quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Maior desânimo, alguma fé

 CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO


Mais propriedade privada, inclusive da terra, mais salário, mais renda pessoal, mais consumo interno e menos poupança


De um ouvinte da CBN, por e-mail, depois de acompanhar reportagens sobre, por exemplo, os gastos crescentes com seguro desemprego em um momento de quase pleno emprego:

“Meu nome é Marcos, sou comerciante e gostaria de uma oportunidade para desabafar o meu sofrimento com relação à lei trabalhista no Brasil. Sou uma pessoa que procura o melhor para o bem-estar de todos e o mais correto possível.

“Atualmente, tenho dois comércios e em ambos trabalho com funcionários devidamente registrados.

“Não faço nada que prejudique meus colaboradores, tudo que eles têm de direito, é tudo devidamente pago.

“Trato-os com respeito e incentivos, mas, quando comentem infrações, são devidamente punidos.

“O meu desabafo é o seguinte: apesar de estar tudo correto perante a lei trabalhista, enfrento diversos problemas com relação aos colaboradores, eles sempre estão me testando. Mesmo sempre estando sob consulta da lei, eles sempre arranjam algo para se beneficiar e se escorar nos braços do FGTS e do Seguro-Desemprego.

“Na maioria dos casos, após 6 meses de registro, o colaborador se acomoda na esperança de se beneficiar dos recursos que o governo oferece. Concordo que a parte mais fraca deve ser protegida pela lei, mas, nos tempos atuais, estes benefícios emperram a evolução do brasileiro. O colaborador se acomoda por estar amparado pelo benefício.

“Acho que o governo deveria se atentar para a formação de profissionais e não sustentar gente que se acomoda nas custas do FGTS e do Seguro-Desemprego. Concordo que o FGTS e o Seguro-Desemprego ajudam os mais desfavorecidos, mas este sistema está levando nosso povo à acomodação.

“Do meu ponto de vista, o povo carente precisa de ajuda para a sobrevivência, mas também precisa de uma certa pressão pra levá-lo para o progresso próprio. Espero que este desabafo seja analisado e publicado por um especialista, para que o futuro do nosso povo seja mais produtivo e competitivo diante o mundo que não para de evoluir.”


À chinesa

Papel “decisivo” é certamente mais forte do que papel “básico”. Logo, o governo chinês do presidente Xi Jinping decidiu implementar as reformas na direção de mais capitalismo privado. Tal foi a conclusão de todos que leram, na última terça, o comunicado da reunião plenária do Comitê Central do Partido Comunista. Simplesmente disseram que o Partido continua mandando, mas o livre mercado passa a ter um “papel decisivo”.

Vinte anos atrás, também introduzindo uma série de reformas, os dirigentes da época atribuíam ao mercado uma função apenas “básica”.

Foi também em 1993 que os chineses inventaram uma pérola, a “economia socialista de mercado”. Não propriamente a coisa, mas a expressão, introduzida na Constituição como uma resposta às críticas de esquerda. Estas acusavam a direção do Partido Comunista e do governo de se desviarem dos ideais socialistas para cair na economia de mercado, aberta aos capitais privados nacionais e estrangeiros.

Sim, há na China uma economia de livre mercado, disse o grupo dirigente, então liderado por Jiang Zemin, mas sob controle do Partido e com o objetivo de construir... o socialismo. Daí a contradição em termos, socialismo de mercado, mas quem se importava com essas, digamos, sutilezas?

O fato é que o período do governo de Zemin foi de forte desestatização. Foram fechadas nada menos que 125 mil companhias estatais, com a eliminação de 35 milhões de empregos.

Ocorre que sobraram outras 130 mil estatais, com ainda mais empregados do que os postos eliminados. Seria isso socialismo de mercado? Na verdade, a descrição mais adequada seria capitalismo de Estado, na economia, com uma ditadura, na política. Manda o partido e as estatais dominam setores chaves, como o financeiro, por exemplo. Mas há todo um setor privado em torno disso.

Pois agora o Comitê Central decidiu que é o momento de uma nova onda de reformas. Está todo mundo entendendo que se trata de mais mercado e menos Estado. Os atuais dirigentes falam em reformas modernizadoras e distribuição a todos dos benefícios do progresso recente.

Ou seja, mais propriedade privada, inclusive da terra, mais salário, mais renda pessoal, mais consumo interno, e menos poupança e exportação. Não é fácil operar essa mudança, especialmente quando é preciso fazer uma coisa e dizer outra.

Mas parece que eles são mestres nessa arte.

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