Antonio Corrêa de Lacerda
O Estado de S. Paulo
Há um descolamento entre o espetacular avanço do consumo na economia brasileira, que vem crescendo ao ritmo de 84% ao ano, e o desempenho negativo em 2,7% da produção industrial. A indústria tem sido afetada negativamente por fatores conjunturais e estruturais. Do ponto de vista conjuntural, influenciou a queda da demanda gerada pela crise internacional, especialmente para a Argentina. Sob o ponto de vista estrutural, os fatores adversos de competitividade sistêmica foram determinantes para a perda de espaço da produção local relativamente às importações.
O nível da produção industrial atual é semelhante ao observado há quase cinco anos, em 2008, antes dos efeitos da crise. Enquanto isso, o coeficiente de importações cresceu em praticamente todos os segmentos industriais, dos tradicionalmente deficitários na balança comercial, como química, eletroeletrônica e bens de capital, até bens de consumo duráveis e outros da indústria de transformação, inviabilizando elos importantes da cadeia produtiva e gerando conseqüências negativas sobre o emprego, a renda e tecnologia domésticas.
Os custos do trabalho na indústria geral, porém, têm crescido, em decorrência não só da conjuntura, mas de mudanças expressivas em aspectos como demografia e crescimento do setor de serviços. Com isso temos uma disputa por profissionais qualificados, a chamada "guerra por talentos", inflacionando os custos. Segundo a CNI, em 2012, enquanto houve um crescimento de 24% no faturamento real, os rendimentos reais dos trabalhadores cresceram 5,1% no setor. Trata-se, evidentemente, de uma situação insustentável no longo prazo, pois não será possível manter esse descompasso. Mesmo que seja algo aparentemente favorável ao trabalhador, como estamos numa economia aberta, a tendência seria de substituição da produção local por importados, pela perda de competitividade.
No curto prazo é importante liberalizar, de forma controlada, a importação de mão de obra e intensificar programas de qualificação de trabalhadores para que haja maior equilíbrio de oferta e demanda no médio e no longo prazos. Além disso, a saída para ampliar a capacidade competitiva da indústria estará em buscar ganhos de produtividade mediante a automatização da produção, a racionalização das linhas de produção, a informatização de processos. Em muitos casos, isso requer investimentos em novas máquinas e equipamentos, mas também esforços inovativos.
No entanto, é claro, a tarefa não se restringe às medidas citadas. No âmbito macroeconômico, é preciso propiciar um ambiente favorável à produção local, de forma a lhe permitir concorrer em igualdade de condições com os importados e ganhar espaço nas exportações. Há ainda um papel relevante a ser exercido pela política industrial. Muitas das medidas adotadas no País, embora válidas e no caminho certo, são tópicas e com prazo de validade determinado, como desoneração tributária e linhas de financiamento facilitadas para investimentos. Permanece o desafio de uma política industrial perene e ousada, com objetivos estratégicos de longo prazo, a exemplo de vários países bem-sucedidos na área. Vale destacar que várias mudanças de política macroeconômica como a redução expressiva da taxa básica de juros e a desvalorização cambial estão no caminho correto de melhorar nossas condições de competitividade sistêmica. O mesmo vale para as medidas de desoneração tributária, redução de encárgos sobre folha de pagamento e diminuição dos preços de energia para produtores e também consumidores.
Mas, embora as iniciativas tomadas representem um avanço em relação à situação passada, infelizmente ainda estão distantes da prática internacional, que é o que efetivamente está em jogo da competitividade na globalização, agravada com a crise em vários países. Só nos resta, pois, avançar nas questões citadas, assim como incrementar os investimentos em infraestrutura para viabilizar a indústria do século 21 no Brasil.
* PROFESSOR-DOUTOR DO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM ECONOMIA POLÍTICA DA PUC-SP, DOUTOR PELO IE/ UNICAMP, FOI PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE ECONOMIA (COFECON)
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