sábado, 9 de junho de 2012

Legados


KENNETH MAXWELL
FOLHA DE SP


O Brasil tem uma longa história, se comparado à Alemanha e à Itália, países criados na segunda metade do século 19.

A jurisdição brasileira sobre um vasto espaço geográfico existe desde a metade do século 18. A Igreja Católica, ordens religiosas monásticas, governos municipais, organizações religiosas laicas e irmandades religiosas do Brasil estavam bem estabelecidos na metade do século 16. Tudo isso antedata o estabeleci-mento de um governo nacional independente.

A história traz continuidade. Mas o Brasil também tem uma longa tradição de oposição ao governo centralizado.

No período colonial, isso envolveu o quilombo de Palmares, formado por escravos fugidos; a oposição aos holandeses, no século 17, por uma coalizão improvisada de milícias de negros e mulatos e senhores de engenho da Bahia e de Pernambuco; a permanente oposição de Minas Gerais ao domínio externo; a Revolta dos Malês, na Bahia, com escravos e negros libertos que tomaram armas contra o governo; o violento levante da Cabanagem, no Pará, uma rebelião social de mestiços, escravos libertos e povos indígenas que capturou Belém.

Essa tradição também resultou em rebeliões separatistas em Pernambuco e no Sul. Mesmo após o fim da escravatura e da monarquia, continuaram a surgir grandes desafios.

A campanha de Canudos, no sertão da Bahia, foi a mais sangrenta repressão a um movimento popular na história do Brasil. Quando o Exército por fim derrotou os aldeões, matou quase todos os habitantes remanescentes. O corpo de Antônio Conselheiro, o carismático líder sebastianista de Canudos, morto em 1897, foi desenterrado e decapitado, e sua cabeça, enviada a Salvador. Euclydes da Cunha estimou o número de mortos da campanha em 30 mil, mas estudiosos recentes reduziram essa estimativa a quase 15 mil.

O Brasil sempre teve problemas para conciliar o governo local e o nacional e as oligarquias locais e nacionais. É parte da força do país que muitos desses problemas tenham sido superados pela via política.

Mas isso teve custos. As transições políticas são períodos difíceis no Brasil, e muito do velho persiste em meio ao novo, velhos hábitos e negociatas que escapam sem exposição. O golpe de 1964, afinal, foi, ao menos inicialmente, uma revolta tanto civil quanto militar. E o final da ditadura também conduziu integrantes do velho sistema à nova democracia. Muitas perguntas ficaram sem resposta.

Não surpreende, portanto, que tenha demorado até este ano para que fosse estabelecida a Comissão da Verdade. E tampouco surpreende que escândalos de corrupção continuem a agitar o Congresso Nacional e a opinião pública.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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