Correio Braziliense
O Brasil tem 12% da água doce superficial disponível no planeta, o que o coloca entre os cinco maiores países em termos de potencial técnico de aproveitamento da energia hidrelétrica. Com isso, é preocupante a reduzida disponibilidade hidráulica no início deste ano, com reservatórios semivazios nas principais hidrelétricas, e o Nordeste novamente submetido a seca severa.
Segundo o Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB), o potencial hidrelétrico brasileiro é estimado em 246 mil MW, mas apenas cerca de um terço é explorado. Desde o final do século 19, a geração hidrelétrica tem sido o principal fator propulsor do desenvolvimento nacional, podendo ser distinguida como fonte renovável de produção de energia limpa. Porém, a Aneel informa aumento expressivo de usinas termelétricas nos últimos 15 anos, com 131 novos empreendimentos representando cerca de 40% da energia total outorgada. Isso contrasta com apenas 15 novas hidrelétricas, que somam 18% da potência total outorgada no mesmo período.
O fato nos força a uma reflexão sobre a gestão dos recursos energéticos do país, que se encontra sob a ameaça de novo apagão. Apesar das negativas oficiais, o governo confessa a urgência em ativar as termelétricas, movidas a fontes não renováveis, como óleo diesel, carvão ou gás natural importado, com prejuízos econômicos e ambientais. O professor José Goldemberg, membro da Academia Brasileira de Ciências e especialista no tema, discordou das declarações oficiais do ministro Edison Lobão, que estimou acréscimo em apenas 1% no custo da produção da energia, com o aumento do uso das termelétricas.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia, para atender a nova demanda, será necessário acrescentar 81 termelétricas ao sistema, que produzirão apenas 2 mil MW a mais que a energia a ser gerada por Belo Monte. As novas térmicas despejarão 39 milhões de toneladas de CO² em 2017, aumento superior a 170% em relação às emissões de 2008. Estaremos, assim, privilegiando a energia suja das termelétricas em detrimento de energia limpa das hidrelétricas. Prejuízo para o meio ambiente e o bolso do brasileiro que vai pagar mais pela energia.
A construção de hidrelétricas tem sido alvo de duras críticas. Sua eficiência pode ser avaliada pelo índice simplificado de impacto ambiental, que expressa a razão entre a área inundada pelo reservatório e a energia gerada. Por exemplo, Belo Monte tem um índice de impacto ambiental (0,04 km²/MW) bem inferior ao das demais barragens construídas no país, tais como Itaipu (0,10km²/MW), Ilha Solteira (0,35km²/MW) e Sobradinho (4,01km²/MW). Belo Monte produzirá 11 mil MW, com reservatório de apenas 440km². A regulamentação brasileira para o licenciamento de novos empreendimentos evoluiu muito nas últimas décadas, justamente para garantir melhor equilíbrio ambiental na construção das usinas hidrelétricas.
Em vez de se basear no Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, composto por entidades diversas (MME, ONS, ANEEL, ANP, CCEE e EPE), o país seria beneficiado caso o governo instituísse um órgão gestor, técnico e politicamente independente, para ser o único responsável pelo planejamento dos investimentos e pela garantia do abastecimento nacional.
O órgão poderia decidir pelo investimento em mais hidrelétricas, que, com reservatórios adequados, poderiam contribuir para atenuar os efeitos das secas no Nordeste e promover o equilíbrio com outras fontes de energia limpa, como eólica e solar. Além de reduzir ou eliminar o atual cenário de descalabro gerencial, responsável pela inexistência de linhas de transmissão para permitir o acionamento de novos parques eólicos que se encontram paralisados, à espera da decisão pelos investimentos para a transmissão da energia.
Enfim, agora que o nível dos reservatórios está se normalizando, a gestão da energia no Brasil deve passar a ser definida com base em argumentos técnicos, ambientais e sociais que possam contribuir para um planejamento de curto e médio prazo alinhado à realidade nacional.
Nesse sentido, o Comitê de Energia da Academia Nacional de Engenharia (ANE) dedicou considerável esforço ao estudo do problema do suprimento energético futuro do país e concluiu em carta enviada à presidente Dilma que a energia hidrelétrica permanecerá, por longo prazo, a espinha dorsal de nossa matriz energética, complementada pelas demais fontes.
* Alberto Sayão é engenheiro civil, professor da PUC-RJ, membro titular da Academia Nacional de Engenharia; Anna Laura Nunes é engenheira civil, professora da UFRJ, presidente da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica
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