REVISTA ÉPOCA
Não ajuda na relação com os EUA quando a política brasileira sustenta uma inclinação nostálgica em direção a Cuba
O Brasil não é um país novo - apesar de pensar ser. Tem mais de meio milênio. Os ciclos econômicos, políticos e geopolíticos do passado pesam muito em seu papel atual e na maneira como ele se relaciona com o mundo. Por 300 anos, o Brasil foi colônia de Portugal. Por outros 80 anos, continuou a ser governado por uma monarquia. Entre 1808 e 1822, o Rio de Janeiro foi o centro do império luso-brasileiro. Mas quando o Brasil se tornou Brasil? Como espaço geográfico onde se falava a língua portuguesa, o país foi por mais de 200 anos uma série de enclaves litorâneos, mais acessível por mar que por terra.
Nesse período, o Brasil se tornou o maior exportador de açúcar do mundo e, por mais de 100 anos, dominou o mercado mundial. O açúcar trouxe milhões de escravos africanos, fato que fez com que o Brasil estabelecesse relações regulares e íntimas com a África durante 350 anos. Esse envolvimento precoce do Brasil com o comércio internacional moldou o como um pais que olha para fora, sensível aos mercados globais, aos preços das commodities e às políticas internacionais. A luta com os holandeses no século XVII, pelo controle do comércio de escravos e de açúcar no Atlântico, levou à mobilização da força militar brasileira, que venceu o mais formidável império comercial da época.
Na metade do século XVIII, a expansão brasileira para o interior do continente conectou as duas maiores Bacias Hidrográficas: a do Rio Amazonas e a do Rio Paraná. Essa vasta incorporaçao de território, que ainda precisava ser explorado, foi reconhecida pelo Tratado de Madri, de 1750, assinado entre Portugal e Espanha. O acordo estabeleceu e legalizou a fronteira interior, que pode ser protegida. Em 1763, a capital foi transferida de Salvador, na Bahia, para o Rio de Janeiro.
A nova capital da colônia refletia o impacto da corrida do ouro e consolidou a ocupação do interior de Minas Gerais e Goiás. Ouro e diamantes, assim como o açúcar, reforçaram a relação entre o Brasil e o comercio internacional. Em torno de 1800, a maior parte dos brasileiros vivia em Minas Gerais. Mas Rio de Janeiro, Salvador e Pernambuco também eram consideravelmente populosos, assim como São Luís e Belém, localizados no norte. A chegada da família real portuguesa em 1808, que fugia da invasão napoleônica de Portugal, fortaleceu essas conexões e ajudou a concentrar o poder administrativo. Também levou à ambição no sul e no extremo norte, com a tentativa do Rio, sem sucesso, de expandir seu controle sobre o Uruguai e as Guianas. Isso estabeleceu uma competitividade de longo prazo com a Argentina que se estendeu até os anos 1980, quando o presidente Raúl Alfonsin, da Argentina, e José Sarney, do Brasil, estabeleceram um novo e mais cordial patamar para as relações entre os países.
O Brasil independente enfrentou e superou uma série de movimentos regionais separatistas no Nordeste, no extremo Norte e no Sul. Recuperou-se das sérias consequências políticas da Guerra do Paraguai e, durante esse período, garantiu a integralidade de seu território e, mais tarde, ajustou suas fronteiras no Acre pela diplomacia. O Brasil também enfrentou o legado da escravidão. No final do século XIX, as elites brasileiras abraçaram teorias do racismo europeu. Mas, nas décadas de 1920 e 1930, figuras eminentes, como Gilberto Freyre ou Jorge Amado, celebraram a diversidade racial e a história de miscigenação, enquanto o racismo virulento estava prestes a dizimar a Europa. Mais marcante foi a constante expansão da cultura popular, muitas vezes para além das instituições formais do Estado e da Igreja, refletindo a vivacidade intercultural e inter-racial.
O legado do comércio de escravos e da escravidão foi a herança mais difícil de superar. O tráfico de escravos acabou em 1850 e a escravidão persistiu até 1888. Com o surgimento da produção de café no século XIX, o Brasil novamente conquistou mercados mundiais. O país se abriu a grandes ondas migratórias vindas do sul da Europa, Japão e Oriente Médio. Em 1900, a cidade de São Paulo chegou a uma população de 500 mil habitantes, dos quais 100 mil eram imigrantes italianos. A urbanização e a industrialização de São Paulo foram seguidas de uma grande migração de nordestinos, incluindo a família do futuro presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar da ditadura e de reveses econômicos, o Brasil emergiu com uma sociedade de quase 200 milhões de habitantes e com uma democracia vibrante.
Hoje, o Brasil é um dos maiores produtores globais e exportadores de equipamentos de transporte, minério de ferro, soja, sapatos, café e automóveis. A China é seu maior mercado, seguido por Estados Unidos, Argentina, Holanda e Alemanha. O Brasil importa maquinaria, produtos químicos e equipamentos de transporte, peças de automóveis e eletrônicos de Estados Unidos, China, Argentina, Alemanha e Japão. Seus negócios são cada vez mais internacionais, e o país está desenvolvendo recursos petrolíferos vastos.
