domingo, 28 de julho de 2013

Fascismo em nome de Deus

Um tema sério a ser encarado de frente pela sociedade frente a mais absoluta incapacidade do Estado resolver de forma adequada frente aos demais vultosos gastos no SUS.


Fascismo em nome de Deus
DRAUZIO VARELLA
FOLHA DE SP


Um Estado laico tem direito de submeter a sociedade inteira a uma minoria de fanáticos?

Há manhãs em que fico revoltado ao ler os jornais.

Aconteceu segunda-feira passada quando vi a manchete de "O Globo": "Pressão religiosa", com o subtítulo: "À espera do papa, Dilma enfrenta lobby para vetar o projeto para vítimas de estupro que Igreja associa a aborto".

Esse projeto de lei, que tramita desde 1999, acaba de ser aprovado em plenário pela Câmara e pelo Senado e encaminhado à Presidência da República, que tem até 1º de agosto para sancioná-lo.

Se não houver veto, todos os hospitais públicos serão obrigados a atender em caráter emergencial e multidisciplinar as vítimas de violência sexual.

Na verdade, o direito à assistência em casos de estupro está previsto na Constituição. O SUS dispõe de protocolos aprovados pelo Ministério da Saúde especificamente para esse tipo de crime, que recomendam antibióticos para evitar doenças sexualmente transmissíveis, antivirais contra o HIV, cuidados ginecológicos e assistência psicológica e social.

O problema é que os hospitais públicos e muitos de meus colegas, médicos, simplesmente se omitem nesses casos, de forma que o atendimento acaba restrito às unidades especializadas, quase nunca acessíveis às mulheres pobres.

O Hospital Pérola Byington é uma das poucas unidades da Secretaria da Saúde de São Paulo encarregadas dessa função. Lá, desde a fundação do Ambulatório de Violência Sexual, em 1994, foram admitidas 27 mil crianças, adolescentes e mulheres adultas.

Em média, procuram o hospital diariamente 15 vítimas de estupro, número que provavelmente representa 10% do total de ocorrências, porque antes há que enfrentar as humilhações das delegacias para lavrar o boletim de ocorrência.

As que não desistem ainda precisam passar pelo Instituto Médico Legal, para só então chegar ao ambulatório do SUS, calvário que em quase todas as cidades exige percorrer dezenas de quilômetros, porque faltam serviços especializados mesmo em municípios grandes. No Pérola Byington, no Estado mais rico da federação, mais da metade das pacientes vem da Grande São Paulo e de municípios do interior.

Em entrevista à jornalista Juliana Conte, o médico Jefferson Drezzet, coordenador desse ambulatório, afirmou: "Mesmo estando claro que o atendimento imediato é medida legítima, na prática ele não acontece. Criar uma lei que garanta às mulheres um direito já adquirido é apenas reconhecer que, embora as normas do SUS já existam, o acesso a elas só será assegurado por meio de uma força maior. Precisar de lei que obrigue os serviços de saúde a cumprir suas funções é uma tristeza".

Agora, vamos ao ponto crucial: um dos artigos do projeto determina que a rede pública precisa garantir, além do tratamento de lesões físicas e o apoio psicológico, também a "profilaxia da gravidez". Segundo a deputada Iara Bernardi, autora do projeto de lei, essa expressão significa assegurar acesso a medicamentos como a pílula do dia seguinte. A palavra aborto sequer é mencionada.

Na semana passada, o secretário-geral da Presidência recebeu em audiência um grupo de padres e leigos de um movimento intitulado Pró-Vida, que se opõe ao projeto por considerá-lo favorável ao aborto.

Pró-Vida é o movimento que teve mais de 19 milhões de panfletos apreendidos pela Polícia Federal, na eleição de 2010, por associar à aprovação do aborto a então candidata Dilma Rousseff.

Na audiência, o documento entregue pelo vice-presidente do movimento foi enfático: "As consequências chegarão à militância pró-vida causando grande atrito e desgaste para Vossa Excelência, senhora presidente, que prometeu em sua campanha eleitoral nada fazer para instaurar o aborto em nosso país".

Quem são, e quantos são, esses arautos da moral e dos bons costumes? De onde lhes vem a autoridade para ameaçar em público a presidente da República?

Um Estado laico tem direito de submeter a sociedade inteira a uma minoria de fanáticos decididos a impor suas idiossincrasias e intolerâncias em nome de Deus? Em que documento está registrada a palavra do Criador que os nomeia detentores exclusivos da verdade? Quanto sofrimento humano será necessário para aplacar-lhes a insensibilidade social e a sanha punitiva?
.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Respeito ao direito de ir e vir

EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE


É inaceitável recorrer ao bloqueio de estradas como forma de protesto. Não há dia em que grupos movidos por esta ou aquela causa não interrompam vias públicas, tornando banal o preocupante espetáculo de longas filas de carros, ônibus e caminhões. Em consequência, o transtorno se instala. Mercadorias deixam de ser entregues, trabalhadores não chegam ao destino, estudantes faltam às aulas.

O abuso chegou a tal ponto que cria situações só imaginadas em narrativas de ficção. Na quarta-feira, associados da TelexFree fecharam os acessos ao Aeroporto de Brasília. Durante duas horas, as vias que levam ao terminal ficaram congestionadas. Passageiros precisaram abandonar táxis ou veículos privados para não perder o voo. Seguiram a pé com a respectiva bagagem.

Paradoxalmente, a mobilidade urbana foi o pivô que levou milhares de brasileiros às ruas de cidades dos quatro cantos do país. No início, a multidão protestava contra o aumento das tarifas. Depois, contra a má qualidade do serviço. O descontentamento coletivo procede. O trânsito não poupa ricos nem pobres. Uns e outros tornaram-se vítimas da insensibilidade, negligência e falta de planejamento governamental.

Sem transporte público adequado, os cidadãos perdem a esperança de melhoras no ir e vir. Quem se locomove de carro enfrenta tal congestionamento que mal consegue sair do lugar. Ao chegar ao destino, enfrenta a limitação de estacionamentos e a falta de segurança. Quem anda de ônibus ou metrô não tem sorte melhor. Além de viajar como sardinha por muitas horas, corre o risco de ficar no caminho.

A Constituição assegura o direito de ir e vir. Assegura, também, o direito de reunião e de expressão de ideias. Graças às garantias, o Brasil assiste, há mais de um mês, a manifestações de rua nos quatro cantos do país. Mobilizados pelas redes sociais, milhares de pessoas exibiram a cara de uma nação nova, jovem, surpreendente. Cartazes davam recados que sensibilizaram a população pela sintonia lograda.

