MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP
Fã de Pagu, a nova presidente da UNE, Virgínia Barros, 27, estuda letras depois de abandonar economia e passa hoje um bom tempo fora das salas de aula
Nas hostes do movimento estudantil, Virgínia Barros, 27, a nova presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), ou presidenta, como ela faz questão de acentuar, é conhecida como "baixinha" --tem 1m53-- e "nervosinha".
Como Lula, Virgínia também é de Garanhuns, Pernambuco. Mas se engana quem pensa que Vic, como gosta de ser chamada, faça o gênero clássico da militância "barbuda de saia". Verdade que apanhar da polícia na rua ela já apanhou. E isso comenta com orgulho. Também já ocupou reitoria. E diz que se sente à vontade com um megafone nas mãos.
Mas Vic, que usa piercing no nariz e tem quatro tatuagens --no braço, uma poesia de Carlos Pena Filho em homenagem a Recife, onde cresceu e se formou em direito; nas costas, três gaivotas e uma frase, "Viva la Vida"; e, na perna, violetas--, está mais para bandas internacionais como The Strokes e Oasis que para Geraldo Vandré.
Che Guevara ela admira, claro. Mas Patrícia Galvão, a Pagu, está acima de tudo. "Modernista, mulher, escritora, militante", diz ao repórter Morris Kachani. A propósito, a agenda sobre direitos da mulher deve entrar com tudo na pauta da UNE. "Mais creches nas faculdades é uma das bandeiras", explica. Até entre os velhos guerrilheiros de esquerda, admite, o machismo grassou.
Vic participou das primeiras manifestações pelo passe livre de ônibus em São Paulo, pacificamente, como faz questão de ressaltar. "A UNE se solidariza com a causa, embora repudie vandalismo e excessos da polícia." Mas não se diz a favor da tarifa zero, como pede o Movimento Passe Livre. "Sempre defendemos o meio passe para estudante, essa é uma bandeira histórica", desconversa.
Fã de literatura brasileira e de Raduan Nassar em particular, Vic começou neste ano o curso de letras na USP, mas mal encontra tempo para frequentar a sala de aula. Nos últimos três dias, por exemplo, passou por São Paulo, Pernambuco e Minas Gerais. Antes, tentou economia, mas largou no meio. "Queria fazer carreira diplomática e desisti. Agora quero ser professora acadêmica."
A verdade é que estudar quase sempre foi um problema para os líderes da UNE, pelo menos enquanto estiveram à frente da entidade. Muitos trancam matrícula. O ex-ministro Orlando Silva, por exemplo, primeiro presidente negro da UNE (eleito em 95), nem concluiu o curso de direito. Vic se define: "Eu sou política".
Mas leva uma vida de estudante, diz ela. Seu habitat noturno são as casas do Baixo Augusta. Coletivos musicais criados por conterrâneos, como Mombojó e Del Rey, estão entre os preferidos.
Adora se maquiar e cuidar do cabelo "quando dá tempo". Recebeu a Folha calçando tênis de pano, jeans com três anos de rodagem e camiseta da UNE no apartamento de 30 m² em Santa Cecília, SP, que divide com o namorado, Thiago Andrade --estão juntos há dois anos.
Thiago também tem 27 anos. Largou o curso de história e agora pensa em prestar psicologia. Os dois não ganham salário. Mas Vic, assim como os 16 diretores que compõem o "board" (conselho) da UNE, tem as despesas de transporte e comida custeadas pela entidade. O resto, como por exemplo a compra do mobiliário, foram os pais do casal que bancaram --os dela são funcionários públicos concursados. Carro, eles não têm. Seu patrimônio, ela brinca, resume-se a um iPhone. E um skate no canto da sala.
A UNE existe desde 1937. Constituiu um dos principais focos de resistência à ditadura e liderou os caras-pintadas no governo de Fernando Collor. José Dirceu, José Serra, Franklin Martins e Lindbergh Farias são alguns de seus ex-militantes ilustres.
Hoje a instituição arrecada cerca de R$ 800 mil anuais através da venda de 400 mil carteirinhas. Mas, com a lei de meia-entrada, em tramitação no Senado, ganharia prioridade na emissão do documento, o que multiplicaria consideravelmente seus rendimentos --o universo total de estudantes brasileiros é de 7 milhões.
Filiados ao PCdoB ocupam a cadeira da presidência da UNE há mais de duas décadas, embora Vic insista em dizer que a gestão da entidade é apartidária.
Para ela, o PT está liderando um projeto que é contraditório, com muitos avanços sociais, mas identificado com as forças do capital internacional. O PSDB, segundo afirma, "já cumpriu papel importante, mas hoje está conectado com um projeto bem conservador".
A estudante se define marxista. E o que é ser marxista nos dias de hoje? "É lutar contra o fim das opressões. Mudar esse sistema econômico desigual, gerando oportunidades para todos." Ser comunista, segundo ela, "é não aceitar o mundo como ele se apresenta".
Para Vic, o jovem de hoje é até mais engajado. "As formas de engajamento é que se diversificaram, tem quem lute pelo meio ambiente ou por software livre e assim por diante. A diferença é que não se entrega a vida."
A pernambucana tem duas obsessões: a defesa da destinação de 10% do PIB à educação e à melhoria da qualidade de ensino, tanto nas universidades públicas como nas privadas. "Só 17% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos estão no ensino superior; 70% deles, nas particulares", afirma.
Ela promete que o novo prédio da UNE, no Rio, assinado por Oscar Niemeyer, estará finalizado em 24 meses. A verba de R$ 30 milhões, concedida durante o governo Lula como indenização pelos crimes da ditadura, está na conta da entidade desde o final de 2010.
Adaptar o desenho do arquiteto à realidade financeira e a um projeto de construção factível teria sido o motivo do atraso. O prédio terá 13 andares e também um centro cultural. Vic não descarta a hipótese de utilizar alguns andares para locação comercial. Seria uma forma de a UNE ganhar autonomia em relação às verbas públicas e, assim, livrar-se de vez das acusações de peleguismo e aparelhamento.
Os principais eventos da entidade são patrocinados por órgãos ligados ao governo federal, que conta com o PCdoB como aliado estratégico. O custo do congresso de 2011, por exemplo, foi estimado em R$ 4 milhões e contou com o patrocínio de empresas como a Petrobras.
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