Claudio Ribeiro de Lucinda, Cristian Huse e Milad K. Neto
Valor Econômico
Símbolos de ascensão social e liberdade, os automóveis estão entre os bens mais almejados pelos brasileiros. A explosão do crédito para compra de carros é prova irrefutável do poder dos motores sobre o consumo. Na contrapartida das benesses econômicas, o aumento da frota significa crescimento nas emissões de gases do efeito estufa - efeito colateral que golpeia a imagem do Brasil como protetor do meio ambiente.
Apesar dos esforços realizados pela indústria automotiva mundial para a fabricação de motores energeticamente mais eficientes e, assim, menos poluentes, a utilização de "carros verdes" em mercados como o brasileiro ainda é muito restrita. Atualmente, o motor de combustão interna tradicional (ciclo Otto) está presente em mais de 93% dos veículos fabricados no país sendo responsável por emitir na atmosfera, entre outros poluentes, o dióxido de carbono (CO2), monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos e óxidos de nitrogênio.
Para mitigar o efeito das críticas ambientais sobre seus negócios, a indústria automotiva declara-se engajada em iniciativas para fomentar a fabricação de "motores verdes" e tornar o transporte menos poluente. A vontade converge com as ambições do governo federal de querer ampliar a frota para movimentar o consumo. Mas essa sinergia não está refletida nas políticas de incentivo. O Brasil - apesar de seu reconhecido potencial ambiental - é carente de instrumentos e políticas eficazes para promover o desenvolvimento e disseminação de tecnologias verdes.
Inovar-auto é insuficiente para reduzir as emissões de carbono dos automóveis brasileiros
O alento chega com o Novo Regime Automotivo (o Inovar-Auto, regulamentado pelo Decreto nº 7.819, de 3 de Outubro de 2012). O programa documenta algumas obrigações para a obtenção de incentivos. Pelas regras, para obter a liberação de créditos presumidos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), as montadoras (ou revendedoras de carros importados) precisam obedecer a requisitos compulsórios e elegíveis como: atuar em etapas de produção, em atividades de infraestrutura, aplicar recursos em pesquisa e desenvolvimento, em engenharia, tecnologia industrial básica e na capacitação de fornecedores, aderir ao Programa de Etiquetagem Veicular do Inmetro e investir na melhoria da eficiência energética de seus veículos.
O IPI é importante moeda de troca por influir diretamente no preço final do produto, tornando o seu desconto uma estrela de campanhas de venda. Mas as métricas para cessão do benefício fiscal podem provocar uma inversão nos resultados almejados. Pelas regras, as montadoras habilitadas ao Inovar-Auto, que cumpram com os requisitos, terão direito ao abatimento do crédito presumido do IPI. Podem, ainda, escolher pela redução na alíquota do IPI de até dois pontos percentuais, bastando, para tanto, que exista melhoria nos indicadores globais de eficiência energética como, por exemplo, na redução do consumo médio dos veículos vendidos pela empresa.
O acompanhamento do regime e o compromisso da indústria automotiva são fundamentais para atacar problemas importantes observados no Brasil. Mais de 75% dos veículos de passeio e comerciais leves vendidos no país carregam motores ultrapassados e ineficientes. O quadro se completa com a baixa competitividade dos veículos brasileiros no mercado externo por conta da produção de automóveis ruins e inferiores bem como pela valorização do real e dos altos impostos incidentes na cadeia produtiva.
Com o novo regime, o governo federal espera uma evolução tecnológica dos sistemas automotivos visando que o benefício fiscal do IPI retorne para a sociedade na forma de automóveis mais eficientes e menos poluentes. Tais ganhos de eficiência podem vir de melhorias no conjunto motor/transmissão, redução de peso dos veículos, aperfeiçoamento aerodinâmico e introdução de pneus ecologicamente eficientes.
Outro ponto importante está na capacidade de aplicar o Inovar-Auto à produção em escala. Afinal, faz pouco sentido investir em linhas de veículos que vendam pouco e cujo preço esteja fora do alcance da maioria dos brasileiros. Disseminar e democratizar o acesso a tecnologias verdes é parte integrante da estratégia.
A pressão sobre as montadoras será automaticamente repassada para os fornecedores de peças e para o consumidor final. O desenvolvimento de tecnologias verdes tem custo elevado e as "parcerias" para a inovação serão temas recorrentes na cadeia produtiva. As montadoras buscarão a divisão de investimentos e de riscos. As fábricas de autopeças entrarão no projeto para não perder o cliente.
Nesse âmbito, o governo terá de acompanhar a resposta das montadoras a essas medidas. Na literatura econômica, quando analisada a resposta das fábricas de automóveis a limites de emissões e de consumo energético determinados pelo governo, observa-se que estes limites são, em geral, ineficientes para garantir a sustentabilidade ambiental dos projetos.
Em artigo recente sobre o tema, os economistas James M. Sallee e Joel Slemrod tratam dos limites numéricos de emissões determinados pelo governo - os chamados "notches" ("Car notches: strategic automaker responses to fuel economy policy, publicado no Journal of Public Economics). Analisando as iniciativas americanas, os pesquisadores encontraram evidências de que as montadoras agem de forma a atender apenas aos limites estabelecidos, sem a preocupação de superá-los.
Em geral, limites pré-determinados costumam ser ineficientes para uma política que tenha incentivos vinculados a níveis de eficiência energética. Isso ocorre porque a determinação de metas desencoraja o desenvolvimento de mecanismos que tragam resultados melhores daqueles estabelecidos, pois não existe nenhum ganho adicional na busca por este incremento.
O controle de poluentes é algo que irá afetar o processo de evolução tecnológica da indústria automobilística nas próximas décadas, além de produzir importantes efeitos sobre a geração de empregos e renda. O grande desafio é conseguir conciliar estes pontos. Medidas e políticas bem desenhadas são essenciais para o sucesso.
Claudio Ribeiro de Lucinda é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto - USP; Cristian Huse é professor na Stockholm School of Economics e Milad Kalume Neto é engenheiro mecânico, advogado e gerente na Jato Dynamics do Brasil.
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