O descaso com a saúde, que mata e sacrifica adultos e crianças, somou-se à baixa qualidade da educação, que dificulta a mobilidade social e rouba o futuro. Corrupção, segurança, impunidade, privilégios figuraram entre as mazelas de um país que não se preparou para crescer. Pacíficas, as passeatas receberam o aplauso da população. Vandalismos e outras violências mereceram o repúdio - o mesmo repúdio a que faz jus o bloqueio de estradas. Defensores de tais recursos desconhecem regra primária do convívio social: o direito de um acaba onde começa o do outro.
.

O lixo, seus dramas, caminhos possíveis


WASHINGTON NOVAES
ESTADÃO

Deveria ser de leitura obrigatória para administradores públicos e legisladores em todos os níveis - começando por governo federal, Congresso, governos estaduais, deputados, prefeitos, vereadores -, mas também para empresários e consumidores, o texto Gestão de resíduos sólidos para uma sociedade mais próspera, escrito pelo professor Ricardo Abramovay, do Departamento de Economia, e das pesquisadoras Juliana S. Speranza e Cécile Petitgand, do Núcleo de Economia Socioambiental, todos da Universidade de São Paulo (USP). Dificilmente se encontrará texto mais abrangente sobre a questão dos resíduos e as políticas adequadas que devem norteá-la, mais rico em informações, capaz de levar a mudanças indispensáveis.

É um tema decisivo para o Brasil, que no ano passado produziu 63 milhões de toneladas de resíduos domiciliares, mas não está reduzindo essa geração, nem em termos absolutos nem por pessoa. Segundo o texto, 40% do lixo, pelo menos, vai para lixões ou aterros "controlados". E muito pouco se tem avançado. O problema não se restringe às áreas de saúde pública e de ocupação de espaços urbanos. Por isso os avanços dependerão também de uma "reformulação" até mesmo do setor privado e de seus "padrões de oferta de bens e serviços" - o que já faz parte dos objetivos estratégicos dos países do Primeiro Mundo, que responsabilizam os produtores de bens, o setor de embalagens e os geradores de inovações tecnológicas por soluções que levem a melhor aproveitamento de materiais (em computadores e celulares, por exemplo, ou na área de produtos químicos, na qual já existem 248 mil produtos em circulação; um aparelho de televisão pode ter até mais de 4 mil componentes).

Mas só 10% dos municípios brasileiros apresentaram - no prazo, que já esgotou, estabelecido pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) - seus planos de gestão para a área, eles que devem ser os principais executores. Em geral, enfrentam forte resistência dos produtores de bens, de políticos que a eles se aliam (em troca de "financiamentos para campanhas") e da maioria da própria população, que entende não ser sua a obrigação, porque já paga impostos em que estariam embutidos serviços da área. E isso dificulta a legislação e a aplicação do princípio poluidor/pagador, de onde deveriam vir os recursos. Na Europa, nos EUA, no Japão essa responsabilização do produtor de bens e dos geradores de resíduos tem sido a chave dos avanços.

O texto agora divulgado pelos professores da USP vê muitas ambiguidades no conteúdo da PNRS, começando exatamente pela falta de definição clara das responsabilidades e pelo financiamento e organização da logística reversa, que levaria de volta aos produtores as embalagens dos bens consumidos. Também deixa às prefeituras os custos de coleta e destinação do lixo - o que é muito problemático, principalmente com a predominância de resíduos orgânicos. Só há aterros adequados em 27% dos municípios. A criação de mais aterros e os custos envolvidos incluem-se entre os obstáculos, até por causa da distância, que encarece os custos de transporte do lixo coletado. E a necessidade de formar consórcios entre as municipalidades implica muitas dificuldades políticas, em especial com a resistência dos que temem perder poder ou deixar de influir nas concessões.

Já fizemos alguns avanços importantes em alguns setores - com destaque para pneus descartados, embalagens de agrotóxicos, recebimento obrigatório de pilhas e baterias, óleos lubrificantes -, mas falta muito. Também há avanços na recuperação de embalagens de alumínio (dado o alto custo da energia na produção desse material), do papel e do plástico, do aço. Ainda faltam caminhos para levar quem gera mais lixo a pagar mais.

Problemas não existem só aqui. Resíduos são uma questão difícil em todo o mundo, já que é produzido 1,3 bilhão de toneladas anuais - a produção per capita dobrou nas últimas décadas e chega a 1,2 quilo diário. E a previsão é de que chegue a 2,2 bilhões de toneladas em 2020, embora a tonelagem incinerada ou depositada em aterros na Europa, por exemplo, tenha caído, graças à reciclagem, que passou de 23% para 35% na primeira década deste século. Na Alemanha a produção de resíduos caiu 15% com a introdução de sistema baseado no princípio poluidor/pagador: cada gerador de resíduos em residências, por exemplo, tem de separá-los obrigatoriamente e paga uma taxa proporcional ao volume do recipiente em que são coletados; o lixo orgânico é recolhido pelo poder público e enviado para aterros ou usinas de incineração; o "lixo seco" (embalagens, etc.) vai para outro recipiente e é recolhido em todo o país por uma entidade mantida pelos produtores dos bens consumidos, que pagam proporcionalmente ao volume, tiragem, etc. Os resultados foram altamente positivos em tempo curto.

Mesmo com os avanços os países da OCDE, que têm população equivalente à da África toda, produzem cem vezes mais lixo que esse continente, observa o estudo. Ou 50% de todo o lixo do mundo. E ainda exportam uma parte de seus resíduos - principalmente eletrônicos - para países africanos, numa espécie de "colonialismo da imundície", como tem sido chamado em relatórios internacionais já registrados neste espaço em artigos anteriores. Os EUA também exportam 50% de seus resíduos eletrônicos.

Embora o estudo não seja pessimista, precisaremos de muito esforço para chegar a transformações indispensáveis no poder público em todos os níveis, ainda mais que a própria população também resiste a qualquer inovação que dela exija contribuição financeira em impostos ou taxas. Da mesma forma, parte do setor produtivo não quer incorporar custos, alegando que sofrerá perda de rentabilidade (que só ocorreria se a regra não fosse geral). Mas não há alternativas - a não ser a sujeira, a degradação de áreas urbanas, o desperdício.
.

Compadrismo

DOMINGOS PELLEGRINI
GAZETA DO POVO - 26/07

Ler a crônica Conversões, de Luis Fernando Verissimo, publicada no domingo passado, faz lembrar o livro de Lenin Esquerdismo, doença infantil do comunismo, pois enseja parodiar: “Compadrismo, doença senil do esquerdismo”. Muitos intelectuais ainda não conseguem entender que a esquerda é uma caca (para não usar a rima óbvia) e direita é uma “josta”. São duas margens do mesmo abismo ou, conforme Golbery, duas pontas da ferradura.

