domingo, 11 de janeiro de 2015

Sobre arautos e jabutis.

Breves considerações sobre mudanças organizacionais

O ano de 2015 nos reservará muitas surpresas. A desconstrução da relativa solidez de nossa economia esgotou-a ou , ao menos, vem dando visíveis sinais de exaustão frente ao aumento do ritmo do consumo - escolha de decisões adotadas para aquecer a economia sem o necessário investimento na infraestrutura.

Haverá restrições ao consumo, ao acesso ao crédito e não há sinais  ou consenso nos três principais segmentos econômicos (indústria, comércio e serviços) sobre recursos para auto-investimento. Se não houver folga a sobrevivência no limiar do "azul" deverá ser o cenário ao final dos exercícios financeiros.

Este cenário se reverberará com se fora uma onda circular que brota no cair da pedra no plano e imóvel lago. Alcançará e imergirá, indistintamente, todas empresas e organizações ao longo da cadeia produtiva.

Expectativas, desconforto e, eventualmente, desespero serão comuns e, infelizmente, familiares se comparados aos dias anteriores à conquista da estabilidade da moeda, há mais de vinte anos.

A consequente sensação de desorientação e sobressaltos começará a tomar corpo no setores, divisões e corredores. Os boatos começam a fervilhar nos intervalos dos cafezinhos e as "verdades absolutas" a ganhar forma. 

Surgem, então, os arautos incautos. O nome pode sugerir um tipo de papagaio ou ave diferente na fauna brasileira, Contudo, essa figura, comum na Europa medieval, era o soldado responsável pela vigília nos muros que rodeavam os castelos e anunciava a situação de calma ou de ataques. Os incautos atualizavam a situação favorável sem se darem ao trabalho, e obrigação pela qual eram remunerados, de caminhar toda a longa extensão dos muros dos castelos dando, assim, oportunidade que vilões e bandidos encobertos nas sombras, escalassem os muros e, mais adiante, dominassem toda a guarda tomando o castelo. Nas organizações os arautos incautos começam a clamar por mudanças.

Mudanças, incontestáveis e visíveis, quase nos mordendo de tão óbvias. Mas mudar o quê? O quê, exatamente, está errado? O que precisa de mudanças? Correções de procedimentos ou adaptações nos processos ou fluxos de trabalho não seriam mais coerentes e adequados? Assim os custos e impactos seriam menores que nas mudanças mais expressivas ou radicais. Sobretudo em cenários de fortes e profundas restrições econômicas.

Nosso cotidiano é repleto de "sinais inexoráveis" de mudanças. Queremos mudar o síndico quando algo que não nos cheira bem está dando e impressão de estar errado. Mas poucos querem conhecer com mais profundidade os problemas da administração do condomínio onde mora, como mero exemplo, os eternos problemas com mão-de-obra pouco qualificada e com uma vertiginosa rotatividade dos funcionários que encarece, sobremaneira, os parcos recursos amealhados nos pagamentos que o síndico, para o bem de sua integridade física, não ousa aumentar.

Da mesma forma também queremos que o técnico de nosso time seja substituído quando há uma sequência de empates ou derrotas. Mas pouquíssimos querem se interessar em saber da danosa influência dos patrocinadores e mídia no trabalho do técnico ou o como exigem a presença física dos atletas nos momentos que lhes são reservados para o merecido descanso, deixando de correlacionar estas interferência ao desgaste físico e psicológico dos atletas.

Também queremos que o presidente ou prefeito mudem sem nos darmos ao trabalho de acompanhar, muito amiúde, a gestão do orçamento público sob pressão de uma infinidade de interesses  corporativos com lobbies e greves de toda sorte em todos os segmentos da economia brasileira. Enfim, todos querem mudanças sem terem condições, sequer, de apontar de forma cristalina e convincente, o que precisa ser mudado e por qual motivo.

Para mudar primeiro há que se ter prudência. Há que se conhecer, profundamente, o negócio no qual está inserido e as pressões naturais do mercado e do macro-ambiente. Para tanto, o conhecimento profundo das diretrizes, normas e procedimentos escritos e histórico de circulares é de fundamental importância apesar de frequentemente negligenciados. Nossa idiossincrasia brasileira não nos estimula a "debrifing" de projetos ou registrar o que deu certo ou errado para termos as 'lições aprendidas". Tais relatórios são de fundamental importância para se aprofundar o conhecimento de causa, salutar antes de pensar em propor mudanças.

Há que se ter a sensatez de aceitar que as propostas de mudanças requerem constatação e profunda reflexão, sobre as condições e possibilidades que os fornecedores, parceiros, setores precedentes poderão dar de sustentação ao seu projeto e, também, o impacto nos planejamentos dos clientes internos e finalísticos. Há que se considerar que todos estes atores já tem seus planos de metas estabelecidos para o ano em curso e sua proposta de mudança, se baseada em um conhecimento superficial e incompleto (o que, infelizmente, é o que mais ocorre), irá impactar, talvez de forma profunda e irreversível, o desempenho orçamentário de todos em anos de crise e severas restrições de toda sorte.

Quando deparava-me em situações semelhantes conclamava os amigos e parceiros a refletirmos sobre as reais necessidades de mudanças. Via de regra estava remando contra a corrente mas insistia no ponto de vista e nas dúvidas até serem absolutamente sanadas. As análises eram criteriosas e capilarizadas em profundidade até onde podíamos investigar. Ainda assim demonstrava desconforto e ficava incerto. O que dizia aos parceiros e colaboradores ávidos por mudanças ou algo de novo que pudesse lhes dar a oportunidade de "imprimir suas assinaturas" que aquele procedimento ou equipamento ou lay out estava ali já antes de nossa chegada e conviria pesquisar, mais amiúde, o motivo pelo qual ali estava. Afinal, descobrir o que está errado é difícil e, raramente, ocorre em um consenso obtido em curto espaço de tempo. Perguntava que se não tínhamos absoluta certeza sobre o que estava errado como é que queríamos a mudança? Parecia-me coerente, líquido e certo...ledo engano, ledo engano.

Por fim, valia-me de um velho adágio popular aprendido nas ruas de Mesquita, RJ, dos aposentados mais velhos diante do olhar concentrado no tabuleiro de damas cujas pedras eram chapinhas de garrafas de cerveja: "Você já viu algum jabuti subir em árvores? Se não viu há dois motivos para ele lá estar, ou foi boiando em enchente ou porque alguém ali o colocou. Então, "fio", deixa ele lá, deixa quieto, não mexe!!"

Era a postura  mais prudente, afinal a única mudança que poderíamos obter era a página de dispensa na carteira de trabalho carimbada e preenchida. Isso, claro, ninguém queria.
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Um comentário:

  1. Muito boa leitura, assunto de grande importância, mas parece que ninguém esta arriscando dar um comentário porque? não leram? não entenderam o que leram?

    Assim que tiver "digerido" melhor, vou dar meu pitáco. No ínterim estou um pouco em cima do "muro" aguardando a bola começar a rolar. Mas vou comentar sim.

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