Cid Gomes
Veja
O governador do Ceará diz que enfrentar as empresas que se juntam para superfaturar os contratos e emperrar as obras públicas é um desafio permanente dos governantes
Cid Gomes lembra muito seu irmão mais velho, o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes, no quesito da língua solta. Em três horas de conversa em seu gabinete, criticou políticos, tribunais de contas, órgãos de fiscalização e empreiteiras que só querem "tirar um pedaço do governo do estado”. Defendeu-se das acusações recentes que recebeu envolvendo o uso de dinheiro público (“Quem fez a lei de licitação acha que todo governante é ladrão") e arriscou um prognóstico para as eleições de 2014: Marina Silva, por simbolizar o “novo", engolirá Eduardo Campos, que personifica o velho político. Mas, como o mundo ideal não existe, no fim, os eleitores acabarão escolhendo o “mundo real", personificado por Dilma Rousseff, a quem ele apoia.
O que é essa marca de bala aqui na janela de seu gabinete? É de tiro?
Não. é de bilada de baladeira.
De quê?
“Bila" é bola de gude em “cearês”. “Baladeira” é estilingue. Uns black blocs tentaram invadir o palácio e arremessaram várias dessas em direção à janela. Uma pegou. Mas o Ceará não é um lugar em que o radicalismo tenha a conivência do Estado, como em outros lugares. Black blocs aqui não é coisa que se sustente. Aqui nós prendemos, não tivemos tolerância
O que as manifestações de junho ensinaram aos governantes?
Essas manifestações são cíclicas. Já aconteceram, diminuíram e vão se radicalizar de novo. A essência foi o questionamento de como um país que consegue fazer a Copa e construir estádios como o Castelão (em Fortaleza) não tem capacidade para resolver os problemas de saúde. educação e segurança. Isso comprometeu a popularidade dos governantes e levou as pessoas à busca por nomes novos. Mas esses nomes não apareceram. O cabra pensa: "Não estou satisfeito, mas quem tem para votar? Aécio? Serra? Marina? Eduardo?”. Quando as pessoas veem as alternativas,acabam voltando para a Dilma. O mundo ideal não existe. No mundo real, a Dilma é a melhor alternativa.
0 que a presidente Dilma tem a mostrar para convencer o eleitorado a lhe dar mais quatro anos?
Ela tem o compromisso com o brasileiro que precisa mais do governo. Tem muita gente que gostaria que nem existisse Estado — o sujeito que produz, entrega parte para o Estado e recebe de volta uma infraestrutura toda deficiente, por exemplo. Mas, para a maioria da população, o Estado é a solução. E, para esse povo, a Dilma tem o que mostrar. O governo dela é realizador. Sei que há projetos que não foram concluídos, mas a dificuldade de fazer uma obra no Brasil é enorme.
Por quê?
O Executivo não está capacitado para acompanhar o nível de exigência das instâncias licenciadoras e fiscalizadoras. Eu vivo isso aqui no Ceará. Foi-se o tempo em que, para fazer alguma coisa, você precisava só do projeto e do recurso. Hoje isso é menos da metade.
0 senhor se refere aos mecanismos de controle? Acha que seria o caso de afrouxá-los?
Fiscalizar é sempre bom, mas tem um problema. Como o Brasil passou muito tempo sem fazer obras, os órgãos fiscalizadores se aparelharam mais do que os realizadores. Há mais engenheiros no Tribunal de Contas do que no DNIT. E essa turma tem muito poder. Ela diz que há um suposto so-brepreço numa obra e para tudo sem ter a certeza do problema. Os governantes têm de enfrentar simultaneamente as duas faces da moeda.
Quais são essas duas faces?
Fui fazer o cinturão das águas, a maior obra hídrica do estado. Dividi em cinco lotes e coloquei os preços. Mas todas as grandes construtoras queixaram-se de que o preço estava baixo e fizeram um boicote para que não aparecessem interessados e a licitação fosse anulada. Queriam, com isso, forçar o governo a elevar os preços. Briguei e fui em frente sem as grandes construtoras. Aí o Tribunal de Contas apontou que havia um suposto sobrepreço. Enfrentei as duas críticas, de quem achava o preço alto e de quem achava o preço baixo. Depois de um tempo o tribunal liberou. Mas perdi com isso seis meses. O Brasil precisa urgentemente de uma tabela de preços para obras e compras públicas.
O senhor é acusado de ter gastado dinheiro em excesso na compra de carros para a polícia. Essa tabela evitaria esse problema?
Vão criticar sempre. Criticam quando a polícia não tem carro e criticam quando compro carro bom. Falavam da Hilux (caminhonete da Toyota) da polícia do Ceará. O poder público tem que comprar sempre o mais barato? Isso é um barato que sai caro. Quem fez a lei de licitação acha que todo governante é ladrão.
O senhor levou sua sogra de carona para a Europa em um jatinho alugado pelo governo estadual. As críticas também foram injustas?
