sexta-feira, 21 de junho de 2013

A revolta da catraca




Alfredo Sirkis
FOLHA

Aparentemente, seria um contrassenso questionar o movimento pelo passe livre nos ônibus por falta de radicalismo. Afinal, há rebeldia para todos os gostos e causas: saúde, educação, políticos corruptos, gastos da Copa. O aumento de 20 centavos foi a gota d'água de uma contestação geral ao status quo.

Seu início me lembrou de um episódio no Rio, nos anos 50, durante o governo JK, contra o aumento de preço dos bondes. Tinha cinco anos e muito medo dos bondes pegando fogo. Depois acabaram com os bondes. Aumentos na catraca já suscitaram dezenas de quebra-quebras, mas a mobilidade urbana só fez piorar.

Uma mobilização dessas reflete um fenômeno de sociedade, não evidente na véspera e de leitura difícil no ato. Produz uma grande exaltação, um orgasmo cívico. Depois tende a decair, deixando de herança uma geração militante que tenta dar alguma consequência política, organizativa ou até eleitoral à coisa, em geral com resultados aquém do esperado naquele grande momento.

A violência associada ao processo do vandalismo e da truculência policial é uma espécie de efeito colateral, a não ser que fuja ao controle completamente --o que, em geral, não ocorre com mobilizações majoritariamente de classe média.

É consequente colocar-se como reivindicação central a gratuidade? O transporte público nunca é "gratuito", sempre será pago --pelo usuário ou pelo contribuinte ou em doses diferenciadas por ambos. É injusto que os jovens ricos ou de classe média deixem de pagar a passagem quando podem. Parte dos trabalhadores recebe subsídio das empresas na forma de vale-transporte.

É correto reivindicar a ampliação desses subsídios vinculando-os a programas de transferência de renda. As tarifas de ônibus no Brasil estão claramente acima da média internacional. O jornal "El País" comparou: um trabalhador, em Madrid, gasta seis minutos de trabalho para pagar sua passagem e, em São Paulo, gasta 14.

Falta transparência às planilhas de cálculo das empresas de ônibus, que compreensivelmente precisam ter tarifas (ou receber subsídios) para manter viável o negócio, já que as experiências de estatização não deram certo. Mas seus lucros não podem ser abusivos. Sua atividade corruptora é notória.

É preciso acabar com as famosas "caixinhas", a mais corriqueira das corrupções na política brasileira, um grande obstáculo a uma regulação que imponha qualidade.

Para a maioria da população usuária ainda pior que um aumento de 20 centavos é a má qualidade dos serviços. O sistema de ônibus, ainda que dotado de BRTs e BRSs, tem seu funcionamento comprometido pelo vertiginoso crescimento da frota automobilística subsidiada --sem contrapartida alguma de menores emissões-- pelo governo federal. Engarrafamentos dantescos são a marca de qualquer cidade brasileira. São Paulo então...

Se as verbas dos subsídios à indústria automobilística, das obras rodoviaristas ou de projetos tipo trem-bala fossem investidas no transporte de massas (metrô e trem), ou nos ônibus de alta capacidade (BRT), no subutilizadíssimo transporte hidroviário, nas ciclovias com disponibilização massiva de bicicletas --essas, sim, potencialmente gratuitas pois financiadas pela publicidade--, teríamos uma melhoria substancial na mobilidade urbana.

Investimentos em ganhos operacionais, em sistemas de bilhete único combinando vários modais e uma informação em tempo real ao usuário também ajudariam.

Será indispensável --e inevitável em algum momento futuro-- a radicalidade de se colocar limites claros ao transporte individual motorizado, com a introdução de taxas de congestionamento na forma de pedágios urbanos eletrônicos.

Uma contestação de fato radical ao nosso falido sistema de mobilidade urbana socialmente injusto e ambientalmente insustentável passa por uma taxa de carbono --em substituição a outros tributos-- e, sobretudo, por proclamar em alto e bom som que o rei-automóvel está nu.

ALFREDO SIRKIS, 62, é deputado federal (PV-RJ)
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GEOMAPS


celulares

ClustMaps