O ESTADO DE S. PAULO
A presidente Dilma Rousseff celebrou dez anos de incompetência e equívocos diplomáticos em seu discurso à nova turma formada pelo Instituto Rio Branco. Seu pronunciamento, na terça-feira, se harmonizou perfeitamente com os erros de avaliação e as fantasias geopolíticas do terceiro-mundismo petista. Condenou de modo geral os acordos bilaterais de comércio como nocivos ao País, sem levar em conta o isolamento do Brasil enquanto no resto do mundo se multiplicam acertos comerciais de variadas configurações. Não está claro se foi mais uma falha de julgamento ou apenas mais um tropeço devido à desinformação. O desprezo pelos fatos ficou evidente em vários momentos. "O Brasil quer enfrentar as vicissitudes da globalização junto com seus parceiros sul-americanos", afirmou. Segundo ela, essa ideia se expandiu por todo o continente. Os fatos mostram algo diferente. Terá a presidente esquecido a Aliança do Pacífico, formada por Chile, Peru, Colômbia e México, os acordos bilaterais de outros latino-americanos com países da América do Norte e da Europa e seus esforços de aproximação com a Ásia - tudo isso sem o Brasil?
Diante do impasse da Rodada Doha, empacada há vários anos, a troca de preferências comerciais passou a depender de negociações bilaterais ou entre blocos. Parte importante do empresariado brasileiro passou a cobrar do governo, há pouco tempo, mais iniciativas para incluir o País nesse jogo. A alternativa pode ser extremamente custosa, até porque os maiores mercados, como os Estados Unidos, União Europeia, Japão e outros grandes países da Ásia estão envolvidos em múltiplas negociações. Mas o governo brasileiro continua rejeitando as evidências e mostra-se disposto a menosprezar as cobranças dos líderes da indústria.
No mundo imaginário da diplomacia petista, é irrelevante saber se os parceiros escolhidos como prioritários atribuem prioridade ao Brasil. Segundo a presidente, a prioridade às relações Sul-Sul é marcada pelo "repúdio a todas as formas de domínio e opressão entre os países". Essa orientação, acrescentou, explica a importância conferida à aproximação com grandes países emergentes, como índia, China, Rússia e África do Sul - os Brics.
Como provas do êxito dessa iniciativa, mencionou um acordo de contingenciamento de reservas e o projeto de formação de um banco de desenvolvimento. Esqueceu, como de costume, alguns detalhes: esses países dão prioridade ao comércio com o mundo rico, a Rússia tem dado preferência aos Estados Unidos e Europa como fornecedores de carne e a relação comercial do Brasil com a China é quase colonial. Nem vale a pena discutir em detalhe se todas essas potências de fato repudiam "todas as formas de domínio e de opressão" entre países.
A mesma fantasia explica a insistência do governo em manter o País amarrado a uma união aduaneira fracassada, o Mercosul, um bloco incapaz de funcionar como simples área de livre comércio. Se algum dos novos diplomatas desconhecer esse fato, será um digno sucessor dos condutores da política brasileira de comércio nos últimos dez anos. Nenhuma pessoa razoável e informada pode levar a sério uma união aduaneira com uma tarifa comum cheia de furos, com o comércio intrazona emperrado pelo protecionismo e sem acordos relevantes com parceiros de outras áreas.
O governo brasileiro, segundo a presidente Dilma Rousseff, tem seguido a política Sul-Sul sem se afastar dos países desenvolvidos. Os fatos são muito diferentes. O Brasil tem perdido mercados nos Estados Unidos e na Europa. Outros países têm levado vantagem, porque dispõem de acesso preferencial, graças a acordos comerciais ou porque são simplesmente mais competitivos- ea incompetência governamental, no Brasil, prejudica também o poder de competição das empresas. A combinação de erros diplomáticos e de política econômica interna tem resultado igualmente na perda de participação nos mercados vizinhos. O discurso presidencial passou longe, é claro, de todos esses fatos, tanto quanto da gramática e da sintaxe.
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