nos três volumes, havia uma idéia central de que as sociedades no futuro seriam mais participativas, mas desenvolvidas e, sobretudo, mais responsáveis e exigentes com a sustentabilidade. Ou seja, quanto mais acesso a tecnologia disponível mais a sociedade mundial iria se aproximar do desenvolvimento equalitário, barreiras de toda sorte seriam rompidas e as fronteiras físicas, com o tempo, desapareceriam.

Quando vemos o fisco da Rio + 20, das dificuldades do fechemento dos acordos comerciais e de desenvolvimentos inciados na famosa Rodada de Doha e os constantes desafios da ONU e OMC em promover desenvolvimento sustentável, respeito aos direitos humanos, diversidade cultural, de gênero e respeito ao meio-ambiente, notadamente frente a crise européia que não dá sinais de recrudescimento, pergunto-me o que deu errado nas esperançosas e otimistas previsões do ibérico sociólogo. A questão é mais profunda, o ser humano não altera sua estrutura relacional na mesma intensidade na qual a tecnologia avança. Revoluções no Oriente médio, na Ásia e demais conflitos de baixa intensidade, notadamente com motivos religiosos reforçam a ideía de que o mundo não é cor de rosa.

A revolução e o desenvolvimento social e econômico chegou em nosso país. Nossa sociedade aproveitou a experiência da progressão vertical de classes. Aos poucos houve uma significativa inclusão social onde egressos das classes E e D passaram a desfrutar de bens e serviços antes atinentes, apenas, às classes B e A. 

O crédito facilitado, a redução de IPI da linha branca e de automóveis permitiu a melhoria da sensação de bem-estar e de inclusão social. Empregos foram gerados, grupos sociais passaram a ter voz e apoio de ONG e simpatia da sociedade, em geral.

De acordo com o programa nacional de amostra domiciliar (PNAD), atingimos a capacidade econômica dos lares, em 95%, ter acesso a televisão, 98% por cento a rádios. Há jornais em cidades custando R$ 0,25e 210 milhões de linhas de celulares foram vendidas até meados de 2012. Ou seja, o acesso a informação é farto e parece não recrudescer jamais. 

E como está o cidadão com tais avanços? Poderíamos, ao menos, comprovar a tese de Castells? Com acesso a informação, a novos postos de trabalho, sobretudo com aos novos segmentos de jogos eletrônicos, infra-estrutura informacional, etc.

53% das causas de nossas enchentes advém de lixo urbano, desconhecemos o que fazer e como exigir o Cód Nacional de resíduos sólidos, notadamente em função dos velhos eletro-domésticos substituídos pelos comprados em reduções de IPI e aumento de crédito. A violência urbana não diminui, os problemas de mobilidade urbana, saúde pública, saneamento parecem não nos deixar nos próximos vinte e cinco anos. 
Onde estamos errando? O que estamos deixando de fazer?

Tenho observado nos últimos vinte anos que apesar de amplo acesso a informação a sociedade parece ser acometida de um profundo alheiamento, sempre buscando coisas mais rápidas, mais simples, mas lights mais fluidas. Vargas Llosa, em seu último livro, denuncia que esta "civilização do espetáculo", que se desdobra em livros "light", filmes "light", arte "light", religiões "light" e até relacionamentos pessoais "light", serve apenas para fugirmos dos problemas do mundo. Numa palavra, serve para nos "alienarmos".(Civilização do espetáculo - Vargas Llosa). Em linha mais contundente o publicitário Andrew Keen denuncia em seu livro "Culto do amador" a questão do uso superficial da internet, notadamente o "corta, copia e cola". Enfim, em um lamentável contra-ponto a Castells estamos com tecnologia informacional em profusão, todavia, cada vez mais superficiais, light e sem querer aprofundamentos. 

De que outra forma justifica-se o apagão de mão-de-obra, o fenomenal aumento de mão-de-obra estrangeira em postos de trabalho de maior complexidade tecnológica, do celular jurássico ao slim smart phone temos produzido ordas de bacharéis em direito que não logram mais do que 3% de aprovação em exames da OAB, médicos que não obtém mais de que trinta por cento de aprovação em exames de conselhos, redução da produção industrial, aumento da criminalidade urbana, enchentes etc. Ainda mais se relembrarmos os índices do PNAD 2011.

