quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Omissão perigosa

Marcello Averbug

Valor Econômico 

Causa espanto a quase ausência de debates sobre a crescente iniquidade social nos Estados Unidos. Segundo dados do "Census Bureau", entre 1979 e 2008 a renda real dos 5% mais ricos da população aumentou em 73,0%, enquanto a dos 20% mais pobres regrediu em 4,1%. No caso dos 1% no topo da renda, o aumento foi superior a 155,0%.

Apesar de ser um dos principais condicionantes do comportamento da economia americana, esse tema vem merecendo insuficiente atenção no cenário político. Nas fileiras do partido Republicano inexiste preocupação a esse respeito pois prevalece a crença de que, para lidar com a iniquidade, basta o livre funcionamento do mercado. E o partido Democrata, tradicionalmente sensível ao tema, vem abordando-o com timidez.

Além da reforma no sistema de seguridade social, ocorrida no início de seu primeiro mandato, o único ato significativo do presidente Obama para amenizar essas disparidades, ocorreu na batalha por mudanças no imposto de renda, no final de 2012. Iniciada em função do esforço para controlar o déficit público, tal batalha travou-se em torno da revogação do decréscimo desse imposto sobre os estratos sociais mais elevados, concedido pelo governo Bush em 2002.

O partido Republicano opunha-se à revogação (afinal aprovada), argumentando que quanto menor a incidência do imposto de renda sobre os mais ricos, maior será o volume de investimentos por eles realizados. Em outras palavras: se os ricos pagarem muito desse imposto não terão recursos nem motivação para investir, deixando assim de impulsionar a economia e o emprego.

Acontece que nem a teoria econômica e nem a realidade histórica respaldam semelhante princípio. Excluo dessa afirmativa a incidência tributária exorbitante que induz até à emigração de capital e ao debilitamento do setor privado.

Na verdade, a redução de impostos sobre rendas elevadas não produziu efeito expansivo sobre a economia. Tampouco evitou a forte recessão explicitada a partir de 2008. Só agravou a desigualdade social. O principal incentivo do empresário a investir provém das boas perspectivas de rentabilidade proporcionadas por condições favoráveis de mercado. Se as previsões de lucro são medíocres, não é o fato de estar pagando menos imposto de renda que o animará a investir.

Significativo número de bilionários americanos concorda com essa visão. O exemplo mais expressivo é o de Warren Buffett, dono de uma das maiores fortunas dos Estados Unidos. Em artigo publicado no "Washington Post" de 27/11/12 Buffett diz que, como gerenciador de recursos de investidores, jamais presenciou algum deles mencionar o imposto de renda como motivo para perder um bom negócio. Segundo ele, "devemos esquecer o argumento de que os ricos vão entulhar seus colchões de dinheiro se a taxação sobre a renda e ganhos de capital aumentar (em índices razoáveis). Os ultrarricos, inclusive eu, irão sempre buscar oportunidades de investimentos".

Outro fator que pode estar gerando efeitos regressivos sobre a equidade localiza-se na área monetária. Implementada com a finalidade de reativar a economia, a vigência de juros baixos vem motivando controvérsias. Mas o Federal Reserve pretende mantê-la até o desemprego regredir dos atuais 7,8% para 6,5%.

Apesar de justificável, esse procedimento tende a provocar endividamento exagerado das famílias mais pobres, seduzidas pela compra financiada de bens de consumo e imóveis. E a eventual insolvência de compradores conduziria a uma crise econômica, conforme ocorreu na recente recessão, e ao empobrecimento adicional desses compradores. Por outro lado, o modesto rendimento dos fundos de pensão, decorrente da reduzida taxa de juros, penaliza os idosos de menor renda que dependem mais desses fundos.

Estamos então diante de um insolúvel quebra-cabeças? Se é impensável abrir mão dos juros baixos como incentivo à economia, como conviver com seus efeitos colaterais perversos? A resposta encontra-se em uma política onde a vigência dessas taxas seria acompanhada por medidas visando o aumento da renda real das classes menos favorecidas. Dessa forma, a expansão do consumo teria como origem principal o incremento efetivo do poder de compra e não do endividamento familiar.

O sucesso da história econômica dos Estados Unidos explica-se exatamente pelo fato de que, até a década de 1980, a expansão da renda real das classes média e baixa atuava como fator propulsor do investimento. O crédito funcionava como ferramenta complementar para a aquisição de bens e serviços.

Embora mencionados neste artigo, imposto de renda e taxa de juros não são suficientes para reverter a tendência à iniquidade social. Instrumentos mais incisivos necessitariam ser mobilizados, tais como investimentos em saúde, habitação, educação, transporte coletivo, etc., além da recomposição de salário real via sindicatos revigorados.

A ênfase na amenização das disparidades de renda não justifica-se apenas por sentimentos caridosos. Ela age como fator para impulsionar a economia e diminuir a vulnerabilidade a episódios recessivos.

Marcello Averbug é consultor em Washington, ex-economista do BNDES e BID.
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