sábado, 17 de janeiro de 2015

Compliance


É um termo bem assertivo e muito forte. "Comply with" significa que a pessoa entendeu, perfeitamente, o que lhe foi dito, instruído ou orientado. Agirá de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou um pedido. A partir de então, o emissor, a pessoa que verbalizou a instrução ou orientação, assume que o receptor entendeu, clara e cristalinamente, o que foi dito e fará conforme o "acordado" ou "in accordance to". "You may proceed in accordance to complied..." ("Prossiga de acordo com o confirmado") seriam as palavras do controlador de tráfego aéreo mundo afora.

No Brasil, em aeronáutica, usamos o termo “cotejar” com exatamente o mesmo propósito. O previsor meteorológico, o controlador de tráfego aéreo, esteja ele no “controle de solo”, na torre ou no “controle de aproximação ou decolagem”, ambo setores distintos, transmitem suas instruções a ao fim determinam: “Coteje!” ou “Comply!”; Um acordo subliminar, porém com força até judicial ali é selado. Caso o piloto não repita de acordo com o dito, aqueles controladores repetem, à exaustão, até se convencerem. Contudo, nem sempre o tempo permite tal oportunidade.

Para haver o “compliance” ambos, transmissor e receptor precisam possuir um nível mínimo de instrução e de formação intelectual para atender àquela atividade específica.

Ressalta-se de todo o que foi, até agora, dito a capacidade de ler, entender e se expressar.
Uma gama considerável de acidentes aeronáuticos e de trabalho (ocupacionais) tem como causador de fundo o fator humano: O homem por detrás do erro.

Dos eventos que, ao longo da minha carreira como especialista em prevenção e investigação de acidentes aeronáuticos e de trabalho, lidei ou pesquisei para concluir uma investigação daqueles, denunciaram erros de interpretação de normas e de orientações escritas por forma errada, incompleta, vaga ou inconclusiva.

O cidadão brasileiro já não tem o hábito da leitura. Dificilmente lê, ou segue completamente, um manual de instruções de equipamentos eletroeletrônicos domésticos. O cenário e oportunidade para o erro e o consequente acidente são amplos e profusos. Os riscos evidenciam-se na incapacidade de se expressar, de ler e entender diretivas técnicas. Ademais, a capacidade de se mitigar tal constatação esbarra nos altos custos de capacitação pós-formação nas organizações, ainda mais que as empresas não têm recursos sobrando para complementar o que o Estado deixou de promover.

Nota-se que o raciocínio ultrapassa os limites da atividade aérea, penetrando, incólume, nos redutos dos lares e paredes das organizações.

A pergunta é: Haverá solução no futuro? Parece-me que não, infelizmente não. Neste propósito, o que esperar dos resultados do ENEM 2014?

Ademais, não obstante profusos e emocionados discursos políticos e acadêmicos, o recente resultado denuncia nossa peculiar idiossincrasia. De sorte que a sociedade precisa encarar os fatos e assumir a falência da atual Educação no país. Não bastam os históricos fracassos representados por baixíssimos índices de aprovação nos exames da OAB ao longo do território nacional mas o constante, e quase motivo de piadas, resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Programme for International Student Assessment - PISA ).

O fracasso estampado na assustadora quantidade de notas "zero" obtidas por candidatos aspirantes ao ingresso nas universidades (centros históricos de produção de conhecimento em todos países do mundo), apenas representa, como o ápice de um enorme e desconhecido iceberg, as condições estruturais e, vergonhosamente, conjunturais que nossa sociedade, ao terceirizar sua responsabilidade direta a políticos e intelectuais, permitiu que a educação nacional chegasse. Daí conjuntural e vergonhosa.

O problema maior é que mais de quinhentos mil candidatos com notas zero significa dizer que a qualidade dos profissionais e cidadãos que irão gerenciar a sociedade daqui a vinte anos já está, inexoravelmente, comprometida, sobretudo em capacidade de enxergar, discernir e lidar com os crescentes desafios a nós colocados pela constante e irreversível interação e integração pela globalização.

Quando verificamos o percentual inacreditavelmente baixo da destinação orçamentária pela Lei do Orçamento Anual (LOA), que nos últimos quinze anos gira no entorno de apenas três por cento (3%) há que se considerar que a sociedade não está assumindo seu papel em uma madura e responsável governança social, posto que tais percentuais são avaliados e aprovados por políticos democraticamente eleitos, cujos trabalhos ou ausências são ignorados, pelo eleitor e cidadão, no dia seguinte a colocação de seu voto na urna.

Apagão de mão de obra, analfabetismo funcional, queda na produtividade industrial e, principalmente, queda da qualidade da produtividade individual do trabalhador brasileiro -medido por levantamento do Banco Mundial em 2014- fazem parte de nosso cotidiano que, de tão constantes, já não causam qualquer sobressalto no cidadão, tampouco os impele a cobrar dos políticos eleitos e dos Conselhos de Ensino espalhados nos 26 estados da federação.

Quanto à competitividade internacional de nossos produtos, os elevados custos dos encargos trabalhistas e a baixa qualidade geral dos bens e serviços aqui produzidos não estão estimulando investidores estrangeiros, instituições e países, a projetarem nossa produção ao mundo. Diante de tais quadros ainda é mais barato e seguro investir em países em desenvolvimento na Ásia e África do que em nós, não obstante às melhores qualidades de nosso clima, recursos naturais e estabilidade de nossa idiossincrasia social. Clima tropical, poucos acidentes geográficos significativos e não existirem, entre nós, conflitos étnicos ou sociais nos tornam verdadeiro nirvana para investimentos consistentes e perenes.

Se quisermos se um país que, de fato, quer reduzir a desigualdade social e ampliar sua capacidade de competitividade mundial, a Educação levada a sério é o primeiro e fundamental item de uma extensiva pauta de correções e ajustas urgentes. Basta a sociedade acordar, amadurecer e querer.
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