sexta-feira, 8 de junho de 2012

Olhar pragmático sobre a pobreza


Ruy Martins Altenfelder Silva
Correio Braziliense 



Presidente do Conselho de Administração do CIEE e da Academia Paulista de Letras Jurídicas

Uma reflexão, digamos, mais acadêmica sobre os rumos da modalidade de assistência social que deve ser praticada no Brasil esbarra, já de início, na dificuldade de estabelecer parâmetros de avaliação. Alguns exemplos. De quantos e de quais brasileiros estamos falando? Dos 16,2 milhões que vivem em situação de extrema pobreza, citados em pronunciamentos oficiais com base em dados de 2010 do IBGE? Ou dos 60 milhões que outras fontes situam abaixo da linha de pobreza? As dúvidas não cessam por aí. Há, ainda, o critério da carência material, relativa a condições de alimentação, moradia, saúde, vestuário. Ou, entre outros, o da carência social, que consiste na exclusão e na incapacidade de participar da sociedade em consequência de desigualdades de educação e acesso à informação no sentido mais amplo.

Entretanto, uma visão mais pragmática e próxima da realidade indica que a educação e a formação para o trabalho são os dois principais fatores para o resgate social em quaisquer dos universos citados. A educação, porque dotará o beneficiário de competências pessoais, senso crítico e consciência dos direitos e deveres como cidadão. A formação para o trabalho, porque tornará esse mesmo cidadão independente, gerará autoestima e assegurará condições de uma vida digna a ele e à família, além de possibilitar que contribua para o desenvolvimento da sociedade à qual pertence.

Assim, os constituintes de 1988 foram sábios ao assegurar a todos os brasileiros o direito à educação e ao trabalho. Tanto assim que buscaram garantir o apoio do Estado aos menos favorecidos, estabelecendo no artigo 203 da Constituição Federal que "a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social", incluindo entre seus objetivos a promoção da integração ao mercado de trabalho (inciso III). Num Brasil que, reconhecidamente, não é um país pobre, mas um país de muitos pobres, apenas a ação do governo, por mais ampla e bem-intencionada que seja, não reduzirá as desigualdades sociais que condenam à exclusão milhões e milhões de pessoas. A sociedade pode e deve dar sua contribuição no esforço inclusivo que vem sendo promovido no país. Aliás, é isso que as organizações do terceiro setor vêm fazendo há séculos, como é o caso das Santas Casas na área da saúde, ou, mais recentemente, o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), com o encaminhamento de 11 milhões de jovens estagiários e aprendizes ao mercado de trabalho.

Um detalhe impressiona a quem dedica um olhar mais atento às organizações sérias do terceiro setor. É sua apurada percepção das carências das populações que beneficiam e sua permanente disposição de ampliar, aprimorar e atualizar continuamente os serviços que prestam. Voltando ao CIEE, vale lembrar que, ao longo de sua história de 48 anos, decidiu reforçar seu lado escola, quando constatou como as deficiências do ensino brasileiro prejudicam a empregabilidade futura do jovem. Assim, criou uma série de cursos para aprimorar a formação do jovem. Em 2005, por exemplo, sensibilizou-se com a desigualdade de oportunidades entre os jovens de Santa Catarina (com 1,7% dos moradores em extrema pobreza) e os do Maranhão (com seus 26,3% de miseráveis). E, em vez de apenas lamentar a situação, criou um programa de educação a distância pela internet para nivelar, dentro das possibilidades, as oportunidades de acesso a cursos de desenvolvimento pessoal e profissional, beneficiando estudantes dos mais remotos rincões. Mais recentemente vem criando parcerias com universidades para promover cursos pré-vestibulares para jovens das periferias das metrópoles, apostando na educação para retirá-los de situações de alta vulnerabilidade.

A dimensão do problema social brasileiro desmente, de certa forma, a conhecida tese de que é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe. É indispensável e louvável dar o peixe a quem não tem o que comer nem forças para pescar. Mas também é preciso — embora mais difícil — não descuidar do ensino da pesca, principalmente para os jovens. Caso contrário, o país corre o risco de ver boa parte das futuras gerações mergulhada em temidas situações de vulnerabilidade, caso elas não consigam se qualificar para ingressar num mercado de trabalho cada vez mais seletivo e exigente de profissionais bem formados.
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