Camila Schoti
O Globo
Ao tomar decisões sem avaliar de maneira precisa seus reais impactos, o Brasil está comprometendo sua capacidade futura de produção de eletricidade de maneira competitiva. É que a opção de não mais construir hidrelétricas com reservatórios — sem uma análise de custo-benefício que justifique a atitude de abrir mão desse potencial renovável, seguro e relativamente barato — ameaça um de seus trunfos em favor de uma economia que tem na indústria um dos principais pilares de desenvolvimento.
O Plano Decenal de Expansão de Energia 2022 confirma essa opção. De acordo com o documento, um indicativo de planejamento do setor elétrico, a participação de usinas hidrelétricas na capacidade instalada de geração de eletricidade deve se reduzir a 65% em 2022, frente aos 71% em 2012, sendo que as novas usinas terão capacidade de armazenamento bastante limitada. Ao mesmo tempo, a participação das eólicas deve passar de 1,5% para 9,5% na mesma base de comparação.
Uma troca, no mínimo, questionável, diante das ameaças à estabilidade do sistema. Quais são as implicações dessa mudança significativa da matriz elétrica? Quais os custos, ambientais e econômicos a ela associados? E os benefícios? A operação do sistema elétrico certamente ficará mais complexa devido ao aumento da participação de fontes de geração intermitentes: como vamos lidar com o problema? Perguntas como estas precisam ser respondidas para que decisões equivocadas não nos prejudiquem no futuro.
A experiência da Inglaterra, por exemplo, ensina que erros de política energética e mecanismos regulatórios ineficientes podem colocar países em situação delicada. A falta de competição na geração, a baixa atratividade a investimentos e a indisponibilidade de recursos naturais fizeram com que o país tivesse de se sujeitar a contratos de fornecimento de energia com custos bastante elevados.
Ademais, na avaliação de reguladores e geradores europeus, se nada for feito, dentro de quatro ou cinco anos os ingleses poderão enfrentar problemas de falta de energia. Com poucas opções, decidiram aumentar sua geração a partir de usinas nucleares, mas estão com dificuldades para encontrar quem as construa.
Segundo Stephen Thomas, acadêmico na área de política energética da Universidade de Greenwish, a EDF é a única empresa disposta a fazê-lo e está cobrando caro por isso. Por ora, os termos são os seguintes: tarifa que corresponde a mais do que o dobro da praticada hoje, em contratos de até 35 anos.
Apesar de diferenças relevantes entre os dois países, a realidade inglesa serve de alerta para nós: temos recursos naturais, profissionais capacitados, instituições fortalecidas e condições de gerar energia competitiva que poucos países no mundo têm. Até quando vamos criar problemas e dificuldades onde (ainda) não existem? Precisamos, no mínimo, conhecer a fundo as consequências da decisão que está sendo tomada pela sociedade em relação ao potencial hidrelétrico brasileiro. Caso contrário, o preço pode ser alto.
Camila Schoti é coordenadora de energia elétrica da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres
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