O desenvolvimento do Brasil tornou-o mais próximo de seus vizinhos. Ele tem fronteiras com todas as nações da América do Sul, exceto Chile e Equador. A medida que o agronegócio e a exportação de recursos minerais cresceram, foi forçado a negociar realisticamente com sua própria vizinhança. O Brasil tem sido cauteloso em firmar um papel deliderança na América do Sul, mas seus vizinhos ficam, por vezes, ressentidos com o crescente poder e riqueza brasileiros. O Brasil é responsável por 50% das riquezas, população e território sulamericanos. Ao mesmo tempo, é cada vez mais ependente do comércio internacional e, apesar de ter se saído bem na crise de 2008, é improvável que consiga escapar para sempre do impacto da estagnação econômica europeia, do fim da explosão imobiliária da China e da lenta e incerta recuperação
Onde está o Brasil hoje e para onde está caminhando? Desde a introdução do Plano Real por Itamar Franco, em 1994, o Brasil viveu dois sucessivos e bem-sucedidos mandatos presidenciais, que debelaram a inflação e sustentaram a estabilidade econômica. Políticas sociais e econômicas também expandiram enormemente a classe média e diminuíram a desigualdade de renda e a pobreza. A presidente Dilma Rousseff parece preparada para continuar o processo.
O Brasil tem uma economia mista, em que o papel do governo foi determinante para estabelecer e proteger o desenvolvimento industrial. Essa foi a herança de Getulio Vargas. Mas, desde a década de 1980, um lento processo está em andamento para restringir as limitações impostas à livre-iniciativa e ao ambiente de negócios. A Petrobras se tornou um caso clássico em que a iniciativa estatal e privada agiram juntas pelo interesse nacional. O papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é outro exemplo positivo. Apesar de sua abertura ao comércio internacional, o país também tem uma economia doméstica vigorosa, que o protege das violentas reviravoltas do mercado externo.
À medida que o Brasil assume um papel no mundo proporcional a suas dimensões geográficas e geopolíticas, fica cada vez mais difícil sustentar sua política externa ambígua. O desenvolvimento econômico da Amazônia, com novas represas, estradas e ferrovias, trará potenciais conflitos nas relações com alguns de seus vizinhos. Isso já aconteceu na Bolívia. O Brasil tem manobrado para manter boas relações com Colômbia e Venezuela, mas uma Venezuela pós-Chávez pode trazer escolhas difíceis. A Argentina está cambaleando em uma fase neo-Peronista, que pode representar problemas para o Brasil com as nacionalizações e com a disputa sem fim com o Reino Unido pelas Malvinas. Os Estados Unidos são a grande ausência na estratégia diplomática do Brasil nos últimos anos. Para muitas instâncias militares e diplomáticas brasileiras, isso é bom. O Brasil se opôs ao Tratado de Livre Comércio das Americas, o projeto mais ambicioso de Washington. A Colômbia continua a ser o parceiro fa,arito de Washington na América Latina. Políticas antidrogas alimentam esse entrosamento e trazem apoio militar e burocrático americano - algo a que o Brasil não pretende fazer frente. Lidar com os Estados Unidos nunca é fácil, e é improvável que isso mude. A política americana dirigida à América Latina é prisioneira politicamente do lobby anti-Cuba, fortemente bado Senado e da Câmara dos Deputados. O Brasil tem influência no Estado da Flórida. O país é o maior parceiro comercial exterior da Flórida. Diversas grandes corporações brasileiras, incluindo a Embraer, estão localizadas no Estado. Os brasileiros gastam lá mais do que qualquer outro turista estrangeiro e estão comprando imóveis. Mas o Brasil precisará aprender a jogar o jogo da política interna americana. E não ajuda quando a política externa brasileira sustenta uma inclinação nostálgica em relação à Cuba de Castro. Os comentários feitos por Dilma Rousseff em Cuba, logo depois de ter visitado Barack Obama em ano de eleição presidencial, também não ajudaram. Nem os planos da Odebrecht no Porto de Mariel e a ajuda à exploração de petróleo cubano no Estreito da Flórida.
A aspiração brasileira a uma cadeira no Conselho de Segurança das Nações Unidas é igualmente problemática. A necessidade de reforma nas Nações Unidas é óbvia. Mas o Reino Unido e a França não concordarão em abrir mão de seus poderes de veto, e a América espanhola e o México não apoiarão o Brasil para a "cadeira sul-americana". Quanto aos Brics (Brasil, Rússia, india, China e África do Sul), eles podem ser, no mínimo, tão competitivos quanto colaborativos. A lógica da aliança entre as maiores potências em desenvolvimento é poderosa na teoria, mas muito débil na prática. O Brasil tem a sorte de estar numa região em que não acontecem grandes conflitos, mas precisa modernizar suas Forças Armadas. Um debate aberto é urgente para definir que tipo de modernização é necessária e para quais propósitos. Decisões não deveriam ser tomadas para apaziguar militares, interesses políticos ou lobbies. O Brasil não pode adiar as consequências da maturidade. Isso significa fazer escolhas difíceis.
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