Num duelo, se a direita sacar acusações de genocídio contra a esquerda, debitando-lhe os milhões de mortos por repressão ou miséria nos regimes comunistas, a esquerda pode sacar outros milhões massacrados pela selvageria do capitalismo sem regras sociais. Como também ambas podem sacar acusações de autoritarismo, perseguições, censura, machismo, racismo, concentração de poderes e distribuição de miséria, ineficiência dos governos e privilégios das respectivas elites dirigentes.

Isso vigorou até a queda do Muro de Berlim, marco simbólico para o mundo de hoje, onde as ideologias atarantadas veem uma China com economia capitalista e repressão comunista, em nome dos trabalhadores, mas sem direitos trabalhistas, com isso condenando empresas à falência e trabalhadores ao desemprego em todo o mundo, enquanto em países capitalistas a socialização é tanta que qualquer empresa investe mais em seu pessoal que o regime cubano investe – aliás, até porque falido não tem o que investir.

Muitos intelectuais, ainda no fundo crentes de que “a esquerda é sempre melhor”, ficam, então, dando tratos à bola, em contorcionismos verbais e equilibrismos conceituais, tentando se situar com dignidade no arame gelatinoso das ideologias. Na verdade, continuam esquerdosos apenas por preguiça ou conveniência, ou, enfim, por compadrismo.

Tantos churrascos com os companheiros, tantos charutos, tantas biritas, tantos abraços... E renegar tudo isso apenas porque alguns foram condenados pelo Supremo? Negar o abraço a Lula apenas porque tornou-se cínico milionário da elite que condena da boca para fora? Admitir que Bolsa Família, como qualquer esmola, conforme Zé Dantas, “para um homem que é são / ou lhe mata de vergonha / ou vicia o cidadão”, tornando a miséria não só econômica, mas também moral?

Ah, não! Compadres, uni-vos! Continuareis fiéis ao esquerdismo até a última gota de uísque! Empreender, jamais (até porque outros com talento e competência sempre fazem isso, criando e tocando empresas que com seus impostos custeiam o Estado e seus dependentes, como também toda a população, sangrada através dos impostos embutidos, também custeia os despudores dos poderes públicos)!

Com o Muro de Berlim, caíram o capitalismo selvagem e o socialismo autoritário (Verissimo, leia Após o Liberalismo, de Immanuel Wallerstein). A social-democracia, síntese e via óbvia das duas margens do abismo, é estrada que só dará certo se, em vez de ideologias e suas visões baseadas na “igualdade”, forem respeitados outros valores em “ade”: honestidade, produtividade, qualidade (de obras, serviços e conduta), claridade (também chamada transparência), fraternidade (sem paternalismo e bolsas eleitorais) e, em vez da ilusória igualdade, diversidade, com uma democracia que consagre as maiorias e defenda as minorias. É mais difícil que o simples dilema esquerda/direita, mas é coisa de gente grande, para funcionar e não para apenas posar de salvadores do mundo (na esquerda ou na direita) com as cuecas furadas pela realidade.
.

O futuro da solidão

JOSÉ PIO MARTINS
GAZETA DO POVO - PR

Entre os fenômenos que vêm ocorrendo nos últimos tempos, dois deles imporão mudanças econômicas profundas e exigirão novo comportamento social. Trata-se do envelhecimento da população e do aumento do número de pessoas sozinhas.

A população do Brasil anda na casa dos 195 milhões. Desses, os que têm mais de 60 anos são 20 milhões; daqui a dez anos serão 31 milhões e, em 2040, passarão de 57 milhões. É uma mudança etária muito grande que levará a novas exigências em três pontos: necessidade de poupança individual e de educação financeira; reformulação nos sistemas de previdência dos trabalhadores públicos e privados; modificações nos sistemas públicos de saúde e assistência.

Na outra ponta, em apenas uma década o país terá 6 milhões de crianças a menos na faixa de 5 a 14 anos, saindo de 34 milhões hoje para 28 milhões em 2022. Nas próximas décadas, teremos muito menos gente em idade produtiva como proporção da população na terceira idade. O INSS não vai aguentar, pois é um sistema baseado no regime de repartição, pelo qual os benefícios de hoje (aposentadorias, pensões e outros) são pagos pelas contribuições dos trabalhadores de hoje. Alguma reformulação terá de ser feita.

Quanto à previdência dos servidores públicos, a situação é ainda pior. Atualmente ela está absorvendo, dos tributos, parcela muito acima do que é considerado razoável para padrões mundiais. Um exemplo está nas pensões por morte. Se um casal trabalha no governo com salário de R$ 25 mil por mês cada, em caso de morte de um, o outro passa a receber, em forma de pensão, o salário integral do cônjuge falecido. Esse exemplo foi usado pelo ministro da Previdência para defender a necessidade de mudanças.

Louve-se a iniciativa da presidente Dilma em começar a mexer nesse problema, com a criação do Fundo de Previdência do Servidor Público no âmbito do governo federal. Mas isso é só o início da solução. Estados e municípios estão devendo a correção dos problemas previdenciários de seus servidores, algo que já deviam ter começado a fazer, pois reforma previdenciária leva 30 anos para dar resultado.

Outros fenômenos são a diminuição do tamanho das famílias e o aumento do número de pessoas da terceira idade morando sozinhas. Dos 57 milhões acima de 60 anos em 2040, muitos irão morar sozinhos porque não se casaram, porque se divorciaram ou porque o cônjuge morreu. Um dado a respeito é o aumento do número de separações formais. Para ilustrar, em 2011 foram 351.153 divórcios, contra 243.224 em 2010, um crescimento de 45,6%.

Essa realidade recomenda que cada um cuide de sua educação financeira, faça sua previdência complementar e forme reservas para prover o próprio sustento, ainda mais que a probabilidade de ficar sem emprego na velhice e gastar mais com saúde e cuidados pessoais é bastante grande. Ademais, não é prudente colocar seu futuro nas mãos do governo, pois os governos têm a mania de acabar correspondendo aos que não confiam nele.

A nova realidade populacional exigirá mudanças, também, na indústria habitacional, nos fabricantes de alimentos e no setor de serviços – que terão de atender milhões de residências com apenas um consumidor –, e no conceito de família. A solidão, no sentido físico, tende a promover novas formas de núcleo familiar e convivência social. Em alguns países, já se fala em “família social”, amigos que, em grupo, fazem um pacto de convivência e apoio mútuo, como se uma família fossem.
.

O nada

BARBARA GANCIA
FOLHA DE SP


Em Aparecida há 500 lojas de 'artigos religiosos' feitos, provavelmente, na China por budistas

Não sei distinguir uma begônia de uma hortênsia. Mas pude experimentar, na Patagônia argentina, onde passei alguns dias nesta semana, a mesmíssima sensação que Charles Darwin descreve em "A Viagem do Beagle", sobre ficar para sempre enlevado pela imensidão daquele fim de mundo, de ter tido a mente tomada por uma calma primitiva que compele a um encontro forçado consigo mesmo.

