terça-feira, 25 de junho de 2013

O fracasso da democracia


Clóvis Rossi 
 Folha

Começo por onde esse excelente Hélio Schwartsmann terminou sua coluna de sexta-feira na Folha:

"Mesmo rejeitando o vandalismo, deve-se reconhecer que protestos por vezes tonificam a democracia".

De acordo, Hélio. Pena que essa indiscutível verdade teórica esteja sendo desmentida na prática nos últimos muitos anos -e não só nem principalmente no Brasil.

Desde os primeiros grandes protestos contra a globalização, adquiri vastíssima quilometragem na cobertura de manifestações de massa em diferentes países e por diferentes motivos. São mais de 20 anos de gás lacrimogêneo ingerido e de incontáveis vidraças de McDonald's quebradas (não por mim, que fique claro), o suficiente para poder afirmar que a democracia está sendo incapaz de processar os protestos que deveriam tonificá-la.

Tome-se o caso dos protestos contra a globalização: perseguiam cada reunião internacional, qualquer que fosse o local de sua realização.

Uma das maiores (Seattle, 1999) conseguiu a nada desprezível proeza de impedir que a secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright à época, fizesse o discurso inaugural de uma conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio.

Nunca me esqueci de uma jovem estudante a quem eu tentava convencer de me deixar passar para o centro de imprensa, argumentando que precisava contar ao mundo o que eles estavam fazendo. E ela: "Fuck you. Não precisamos de vocês para isso".

Parecia absolutamente segura de que as mídias alternativas relatariam a marcha triunfal rumo ao sucesso dos grupos que a direita batizou de "globalifóbicos" para tentar ridicularizá-los.

A marcha triunfal foi interrompida pelo 11 de Setembro e pela malandra equiparação dos protestos a terrorismo (muito pior do que acusar os manifestantes apenas de vândalos, certo?).

Mais recentemente, vieram os "indignados". Multidões em praças públicas que fazem parecer meros convescotes em família os grupos reunidos na avenida Paulista. Obtiveram resultados? Nenhum. O "austericídio" prossegue impávido, enquanto os "indignados" submergem. Estão por aí, mas não conseguem traduzir sua força numérica em propostas que a democracia possa processar com seus mecanismos convencionais.

A consequência desse descompasso pode ser terrível, escrevem para "El País" José Ramón Montero e Mariano Torcal, catedráticos de Ciência Política em Madri e Barcelona, respectivamente:

"Se os protestos se mantiverem ante a incompetência, a acomodação ou a frivolidade das elites políticas, o descontentamento poderia radicalizar-se e chegar ao âmbito eleitoral, com consequências imprevisíveis. E, se os protestos forem sistematicamente descartados e não forem acompanhados de mudanças relevantes, o desamor poderia agravar os sentimentos de frustração entre os que por fim exercem sua voz".

Vale para a Espanha, vale para o resto da Europa, vale para o Brasil. Cá como lá, a democracia está flácida em vez de tonificada.


Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno "Mundo". É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo" e "O Que é Jornalismo". Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa do caderno "Mundo" e às sextas no site.
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