O "encima do muro", denunciado por Llosa e Keen eu verifico entre meus três mil contatos, sobretudo quando posto assuntos de grande relevência. A informação precisa de reflexão, comparações dos elementos em dados com experiências prévias, acadêmicas ou vivenciais, mais reflexão, sobretudo com diálogo para, então, se replicar, debater, questionar, refutar ou aceitar. O conhecimento é perecível, não acredito que pessoas que leem, se é que se dão ao trabalho, leiam uma informação relevante, opte por apenas "pensar" e mais adiante tal experiência intelctual lhe permita alguma mudança substancial ou relevante. Sim, o "em cima do murismo" nos furta do caminho da reflexão, da ação, da mudança.

Procuro aceitar nossa idiossincrasia, a mesma que não nos impele ou mobiliza, a mesma que nos mantém na "zona de conforto", a mesma que endeusa nossos procuradores, nossos despachantes, afinal, não gostamos de colocar a mão na massa, pagamos para tal, VOTAMOS para tal. Neste particular, inclusive, mal sabe o cidadão que a participação em projetos muncipais de densidade estão, cada vez mais, fora do alcance do cidadão comum nas 5 565 "casas do povo". Tudo isto ocorre mediante o mutismo contemplativo do cidadão comum, o que não gosta de ir em reunião de condomínios para não se envolver, afinal, o que o síndico resolver tá resolvido, mais adiante se der merda reclamo do síndico, e o mesmo comportamento se dá com vereadores e deputados. Votou, vira as costas e ignora o que o eleito faz ou deixa de fazer.

Não consigo aceitar que no terceiro ano do século XXI, ainda tenhamos cerca de 51% dos lares sem saneamento adequado, que não tenhamos saúde pública decente, segurança pública, acesso universalisado ao ensino que nos livre da vergonha anual, eterna, contumaz de baixos índices d aprovação em exames internacionais.

A máxima de que Deus nos deu dois ouvidos para ouvir mais do que uma boca para falar está alimentando uma lamentável omissão, tornando nossa zona de conforto cada vez mais atrativa para dela não se sair.

Como pode se aceitar, com lucidez e coerência, termos medo de nosso dia a dia, em nossos deslocamentos para o trabalho, escola e casa? Como é que aumentamos os golpes tecnológicos, com é que temos cada vez mais direitos e pouquíssimas obrigações? Minorias ganharam espaço e vulto com a anuente e simpática omissão do cidadão. As três milenares instituições em nossa sociedade estão, cada vez mais, sendo fragilizadas com a distração, omissão e anuência do cidadão: Família, Escola e Igreja.

Buscamos nos sentir bem, aceitos, leves, sem obrigações. Queremos a irresponsabilidade do voto voluntário (não ser obrigado a nada e querer que tudo funcione), nossa mania de eleger o procurador, o despachante para nos livrar da obrigação de nos envolvermos em temas de densidade a cada dia aumenta, se intensifica. Já somos 28 partidos políticos. Em sociedades mais responsáveis e maduras são poucos, três ou quatro. Nossa mania de querer se aproveitar cria 28 partidos, cria 53 denominações religiosas e um número sem fim de coachs, palestrantes motivacionais e pessoas, aproveitadoras, boas de papo, de convencimento. A cada dia queremos, sem nos envolver, criar algo de diferente, algo que ninguém nunca falou e no fim, pouco se muda, pouco se melhora, o desemprego não recrudesce, as propaladas melhorias de desempenho não saem do campo do imaginário que só os consultores motivacionais enxergam e muitas pessoas cada vez mais penduradas no Estado.

No fim do ano onde o mundo não acabou o que posso desejar é que quem estiver lendo REFLITA e procure perceber seu papel, atuante ou anuente, ativo ou omisso, interfere no contexto geral. O que posso desejar é que 2013 nos traga melhor sorte tendo, antes e porém, uma vontade da sociedade mudar.
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