Já tinha estado antes na Patagônia e me deixado arrebatar. Pelo quê? Não há nada ali. Ninguém, nem mísero arbusto, nadica. Só vento e horizonte.

Percebi que o nada é uma experiência mais bem encarada pelo que nele não se encontra. Visto por esse ângulo, as vantagens abundam. Para começar, no nada não há "nobres selvagens", do tipo que inspirou Voltaire e que, originalmente, foi exportado dali, da tribo dos nobres araucanas, invejados pela robustez, valentia e qualidade moral. Foram todos dizimados.

Do Panamá à Terra do Fogo foram 16 milhões de indígenas mortos pelos colonizadores; seria o caso de pedir o Nadal, o Barcelona e o Real Madrid como indenização, só pra começar. Nos raros povoados, incrementados pelo turismo que veio com o aeroporto construído pelo então governador Kirchner (o ex-presidente era natural da província de Santa Cruz, que domina a Patagônia), também há quase nada.

Claro, sempre se dá de cara com um café, uma livraria, um banco e um cassino. Um trago é praxe e o argentino gosta de ler livros que expliquem seu fracasso e a complicadíssima iconografia do peronismo. A prevalência de instituições monetárias, a julgar pelos recentes escândalos envolvendo homens próximos aos Kirchner, serve para lavar dinheiro. E só.

Algo não faz sentido para mim nessa equação do Darwin. Essa história de paz de Deus não me convence. Desconfio que minha serenidade não tenha nada a ver com a contemplação da natureza ou com a placidez.

Assim que regressei, fissurada pela falta de notícias, fui correndo ler os números atrasados da Folha guardados na minha ausência e dei de cara com uma série de monstruosidades na forma de souvenirs oferecidas ao papa durante sua visita. O prefeito de Aparecida presenteou o santo padre com a obra de um "artista local". O líder do PT na Câmara deu a ele um "kit Padim Ciço", com terço e escultura; Dilma ofereceu uma escultura que retrata um frade lendo. Só falta o pintor Roberto Camasmie perpetrar uma obra do pontífice deitado em um divã em pose vamp.

E as quinquilharias? Um dos piores efeitos colaterais do turismo e dos eventos celebratórios como visitas papais ou nascimentos reais são a produção em massa de souvenirs. Entendo que produzir inutilidades seja um meio de empregar quem não consegue amarrar os sapatos. Mas não seria mais útil colocá-los para ajudar em clínicas de castração de cães e gatos? Ou será que só eu percebo que o problema da saúde pública está saindo de controle?

Não seria mais producente contratá-los para desintupir esgotos, trabalhar na distribuição de remédios... Qualquer coisa menos produzir esse monte de lixo na forma de souvenir que só infesta o mundo de lixo e apequena o espírito?

Em Aparecida há 500 lojas de "artigos religiosos", provavelmente confeccionados na China por budistas. Será esse comércio de chaveirinho com santo casamenteiro religião ou superstição? E estátuas sem qualquer valor estético ou artístico, como a de são Francisco, em Canindé (CE), ou a de Frei Galvão, que está sendo erguida em Aparecida? Ou os milhares de Cristos Redentores espalhados pelas cidadezinhas tapuias? Um mais desproporcionado e capenga que o outro, será que não fazem Michelangelo e Botticelli revirar no túmulo?

Me leva para a Patagônia!
.

Mais um sinal de esgotamento



LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
FOLHA DE SP


Um mercado de trabalho mais acomodado deve ajudar o Banco Central a combater a inflação

Os dados sobre o emprego formal divulgados nesta semana reforçam o quadro de esgotamento do modelo de crescimento do governo Lula, que teve continuidade com Dilma.

O aumento do desemprego registrado no ultimo mês pelo IBGE é o resultado do crescimento econômico medíocre dos últimos dois anos. Usando uma imagem popular, ele é mais uma carta de um castelo de baralho a ruir em razão de fatores econômicos que vêm ocorrendo há algum tempo. E o governo não se deu ainda conta disso.

Colocadas por André Muller, economista que trabalha comigo na Quest, em um mesmo gráfico, as taxas de desemprego mensal de cada um dos últimos quatro anos compõem uma figura interessante e muito esclarecedora.

Pela primeira vez, desde 2009, a curva que une os dados mensais da taxa de desemprego do ano corrente (2013) cruza a linha do ano anterior (2012).

Em outras palavras, pela primeira vez em mais de quatro anos a taxa de desemprego em um mês do ano corrente é maior do que a verificada em mesmo mês do ano anterior.

Outra forma de olhar a mudança de sinal na dinâmica do mercado de trabalho é a de comparar o volume de novos postos formais criados no período de 12 meses no ano (t) com o mesmo número do ano (t-1).

Nos 12 meses até junho passado, foram criados apenas 667,5 mil novos postos formais de trabalho, um número inferior ao de novos entrantes no mercado nesse mesmo período. Essa mesma estatística era de 2,15 milhões na passagem de 2010 para 2011, momento em que se inicia um processo continuado de queda até se chegar a junho último.

Mas esse aumento da taxa de desemprego, motivado pela menor geração de postos formais de trabalho, não deve chegar a algo dramático nos próximos meses.

O crescimento econômico atual --próximo de 2% ao ano-- é suficiente para manter a população ocupada crescendo a taxas bem modestas, com o aumento do desemprego vindo da entrada de um número maior de novos trabalhadores no mercado.

Mas esse descompasso será suficiente para diminuir a pressão dos sindicatos sobre as empresas na busca de ganhos reais de salários e, indiretamente, sobre a inflação.

Esta descompressão já está chegando ao mercado de serviços pessoais, segmento que tem mostrado uma inflação acima dos 8% ao ano nos últimos anos.

A menor pressão vinda de um mercado de trabalho em acomodação deve ajudar a tarefa do Banco Central no combate à inflação.

Depois de um ajuste forte nos preços dos alimentos --que ainda está ocorrendo--, uma menor taxa de inflação nos mercados de serviços pode dar continuidade à descompressão do IPCA na parte final de 2013 e em 2014.

Com isso, o cenário de catástrofe, pintado pelos mais afobados há alguns meses, deve ser substituído por um olhar mais calmo para o comportamento dos preços, com reflexos sobre as previsões para 2014 e que já se encontram abaixo do número mágico de 6% ao ano.

Fica no ar apenas a questão da taxa de câmbio. A continuidade da especulação com o valor das moedas emergentes, em razão de um dólar forte e do crescimento mais fraco da China, vem provocando uma desvalorização adicional da moeda brasileira.