Já pedi desculpas públicas por isso. Não fiz de má-fé. Legalmente, todos os processos concluíram que não houve prejuízo para os cofres públicos. Mas, pela comoção que isso causou, pedi desculpas. Nem eu viajei mais de jatinho para fora do país nem levei mais minha sogra.
E a contratação de um bufê com caviar e escargot para seu gabinete, ela foi correta?
Não é o governador que escolhe o cardápio. é um funcionário de terceiro escalão. Isso é pura demagogia. Um dos itens era uma bombinha de camarão com caviar, uma entradinha que custa 50,80 reais o cento. Isso não é para eu comer no dia a dia. Quando estou aqui, mando comprar um franguinho assado com baião de dois em uma televisão de cachorro. O bufê é para eventos. É um contrato de 3 milhões de reais em quatro anos. Sinceramente, é esse o problema do estado? Sabe quanto economizei na contratação da linha leste do metrô? Duzentos milhões de reais. É aí que se economiza. Não com demagogia, mas brigando com todo mundo.
Brigando com quem?
Com todo mundo. Economizar não é fácil. Você se indispõe, deixa gente insatisfeita. E não é gente fraca não, é poderosa: empreiteira, construtora. Os cabras juntam quatro ou cinco construtoras grandes e se acertam no Brasil inteiro: "Você fica com o metrô de São Paulo, eu fico com o de Brasília e eu com o de Fortaleza". Chegam aqui na cara de pau para dizer o resultado da licitação que você ainda vai fazer. Aí, o governo tem de lutar para ter gente interessada, atrair concorrentes. Só nessa linha leste do metrô foram sete ações judiciais, todas para impedir a participação de alguém. E o Estado sempre querendo o maior número de participantes. Entre o preço orçado e o preço que, no final, ganhou, consegui economizar 200 milhões de reais. Mas foi uma batalha. Todo mundo só quer ganhar o seu, tirar um pedaço do dinheiro do Estado.
Não há obra pública sem corrupção?
O governo está sempre correndo atrás. O único reconhecimento que um governante tem é quando entrega uma obra. É uma briga danada para projetar, para licenciar, para fazer concorrência. Minha angústia é essa. Nesse caso do metrô, economizei dinheiro e, o mais importante, vou conseguir concluir a obra no meu governo. Mas é difícil demais, homem. O projetista se junta com a construtora para acertar sobrepreços. O concreto é superestimado, o asfalto é superestimado. É brabo, amigo. Todo mundo quer pegar dinheiro do Estado.
As empresas envolvidas no cartel de trens em São Paulo atuaram no Ceará?
Se não tivesse havido essa investigação, eu teria levado fumo aqui, teria levado um prejuízo de mais de 1 milhão de reais. Como aconteceu esse negócio lá a turma ficou com medo.
Seu irmão Ciro também gosta de uma briga. É uma característica de família?
Deve ser. Eu sou mais condescendente, o Ciro não aguenta ver um cartaz de "Fora, Cid”. Ele acha isso fascismo, nazismo. No sábado mesmo (há duas semanas) rasgou o cartaz de um manifestante. O Ciro é um cara extraordinário, mas é inegável que tem um pavio curto que o impediu de chegar mais longe.
0 seu grupo político, com uma interrupção de quatro anos, está no poder desde 1987. Mas o Ceará ainda apresenta indicadores sociais muito abaixo da média nacional. Não é um resultado fraco? Os resultados demoram, mas aparecer. Na educação, por exemplo, o Ceará em 2007 era o 11 estado entre os dezesseis do Norte e do Nordeste. Em 2011, pulamos para o primeiro lugar. São dados objetivos.
Mas há outros setores em que o seu governo fracassa, como a segurança pública. Só no último ano os homicídios cresceram 18%.
O que é de estrita responsabilidade do poder público é mais fácil. Construir uma escola, comprar equipamento e colocar professores só depende do poder público. Já segurança não depende só da infraestrutura. Eu dupliquei o número de delegacias de polícia e a melhora não apareceu. Há um fenômeno de chegada do crack no Nordeste e no Norte — 75% dos homicídios estão relacionados ao narcotráfico. Se não tivesse havido tanto investimento, estaria ainda pior.
0 senhor defende uma reforma política que fortaleça os partidos, mas acaba de se filiar ao Pros, um partido de aluguel. Não é uma contradição?
Eu não tinha de mudar de partido, mas fui forçado a deixar o PSB. Aí fui ver as alternativas e o Pros foi a melhor escolha possível. É um pequeno esforço de criar um partido que lute pela redução de impostos. No absoluto, isso contrasta com o que eu penso. Defendo a necessidade de um Estado forte, Estado forte pressupõe impostos.
Mas um partido que defende um Estado mais forte não é justamente o PSB?
Eu me identifico com o PSB, mas não tinha como ficar e apoiar a candidatura de Eduardo Campos.
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