quarta-feira, 16 de julho de 2014

Procuram-se trabalhadores

Trabalhar por aqui nunca teve prestígio. Foi coisa de escravo e de quem não tinha algo melhor a fazer
por Thomaz Wood Jr. 

O livro Produtividade no Brasil foi escrito a partir de pesquisas realizadas pelo McKinsey Global Institute em oito setores da economia. Conclusão: a produtividade do trabalho das empresas brasileiras é um quarto da produtividade do trabalho das empresas norte-americanas (tomadas como referência), ou seja, são necessários quatro brasileiros para gerar o valor que um norte-americano produz. No prefácio da obra, observa o economista Edmar Bacha, o caminho para aumentar a produtividade poderia ser mapeado, as empresas poderiam evoluir e, se o Brasil aumentasse em dez anos sua produtividade para até três quartos da produtividade norte-americana, a renda por habitante dobraria.

Importante: o livro foi lançado em 2000. O que mudou na produtividade do trabalho no Brasil a partir daí? Muito pouco. Uma década foi perdida. Dados recentemente divulgados pela revista The Economist mostram que, enquanto países como Coreia do Sul, China e Chile apresentaram forte evolução na última década, o Brasil permaneceu estagnado. Alguns setores e empresas evoluíram. Entretanto, o quadro geral é desanimador. Um conjunto de estudos divulgado pelo Ipea, em 2013, registrou conclusão similar: nosso desempenho em produtividade e tecnologia é insuficiente e precisa melhorar para viabilizar o crescimento econômico.

Os dados econômicos refletem a realidade que testemunhamos no dia a dia. Os restaurantes brasileiros são generosos no número de garçons, mas o atendimento é lento, os pratos vêm trocados e a conta chega errada. Nas dezenas de pequenas obras que empesteiam nossas cidades, para cada indivíduo trabalhando vemos sempre outros quatro (ou dez) observando. Visitar as modernas instalações de grandes empresas não revelará quadro distinto. A aparência pode ser de frenesi laboral, marcado por telefonemas urgentes e andares acelerados. Entretanto, um breve diagnóstico revelará uma infinidade de reuniões sem razão, projetos sem objetivo e iniciativas sem “acabativas”. Em suma: caos institucionalizado.

Se o ambiente, as leis, a infraestrutura e a cultura de trabalho não cooperam, a gestão nas empresas também não ajuda. Pesquisas indicam que as empresas brasileiras são, em geral, mal administradas. Sobra simpatia por modismos gerenciais, porém há pouco apreço por práticas consolidadas, aqueles processos e procedimentos básicos que não colocam a empresa na capa das revistas de negócios, mas que realmente importam.

Houvesse um índice Gini que medisse a distribuição do trabalho no Brasil, esse revelaria resultado tão desastroso quanto o de distribuição de renda, pois aqui poucos trabalham muito, a maioria trabalha pouco, e quase ninguém trabalha direito. Enquanto alguns setores e empresas carregam o piano da economia, gerando valor e divisas, outros setores e empresas apenas apreciam a música, sem ao menos pagar pelo ingresso. Tivesse a minoria produtiva consciência de classe, há muito teria posto a correr, ou trabalhar, as hordas parasitas do redor.

Qualquer executivo estrangeiro sabe que, ao cruzar a fronteira brasileira, começa a perder tempo: no trânsito infernal, com a infraestrutura insuficiente, a legislação arcaica, os impostos incompreensíveis, e a mão de obra pouco qualificada, frequentemente a sofrer de crônica laborfobia.

De fato, a aversão ao trabalho é uma antiga característica tropical. Trabalhar por aqui nunca teve muito cartaz. Já foi coisa de escravo e de quem não tinha algo melhor a fazer. Nas décadas recentes, o Brasil encheu-se de empregados, o que foi ótimo, mas não evoluiu na produtividade do trabalho, o que é péssimo. Quem quer o emprego quer o salário, a segurança e o consumo que vem do salário. Muito justo. Mas não parece querer a labuta justa que vem com o emprego.

O trabalho nos trópicos não recebeu herança similar à da ética protestante. Do modelo de colonização e do flagelo da escravidão herdamos a aversão à labuta. Pressionados, esticamos as jornadas e aceleramos o ritmo, recebendo em troca estresse e patologias, mas não conseguimos melhorar a forma como o trabalho é realizado. Recusamos o trabalho transformador e celebramos a mais conservadora preguiça, preparando-nos para perder mais uma década.
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