Pelo menos temos agora um Banco Central que olha para a taxa de câmbio não como um fator para ajudar no crescimento econômico, mas como um preço que pode atrapalhar seus esforços de estabilizar os índices de inflação em níveis mais próximos do centro da meta em 2014.

Aliás, foi a desvalorização forçada do real, inclusive pela ação da mesa de câmbio do Banco Central, um ano atrás, que fez com que a inflação mudasse de patamar.

A pressão de hoje sobre nossa moeda tem origem externa, e a ação do BC vendendo dólares nos mercados de câmbio é muito mais limitada. A eficácia de suas ações na tentativa de estabilizar o real depende da dinâmica de outros mercados, principalmente os de juros nos Estados Unidos.

Resta-nos apenas rezar para que o banco central americano tenha sucesso na transição de sua política monetária, algo que deve começar a acontecer em setembro.
.

Desastres ferroviários


GILLES LAPOUGE
O Estado de S.Paulo


O transporte ferroviário não vai muito bem. Sobretudo no caso dos chamados Trens de Alta Velocidade (TGV), uma maravilhosa invenção francesa que permitiu aos trens atingirem velocidades irreais, de 300 ou 350 quilômetros por hora, e se disseminou pelo mundo inteiro, incluindo Canadá e China. 

Há 15 dias, um TGV descarrilou na estação francesa de Bretigny, na região parisiense. Seis mortos. Horror. Esta semana, um trem de alta velocidade espanhol, que fazia o percurso de Madri a Santiago de Compostela, também descarrilou - 80 mortos. Foi aberto um inquérito para saber as razões do desastre. 

As causas não são conhecidas ainda, mas já se sabe que o descarrilamento ocorreu numa curva muito fechada que deveria ser feita à velocidade máxima de 80 quilômetros por hora. Contudo, o trem estava a 190 quilômetros por hora. Algumas testemunhas afirmam mesmo que ele estava a 260 quilômetros. 

Sem esperar as conclusões do inquérito (que jamais entendemos corretamente), acredito que a culpada é a velocidade, um dos flagelos da Idade Moderna. A velocidade multiplamente assassina, delituosa, que, em vez de levar à prisão, recebe medalhas, louros e recompensas. 

As pessoas podem dizer que tenho saudade do carro puxado por cavalos, das lâmpadas de óleo, dos ritmos lentos da Idade Média, que sou um nostálgico. arcaico. Eu responderei logo, sem me deixar intimidar, que "sim, tenho saudade". Mas, em seguida, acrescentaria algumas nuances. 

Certamente estou satisfeito com os aviões que voam com rapidez, sobretudo porque há menos acidentes com eles. Para mostrar que não sou "retrógrado", critiquei o relatório da Academia de Ciências de Paris que, em 1830, protestou contra os primeiros trens que começavam a transportar passageiros em torno da capital francesa. 

Um comunicado alertava os cidadãos para não subirem naquelas máquinas assustadoras que atingiam velocidade de 40 quilômetros por hora. Depois de estudos profundos, os sábios haviam descoberto que, acima de 30 quilômetros por hora, o corpo humano não conseguiria resistir e seus pulmões explodiriam. 

Apesar dos alertas da Academia de Ciências, os trens avançaram. Contudo, precauções eram adotadas. Antes de soar o apito da partida, o chefe da estação travava com um grande martelo as portas dos vagões (à época de madeira) para não abrirem bruscamente em consequência da rapidez diabólica do trem. 

Como resultado, em 1842, um dos grandes exploradores franceses do Polo Sul, Jules Dumont d'Urville, morreu com sua família num acidente ferroviário. O trem descarrilou e incendiou-se. E, como as portas dos vagões estavam travadas, os passageiros não conseguiram escapar. Assim, em lugar do grande explorador francês foi encontrado um bloco de carvão em brasa e fumegante. 

Portanto, não é a velocidade que deploro, mas o seu abuso. Sua inutilidade. As idiotices cometidas. A velocidade tornou-se uma droga e colocou sua terrível pata sobre a nossa sociedade. Vivemos num imenso cronômetro, o olho fixado na pequena agulha dos segundos, porque um segundo "é dinheiro". No entanto, um segundo também é "morte". 

Assim, o tempo tornou-se o produto mais raro e mais luxuoso do nosso século. Há alguns anos, comprei um pão que me foi fornecido enrolado num saco de papel onde o padeiro colocou os "ingredientes" do produto: farinha, fermento, etc. E acrescentou também: "três horas para a massa repousar". Para mim, esse padeiro era um sábio, um poeta. Um milionário em minutos e segundos. E o pão era delicioso. 

Lembro-me também do trem que tomei, em 1946, quando parti da minha província para Paris, que não conhecia. Era um trem venerável. Foram necessárias 36 horas para ele fazer o percurso de 800 quilômetros entre Marselha e Paris. É verdade que as linhas férreas estavam bastante danificadas pelos bombardeios alemães e americanos.

Entretanto, que viagem voluptuosa. De vez em quando, o trem parava em cidadezinhas do interior. Depois, partia. Os campos se abriam diante da nossa pequena locomotiva arquejante e o sol se inclinava lentamente na montanha. 

O céu mudava de cor e o horizonte desaparecia. A noite era um grande túnel e, do outro lado dele, a aurora exibia suas transparências. Então, penetrávamos suavemente no esplendor das coisas.
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA.
.

Divisões na América Latina

O texto analisa um dos principais motivos de termos uma indústria depauperada, falta de investimentos em educação para produção de alto valor agregado e, sobretudo, uma forte ideologia impregnando as relações internacionais.


Divisões na América Latina
MARCELO COUTINHO
FOLHA DE SP


Em 2010, em artigo neste espaço, defendi que o predomínio ocidental estava longe do fim. Minha posição contracorrente destoava da maioria dos analistas, entre os quais havia virado moda falar em mundo pós-americano. Fareed Zakaria foi só um desses autores.

Com a mesma facilidade peremptória, diz-se agora exatamente o contrário, que talvez a China esteja exaurindo o seu crescimento e que os Estados Unidos estão de volta, com a revolução tecnológica e energética promovida pelo xisto. Uma mudança radical em menos de três anos.

Fora dos EUA, tantos ressentimentos contra o chamado império criaram "wishful thinkings", tomando desejos por realidade. Simples: se não gostamos da grande potência do norte, então compramos a tese do seu declínio imediato.

O lugar-comum do mundo pós-americano serviu para vender livros, fazer gracejos e criar novas expectativas como a dos Brics. Agora, em refluxo, os mesmos analistas e consumidores de suas análises temem que o Brasil seja prejudicado pelo fim da exuberância chinesa e pela recuperação norte-americana.

