quinta-feira, 7 de junho de 2012

O desarranjo mundial não vai deixar o Brasil de fora


Marco Antonio Rocha
O Estado de S. Paulo

"O mundo marcha no seu habitual estado de desarranjo." Hum! Modéstia à parte, a frase não é minha. Gay Talese, no seu magnífico livro sobre o The New York Times, conta que o editor de assuntos internacionais do jornal começava a reunião de pauta diária quase sempre com essa frase.
A história é totalmente verdadeira? Talese, como todo grande jornalista, gosta de procurar um "enfeite" para agarrar o leitor no início dos seus relatos. Mas é uma boa frase. E descreve bem a atualidade. Se dermos uma olhada geral no mundo a partir de um satélite - esse que uma empresa privada lançou para levar não sei o quê até a estação espacial orbital -, o que vemos são desarranjos em todos os terrenos: diplomático (Síria x ONU; Israel x palestinos; Irã x AIEA-EUA; citando só os mais visíveis); militar (Iraque, Paquistão, Afeganistão, Iêmen, etc.); político (Egito, Europa dos 27, Rússia, etc.); ecológico (Rio+20, que ameaça dar em nada); e, é claro, econômico-financeiro (Grécia, Alemanha, França, China se retraindo, bancos se afundando, etc.).
Não sou historiador, de modo que não sei se o desarranjo mundial é um estado passageiro ou permanente nem se este que enxergamos hoje do satélite é pior, mais complicado ou menos complicado do que os desarranjos dos tempos em que não havia satélites. De qualquer forma, pelo menos na área que me toca - naquilo em que minha ignorância costuma ser apenas um pouquinho menor do que em todo o resto da cultura humana -, ou seja, na economia, a coisa realmente está parecendo mais séria do que até há pouco se dizia e pior do que em outras ocasiões.
Já se disse, com ominosa insinuação, que a crise atual é como a de 1929, e seria tão terrível e demorada quanto.
Não é verdade. É uma crise muito diferente, na sua natureza, no seu conteúdo. Mas poderá ser mais terrível e prolongada. Em primeiro lugar, pois não me parece que seja uma crise gerada pelas frustrações e desconfianças em relação à economia real, como foi a de 1929, quando o crack da bolsa de Nova York funcionou como epicentro, derrubando os valores não só dos seus papéis, mas dos ativos reais que eles representavam. A economia, então, entrou em colapso porque as coisas não valiam mais nada.
A de hoje não tem um epicentro, generalizou-se em todos os principais mercados, não nasce da atividade econômica nem dos mercados de ações, nasce de uma crença de que as dívidas não serão pagas - nem as dos bancos nem as dos governos e, é claro, nem mesmo as das pessoas físicas. Com muita gente perdendo empregos na Europa, por exemplo, quem pagará as prestações das casas, carros e outros bens que esses trabalhadores compraram com prazos dilatados?
A crise é de expectativa. E a expectativa é de inadimplência monstro e generalizada, fiscal e privada, isto é, dos governos, dos bancos e das pessoas - nesse clima, quem se propõe a investir para revigorar a economia? E, pior, quem se propõe a financiar investimentos? Hoje em dia nem os botecos de esquina conseguem se instalar apenas com o capitalzinho do botequineiro. Foi-se o tempo. Foi-se o tempo, inclusive, do velho bordão "vintém poupado é vintém ganho". Não é. Vintém poupado, o mais provável é que se torne vintém perdido. O melhor mesmo é vintém movimentado, pois aí, sim, pode dar algum rendimento. Só que, no ambiente de desconfiança que se instalou no mundo, e por tabela começa a se instalar no Brasil, os vinténs não estão se movimentando, estão se entesourando. É só acompanhar um pouco as cotações do ouro - na sexta-feira, era de US$ 1.623 a onça, com alta de US$ 67 - e também da prata, platina, paládio, etc., em períodos como os atuais para constatar que, em vez de se movimentar, os vinténs estão se lastreando, ancorando-se... aos borbotões.
E não parece haver dúvida de que essa "aversão ao risco" mundial, que se traduziria melhor como aversão ao investimento e, mais ainda, aversão a emprestar, já bateu no Brasil. Não é por acaso que no governo brasileiro, a presidente Dilma-Quixote e o seu fiel escudeiro Sancho-Mantega pularam em seus cavalos e dispararam em todas as direções. Para o quê? Para nada? Ah, sim, para "estimular a economia".
Pelo menos por enquanto, essa cavalgada heroica não parece estar conseguindo convencer algum investidor desavisado - nacional ou estrangeiro - a abrir a burra e derramar seus dobrões na economia.
A publicação das contas nacionais para o primeiro trimestre do ano mostrou forte queda na Formação Bruta de Capital Fixo. E, ao que tudo indica, o governo tem a maior parcela de responsabilidade nessa queda, não propriamente por falta de recursos, mas por causa da sua notória incapacidade de gerir investimentos.
Investimento público sempre foi a resposta para crises. O governo proclama a vontade de investir (o PAC está aí) e amealha um superávit primário de R$ 60,2 bilhões no primeiro trimestre do ano. Mas essa vontade e esse dinheiro só se transformam em empregos e geração de riquezas se houver bons e ágeis projetos executivos e competente engenharia de obras. É nesses desvios que o trem do Brasil Maior empaca. Sem falar na cooptação inepta e suspeita de empreiteiras "padrão Delta" para os trabalhos.
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