Recebi esta oportuna reportagem de uma grande amiga e tomei a liberdade de sublinhar alguns pontos para comentá-los.
Chamo a atenção para o fato de ser a França, e não os EUA que produziu estes comentários. A França país tido como fomentadora de ideais democráticos.
Outro ponto digno de nota é que hoje em dia, mercê de nossa fenomenal capacidade de acesso à informação, os últimos acontecimentos demonstram que temos tipo de apatia similar àquela comentada no artigo em meados da década de 60 do século passado.
Observa-se, também, que no período aludido nosso PIB e volume de investimentos foi o maior registrado...até então.
“...São homens que podem, por vezes, se mostrar desajeitados, patrioteiros, mesmo despóticos, mas que são honestos, competentes e coerentes, e constituem talvez o governo menos ruim que o Brasil já teve desde há muito tempo".”
Com relação à previsão sobre nossos vizinhos eles já anteviram o que se verifica hoje, à exceção da Guiana, todos os governos atuais são de partidos de esquerda naquela época ou deles originados.
Nossa idiossincrasia de não querer assumir compromissos coletivos com regimes democráticos já se denotava em foros internacionais.
O artigo ilumina a baixa densidade de notórios políticos nossos sob o ponto de vista dos representantes do país da grande revolução e títere das liberdades. Os últimos acontecimentos demonstram que tal qualidade não melhorou, mesmo com um amplo espectro de cidadãos podendo ir às urnas para escolher.
O que me chama a atenção é que desde aquela época tivemos um espetacular acesso à informação e ainda não obtivemos a consciência coletiva de ver sociedade como ente de demandas coletivas. Nossa Constituição é pródiga em proteger liberdades individuais em detrimento de obrigações coletivas.
Não acredito ser este o caminho que nos projetará como economia emergente consistente mercê de nossa enorme cama king size de casal, o nosso berço esplêndido: pré-sal, serra da raposa do sol etc etc.
Nos arquivos da diplomacia: brasileiros apáticos
Neste 7 de setembro, o presidente francês Nicolas Sarkozy será o convidado de honra do colega brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva no desfile patriótico da data nacional, em Brasília. Brasil e França vivem atualmente um período excepcional de apreço recíproco, de "parceria estratégica" e de "Aliança para a Mudança", com assinaturas de acordos militares bilionários e discursos de política internacional unificados.
Nos bastidores da real politk, no entanto, nem sempre o clima foi de lua-de-mel.
Em 7 de abril de 1965, um ano após o golpe militar que destituiu o presidente João Goulart, o embaixador da França no Brasil, Pierre Sebilleau, manifestava um certo alívio em seu relatório enviado ao Ministério da Relações Exteriores, em Paris: "Não há o mínimo temor de uma revolta espontânea do povo o mais apático, o mais resignado à miséria que existe no mundo". Funcionário atentivo e aplicado, o diplomata não economizava adjetivos à população nativa: "Na realidade, a massa de brasileiros, indolente e indiferente por natureza, bem ou mal se acomoda a esse regime, autoritário sem dúvida, mas que revela uma grande preocupação com as formas legais, e que obteve certos resultados num dos únicos domínios que entusiasmam o popular: a luta contra a corrupção".
No balanço do primeiro ano do governo do general Castello Branco (1964-1967), Pierre Sabilleau é fiel a seu pensamento: "Sua 'Revolução' não é um caso de princípios imortais e grandes ideais. Ela é pragmática, e seus dirigentes atuais, civis e militares, não são teóricos. São homens que podem, por vezes, se mostrar desajeitados, patrioteiros, mesmo despóticos, mas que são honestos, competentes e coerentes, e constituem talvez o governo menos ruim que o Brasil já teve desde há muito tempo".
Mesmo satisfeito com a ascensão ao poder do "democrata conservador" Castello Branco, o embaixador francês exprimia à matriz sua inquietude com a ameaça comunista nos trópicos: "A América do Sul inteira está exposta à certos perigos de subversão. O Brasil pode, um dia, ser ameaçado na sua integridade pela desproporção crescente entre o Sul rico, moderno, europeu, industrializado, e o miserável Nordeste, onde o risco do castrismo não é desprezível".
A carta do embaixador é apenas um dos mais de sete mil preciosos e curiosos documentos oficiais franceses do período 1960-66 manuseados atentamente pela pesquisadora brasileira Luciana Uchôa, autora do trabalho de relações internacionais na Universidade Sorbonne, em Paris, intitulado "A atitude da França em relação ao novo regime instaurado pelo golpe de Estado militar no Brasil de 31 de março de 1964".
É sabido que, na época, o Brasil ocupava uma posição periférica nas estratégias da política exterior francesa. O objetivo do minucioso estudo da brasileira foi o de demonstrar como, em tempos de Guerra Fria, a "esquerdização" nos governos Jânio Quadros (de janeiro a agosto de 1961) e João Goulart (1961-1964) foi hostilizada pelas autoridades francesas, posteriormente benevolentes com os militares golpistas. O trabalho prioriza a influência da questão ideólogica nas reações do governo francês às turbulências verificadas no Brasil, que terminaram por arejar as relações entre os dois países. Antes do golpe, os franceses condenavam a posição "independente" e "nacionalista" do governo brasileiro. Depois, elogiaram o retorno a um estado de ordem e de cooperação. Além da pesquisa documental, Luciana ouviu diplomatas em missão no Brasil na época e um ex-agente secreto francês que tinha a tarefa de informar Paris sobre o avanço comunista no país.
O trabalho ressuscita instigantes documentos adormercidos nos arquivos do Ministério das Relações Exteriores francês. Num deles, datado de 14 de junho de 1962, o então embaixador francês, Jacques Baeyens, queixa-se da imprensa brasileira, que "sempre evoca os direitos do Brasil sem nunca fazer a menor alusão a suas obrigações". Na mesma carta, o embaixador prossegue sua ladainha: "A maioria dos meus interlocutores fala perfeitamente nosso idioma e se mostra cortês, mas sente-se cada vez mais neles uma vontade de exprimir sua independência face ao estrangeiro, ignorando promessas e compromissos".
Os diplomatas franceses não poupavam comentários sobre politicos e personalidades brasileiras. Em novembro de 1962, Leonel Brizola é rotulado como "homem de esquerda, demagógico", mas a quem "não se deve perder de vista, se os acontecimentos lhe oferecerem uma chance de aceder à postos mais elevados".
Às vésperas de uma viagem à Paris, em 1961, o "embaixador itinerante" e diretor do Diário de Noticias, João Dantas, é desqualificado num relatório francês como "homem nada brilhante", que "desconhece os problemas que evoca". Tancredro Neves é descrito como um "pequeno homem calvo, de aspecto definhado e maneiras doces": "Diz-se que, diante de uma assembléia parlamentar ele consegue se animar. No entanto, é mais apreciado por senadores e deputados por sua afabilidade do que pela energia".
Distante da soturna linguagem acadêmica, o estudo de Luciana Uchôa é de agradável e informativa leitura. Hoje, a adjetivação utilizada pelos diplomatas franceses em relação ao Brasil, em seus relatórios secretos, certamente não é a mesma de tempos passados. Mas, para saber um pouco mais dos meandros da nova "parceria estratégica" de Brasil e França, somente daqui a 30 anos, prazo oficial de liberação para consulta dos arquivos diplomáticos franceses.
Fernando Eichenberg, jornalista, vive há doze anos em Paris, de onde colabora para diversos veículos jornalísticos brasileiros, e é autor do livro "Entre Aspas - diálogos contemporâneos",
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