Dizem que pode haver uma fuga de capitais em direção aos EUA e uma crise entre os emergentes, com os exageros de praxe. Mas, na realidade, a força de Washington perdurará em um mundo em deslocamento para o Pacífico, onde também fica a costa oeste americana.

A novidade é que a Europa já entendeu as mudanças em curso e, finalmente, pode realizar um acordo comercial com os EUA na tentativa de preservar a força do Atlântico Norte. A questão é quando o Brasil vai perceber esse cenário.

O Itamaraty tem demonstrado uma preocupante dissonância cognitiva, selecionando apenas os pedaços de informação que parecem mostrar que estamos bem, enquanto ignora dados mais relevantes. Esse é um traço da nossa cultura.

A política de prestígio da diplomacia brasileira valoriza excessivamente a conquista de um cargo na Organização Mundial do Comércio e menospreza o processo estrutural que nos torna dependentes da exportação de commodities. Pior, começam a se orgulhar disso.

Nos últimos cinco anos, Brasília dedicou-se a preparar uma política externa parecida com a era do café. Não é concebível como, em tão pouco tempo, jogamos no lixo décadas de uma luta pela diversificação industrial das relações internacionais.

Derrotado na OMC, o México e parceiros da Aliança do Pacífico "roubam" os investimentos que viriam para o Brasil. Os países da franja liberal da costa oeste latino-americana, como Peru, Chile e Colômbia, crescem mais com estabilidade econômica do que os estranhos desenvolvimentistas primário-exportadores do outro lado do continente.

Não obstante os discursos oficiais, a América do Sul é uma região partida. De um lado, temos democracias de mercado dinâmico com alternância de poder. De outro, regimes cada vez mais autoritários, com economias estatizadas e desorganizadas. Para variar, a posição do Brasil não é clara.

No século 19, já havia divisão. Os países mais bem-sucedidos até meados do século 20 foram aqueles que conseguiram conjugar alternância entre liberais e conservadores. Talvez vivamos outra bifurcação novamente que marcará o século 21.
.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

O quartinho das ferramentas



O quartinho das ferramentas
Claúdio de Moura e Castro
Veja

Faz anos. fui voar de asa-delta em Chattanooga. Como o vento não é domesticável, custou muito até que soprasse certo. Esperei longas horas no local de aterrissagem. Na manhã de sábado, chegou um americano pesadão, em uma caminhonete abarrotada de madeira. Depois de empilhar as tábuas no chão, tirou do estojo um teodolito e pôs-se a medir. Curioso, pensei, engenheiro que descarrega caminhão! Mas. em seguida, munido de uma cavadeira, furou quatro buracos. Virou o cimento e construiu quatro blocos, para servirem de alicerce do que prenunciava ser um quartinho. Desapareceu antes do fim da manhã.

Como o cimento precisava secar, só voltou no dia seguinte. Com uma serra circular de mão, pôs se então a cortar e a pregar as peças de 2 por 4 polegadas que compõem a estrutura da cabana. Alguns compensados foram içados, para fazer o telhado, logo coberto de telhas de asfalto. Em seguida, mais compensados para fechar as paredes. Quando pousei à tarde. a cabana estava pronta, e já desaparecera o engenheiro-pedreiro-carpinteiro. Um dia de trabalho: uma cabana pronta e benfeita.

Recentemente, vi outra cabana sendo construída, desta vez no Brasil. Como era apenas para a duração de uma obra, era mais rústica. Foi também feita de peças estruturais de pinho e compensado hidráulico. Como os esteios foram fincados no chão. sem cimento, não foi necessário esperar ate" o dia seguinte. Na prática, levou o mesmo tempo que a americana. Vejam a grande diferença: a cabana brasileira foi feita por cinco operários!

Quando economistas falam de produtividade, referem-se a uma relação entre o que se aplica na produção de alguma coisa e o que se obtém ao fim do processo. A produtividade da mão de obra reflete quantas horas de trabalho foram necessárias para produzir algo — no caso, uma cabana.

Como o senhor americano produz o mesmo que cinco brasileiros, em tempo equivalente, nesse exemplo concreto, ele é cinco vezes mais produtivo do que o nosso operário. A graça do exemplo é que. além de ser real. oferece uma situação rara. em que podemos comparar a feitura de duas cabanas iguais, em um processo produtivo que depende pouco do restante da cadeia de produção.

Quanto valerá cada cabana? Depende. Se as duas forem vendidas pelo mesmo preço, cada operário brasileiro ganhará um quinto do que o americano vai ganhar. Se os brasileiros ganharem o mesmo que o americano, a cabana custará cinco vezes mais.

No primeiro caso, os operários brasileiros permanecem muito mais pobres. No segundo, o país deixa de ser competitivo pelos altos custos. No mundo real, ficamos pelo meio do caminho. O exemplo não mede a produtividade brasileira, pois é um caso isolado. Mas pesquisas rigorosamente conduzidas mostram o mesmo, uma gigantesca diferença de produtividade entre os dois países.

É preciso entender que medidas agregadas da produtividade brasileira escondem mais do que revelam. A empresa Gerdau tem aciarias no Brasil e nos Estados Unidos. Segundo seus engenheiros, em processos comparáveis, os operários aqui e lá têm exatamente a mesma produtividade. Ou seja, a improdutividade dos brasileiros não tem o endereço das nossas boas empresas.

Ao lidarmos com os nossos operários, ficamos irritados com o pouco que rendem. Mas como poderiam saber mais se não houve quem os ensinasse? Em contraste, os que voltam dos Estados Unidos se revelam mais produtivos. Nas escolas de lá ou no trabalho. aprenderam certo.

Nossa produtividade é baixa em virtude de inúmeros fatores, amplamente decantados: portos e estradas inadequados, a hidra burocrática fungando no cangote dos empresários, impostos complicados e sufocantes, juros altos...

Havendo vontade de liquidar as assombrações burocráticas, bastam canetaços bem aplicados. E. com bons contratos, empreiteiras resolvem os gargalos de infraestrutura. Esse é até o lado fácil. O árduo é elevar a produtividade dos muitos milhões de operários esparramados pelo território e vivendo em mundos distantes das boas práticas de trabalho. Senai e Senac ensinam certo e mostram o caminho. Mas capacitar toda essa gente está além dos seus orçamentos. E prosperidade sem produtividade é miragem impossível.
.

Dilma, não desperdice nossos recursos nesse sistema educacional



Dilma, não desperdice nossos recursos nesse sistema educacional
Gustavo Ioschpe
Veja

 Excelentíssima presidente da República, deputados e senadores:

Está em suas mãos a decisão de aprovar ou vetar dois projetos de lei que aumentam o gasto em educação, um deles destinando 75% dos royalties do pré-sal para a área e o outro, o Plano Nacional de Educação, estipulando que dobremos o volume de gastos nos próximos dez anos. dos atuais 5% do PIB para 10% do PIB.

