sábado, 22 de junho de 2013

Transporte e mobilidade urbana: Uma transfusão necessária

Jaime Lerner
FOLHA

Zerar a tarifa do transporte público não é viável. Não cobrar pela passagem exigiria subsídios gigantescos (e por parte de quem?), pioraria a qualidade do serviço e, ainda assim, não resolveria a questão.

Proponho outro modelo, que permite reduzir o impacto das tarifas nos salários e ainda melhorar a qualidade dos serviços prestados.

A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre combustíveis, instituída em fins de 2001, tem em sua gênese a criação de uma fonte de receitas derivada predominantemente do consumo de combustíveis fósseis.

Para a distribuição desse montante entre os Estados, a lei que a instituiu determina o estabelecimento de cotas proporcionais à extensão da malha viária, ao consumo de combustíveis e à população. Do montante recebido por cada Estado, 25% deve ser destinado aos seus municípios.

Desde 2003, a União arrecadou R$ 54 bilhões com essa contribuição, considerando que desde 2008 a alíquota vem sendo reduzida para compensar os ajustes que teriam que ser repassados ao preço da gasolina, até ter sido zerada em 2012.

É um valor de respeito a ser investido na infraestrutura de transporte. Considerando o aumento contínuo da frota de veículos, essas captações podem ser ainda maiores.

Prefeitos como o de São Paulo, Fernando Haddad, têm relembrado a proposta de investir a Cide em projetos de mobilidade. Considerando que quase 85% dos brasileiros residem em áreas urbanas e o nível local é aquele que está mais próximo da população, essa é uma proposição a ser seriamente considerada.

Não se trata simplesmente de retirar recursos da União para as cidades --uma velha queda de braços--, mas de buscar equacionar uma questão central para a qualidade de vida: a mobilidade urbana.

O sistema viário disponível nas áreas urbanas é um recurso limitado e tem que ser compartilhado entre as ciclovias, a calçada, o transporte público, o individual e o de carga. As perdas de dinheiro, energia e tempo com congestionamentos são indicativos patentes da insustentabilidade da forma como temos abordado o problema.

Conquanto uma parte da solução esteja relacionada à compreensão da cidade como uma estrutura integrada de vida e trabalho, há uma parte importante que pode ser melhorada com investimentos bem direcionados ao transporte coletivo de alta capacidade e na articulação de todas as modalidades disponíveis para os deslocamentos urbanos de forma inteligente. Para isso são necessários recursos, os quais a Cide pode suprir em boa monta.

As cidades são o refúgio da solidariedade, e isso o governo federal precisa entender. É nelas que podemos fazer o impacto mais significativo para avançar as questões de sustentabilidade, das quais a mobilidade é parte intrínseca.

A utilização da Cide é uma ferramenta estratégica para transferir recursos da utilização do transporte individual para o coletivo --uma medida, no mínimo, democrática. E, conforme o transporte público de uma cidade avança, ela fica melhor até mesmo para o automóvel.

Pode-se argumentar que o governo federal perderá recursos. Gostaria de argumentar que não, que ele transferirá à população, via o nível de administração mais próximo do seu dia a dia, os recursos necessários à melhoria da qualidade de vida.

CID, no jargão médico, significa Classificação Internacional de Doenças. A falta de mobilidade hoje é um problema endêmico na saúde das nossas cidades. Podemos usar a Cide como tratamento, uma transfusão de recursos que possibilitará investir em sistemas de mobilidade mais saudáveis. É uma medida justa, necessária e inadiável.

JAIME LERNER, 75, arquiteto e urbanista, foi prefeito de Curitiba (1971-75, 1979-83 e 1989-92) e governador do Paraná (1995-98 e 1999-2002)
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