Nos últimos dez anos eu venho escrevendo sobre educação brasileira, e nela militando, com apenas um propósito: melhorar radicalmente a qualidade do ensino no país para que possamos dar um salto de desenvolvimento. Faço-o por espírito público, mas também por egoísmo: quero que meus filhos vivam em um país melhor que este que temos agora. Não ganho dinheiro com esse tema, não defendo interesse de nenhum grupo público ou privado, nacional ou estrangeiro. Ajo como se munido de uma procuração para falar em nome dos milhões de alunos das péssimas escolas públicas brasileiras, que não têm voz nem vez no debate político nacional.

Por isso, espero que a senhora e os senhores acreditem em mim quando digo: eu defenderia qualquer medida para a qual houvesse evidências de que impacta positivamente o nível de aprendizado dos nossos alunos. Se essa medida fosse algo tão fácil e simples quanto aprovar uma lei, então eu ficaria mais feliz ainda. E, se essa medida tivesse como consequência secundária melhorar a renda dos 5 milhões de brasileiros que trabalham no sistema educacional, isso me deixaria triplamente contente. E, mesmo que não busque popularidade nem pretenda fazer-lhes companhia em atividades eleitorais, tampouco sou masoquista, de forma que ficaria mais alegre ainda em defender algo que vem sendo pedido pelos manifestantes de rua e por uma série de almas caridosas que clamam para que a senhora e os senhores aprovem as ditas leis. Por tudo isso. adoraria me juntar a esse coro dos que bradam por mais recurso. Mas não posso. Porque não consigo faltar com a verdade, nem ignorar décadas de evidências, nem consentir que duas dádivas que recebemos — a capacidade de trabalho do povo brasileiro, que gera os impostos de que os senhores estão prestes a se apropriar: e as riquezas minerais enterradas em nossa costa — sejam tão clamorosamente desperdiçadas em um sistema que é um Midas ao contrário: transforma o ouro que recebe em desperdício e ignorância.

A senhora e os senhores devem ter ouvido que o Brasil investe pouco em educação. Que os países que deram grandes saltos educacionais aumentaram seus gastos no setor para viabilizar seus avanços. Que se gastarmos mais conseguiremos resolver nossos problemas. Que se pagarmos mais aos nossos professores haveremos de recuperar sua combalida autoestima e finalmente trazer "os melhores" alunos para o magistério, para que elevemos a qualidade dos mestres de amanhã. Bem, desculpem-me pela franqueza e pela linguagem direta, mas a urgência e a gravidade do assunto tornam-nas necessárias: isso é tudo mentira. Deslavada.

O Brasil não gasta pouco em educação. Como mostram os dados do levantamento mais respeitado do mundo na área, o Education at a Glance de 2013, investimos em nossa educação básica 4,3% do PIB, contra 3,9% do PIB dos países desenvolvidos. Se olharmos para os gastos educacionais como um todo, ainda gastamos um pouco menos, mas isso é basicamente porque nosso sistema universitário público é minúsculo e gasta bem menos, no total, do que esses países, em que a maioria da população da faixa etária correspondente cursa o ensino superior. Nosso investimento por aluno, quando comparado ao nível de renda brasileiro, é basicamente o mesmo dos países desenvolvidos. (A senhora e os senhores, cercados por gente que quer ter mais dinheiro para administrar, provavelmente viram esses dados em seus valores absolutos nominais, em dólares. Como se fizesse sentido comparar gastos nominais em países que têm renda três ou quatro vezes maior do que a nossa, e como se em alguma atividade os valores nominais de países desenvolvidos e em desenvolvimento fossem semelhantes...).

Talvez a senhora e os senhores já saibam que gastamos o mesmo que os países com os melhores sistemas educacionais do mundo, mas acreditem que esses são patamares de nações que "já chegaram lá". Já devem ter ouvido alguém falar que, quando esses países deram seu salto educacional, gastaram perto dos 10% do PIB que tencionamos agora gastar. Novamente: é mentira. Creio que o gráfico ao lado se encarrega de desmontar essa empulhação sem maiores delongas (os dados originais e outras bibliografias estão em twitter.com/gioschpe). São dados da Unesco para países que são referência no mundo em melhoria educacional, além dos nossos vizinhos. Cobrem o período de 1970 (quando esses dados começam a ser coletados) a 2012. Tanto faz se olharmos para o período todo ou só para o momento (1970-89) em que a maioria desses países começou a dar seu salto, a conclusão é a mesma: não houve elevação de investimento antes, durante ou depois das melhorias, e os patamares de investimento chegam no máximo à casa dos 5% do PIB. Tanto faz se o PIB é de país rico, como Espanha e Inglaterra, ou de países em desenvolvimento, como China e Chile.

Finalmente, sobre os professores. Como já escrevi em vários artigos aqui, há diversas pesquisas em que os próprios professores são entrevistados, e a maioria diz que escolheu a profissão porque a ama, gosta dela e não pretende abandoná-la. Não creio que essa categoria tenha uma autoestima menor do que a média, portanto. Muito se fala dos poucos casos de países que conseguem atrair os estudantes mais talentosos para a docência, mas esse é o típico caso da exceção que confirma a regra. Mesmo nos países mais bem-sucedidos, em geral o jovem que opta pela carreira de professor não é o mais qualificado de seu grupo etário. Os mais competentes acabam optando por profissões da iniciativa privada, em que seu talento será valorizado. Professor é carreira pública, com as limitações, engessamentos e estabilidade comuns às demais funções públicas. O que a maioria dos países top consegue fazer é pegar esse jovem mediano e, através de formação excelente e acompanhamento continuado ao longo da carreira, transformá-lo em um profissional competente. É o que deveríamos buscar fazer também.

Entendo que a senhora e os senhores querem fazer algo pela educação brasileira. Porém, como diz o vulgo, de boas intenções o inferno está cheio. Estão agindo sob a premissa errada: de que nossos problemas se resolvem com dinheiro. Isso é falso. Não é nem uma questão da quantidade de dinheiro, nem da forma como esse dinheiro é gerido. Precisamos de muitas coisas para nossa educação, e as mais importantes não têm nada a ver com dinheiro. Onde focar? Na melhoria das universidades de pedagogia/licenciatura, que são totalmente teóricas e ideológicas e não preparam ninguém para a docência. Na seleção criteriosa de diretores de escola. No estabelecimento de um currículo nacional. Na criação de expectativas altas para todos os nossos alunos, especialmente os mais pobres. Coibindo o absenteísmo docente. Fazendo com que a jornada de aulas seja aproveitada, sem tempo desperdiçado com atrasos, anúncios, chamadas, conselhos de classe. Impedindo professores de achar que encher a lousa de matéria e mandar que os alunos copiem é uma aula. Alfabetizando aos 6 anos de idade. Desinchando o currículo, especialmente no ensino médio, e dando opção de cursos técnicos e profissionalizantes nessa etapa. Prescrevendo e corrigindo mais dever de casa. Utilizando avaliações constantes e intervenções rápidas quando se identifica um aluno com problema.

Poucos itens acima podem ser resolvidos na esfera federal. A maior parte é de responsabilidade de prefeitos, governadores e seus secretários de Educação. Hoje, a maioria deles faz um trabalho muito ruim. Jogar mais um caminhão de dinheiro nas mãos dessas pessoas, com esse sistema, será a garantia de um desperdício colossal. Se ao fazerem um péssimo trabalho eles são recompensados com o dobro de recursos, que incentivo terão para melhorar?! Espero que os senhores parlamentares não se rendam ao populismo. Caso sucumbam, presidente Dilma, use o seu poder de veto. Talvez não ajude na sua próxima eleição, mas certamente beneficiará os colegas do seu neto.
.

domingo, 21 de julho de 2013

Quem quer dar aulas?

 EDITORIAL 
GAZETA DO POVO - PR 

É urgente que se apliquem políticas de valorização dos educadores, sob risco de um apagão no sistema de ensino

Os universitários brasileiros não querem trabalhar na sala de aula. Pesquisa após pesquisa – como a realizada anos atrás pela Fundação Carlos Chagas –, o veredicto se confirma, acenando uma das mais graves crises do país. Parem o bonde. Sem professores das disciplinas do ciclo fundamental e médio, não veremos país nenhum. Estima-se que a carência possa chegar a 300 mil educadores, o que deixa o sistema de ensino nas raias de um apagão.

As regiões mais afetadas pela ausência de mestres encontram dificuldades homéricas, como se dizia, para vencer a pobreza e ficam mais expostas às raízes da violência. De resto, o atraso e a treva, na qual estamos nos movendo faz algum tempo. Só sobra uma saída – políticas públicas que atraiam alunos para as licenciaturas, programas de permanência, estágios remunerados por tempo determinado em sala de aula, de preferência no interior do país.

Não se fala aqui em obrigatoriedade ou em qualquer sorte de residência compulsória, como tenta fazer o governo federal em relação aos alunos de Medicina. Fala-se numa tática de valorização do professor, uma bandeira já hasteada aqui e ali, mas cujo discurso, de tão repetido, está pálido como um soneto. Os Programas Institucionais de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibids) ajudam, mas se está falando de uma situação de emergência. É preciso mais.

Há exemplos nos quais nos mirar. Países nórdicos, por exemplo, conhecidos pela relevância dada à função de ensinar. Ou mesmo a alquebrada Cuba. A valorização – com todo o respeito aos que proclamam que o problema dos professores passa, acima de tudo, pelo bolso – supera todas as outras causas. São muitas as categorias mal remuneradas, mas nem todas mal amadas. O desapreço por quem ensina é vexame em par.

A pressão salarial, a ação sindical, a negociação estão aí para resolver impasses de categoria. Vencer uma cultura de menosprezo, contudo, exige mais estratégia dos governos. Passa pelo salário, mas passa também pelas regras de atração. É preciso levar os melhores alunos – e não importa se cursem licenciaturas ou não – para as salas de aula. Igualmente, deve-se levar os melhores professores para as escolas mais problemáticas e de Ideb mais baixo, valorizando o conhecimento adquirido desses profissionais na resolução dos nossos índices educacionais subsaarianos.

É tarefa de casa ver e rever o documentário Pro dia nascer feliz, do cineasta João Jardim. Resumo da ópera. Nas sequências se pode ver uma legião de professores cansados de guerra, com dificuldades de serem ouvidos. Os professores derrubados pela síndrome de Burnout. Os professores que faltam às aulas, deixando às moscas o processo de ensino-aprendizagem. Mas sobretudo os professores que não sabem o que fazer porque se sentem vozes que clamam no deserto. Não há pior expediente profissional que o de não ser ouvido e o de não se sentir parte de nada. Quem está numa escola, por incrível que pareça, sabe do que se trata.

Urge, de fato, uma reforma educacional brasileira. Motivos para tanto não faltam – da ausência de professores ao fato, denunciado pela Fundação Ioschpe, de que há mais pessoas trabalhando na burocracia escolar do setor público do que propriamente ensinando. Dos 5 milhões de educadores contratados, 3 milhões não lecionam. Toda essa multidão de profissionais de gabinete não consegue o que lhes caberia de fato: subsidiar o professor a lidar com a violência, com a indisciplina, com os novos conteúdos e demandas da juventude. O resultado dessa falta de respostas é a frustração profunda, que só pode resultar em desejo de pular do barco.

Como se vê nos dados do Instituto Lobo, a partir do Censo Escolar, muitos o fazem antes mesmo de se graduar. A evasão nas licenciaturas, na média brasileira, chega a 48%. Em áreas como Física, podem alcançar 60%. Deve-se aventar também que carreiras como Física, Química ou Letras se tornaram menos concorridas, o que afeta a seleção. Mas não são fáceis. Muitos alegam desistir por causa do mercado, mas são favas contadas que muitos o fazem por não conseguir acompanhar o curso.

Vale mais um alerta. Parte do problema da evasão de alunos das licenciaturas começa dentro das próprias universidades. É assunto espinhoso. Os cursos que formam professores não raro funcionam como redomas, pouco afáveis a pesquisas que contemplem, de forma mais pragmática, os problemas reais da escola. Não são questões menores, como se pode alegar. O preço é que muitos licenciados acabam chegando ao chão de fábrica despreparados ou desmotivados para lidar com situações que vão além da teoria.
.

O fantasma da órfã



JOÃO UBALDO RIBEIRO
O GLOBO 

A propalada truculência da presidente está virando folclore e em lugar de força, mais parece denunciar exasperação impotente


Atribuem ao presidente Kennedy a observação de que a vitória tem muitos pais, mas a derrota é órfã. Melancólica verdade, sobretudo na política, que sempre a confirma sem perdão, bastando ver como as mãos políticas que hoje afagam são as mesmas que ontem apedrejavam e vice-versa. Em nosso caso, temos ainda uma tradição de adesismo por que zelar, bem como a prevalência do Sonho Brasileiro, que é descolar uma mamata vitalícia em algum lugar do governo ou do estado, porque aqui governo e estado são a mesma coisa. Entra um governo novo e declara “o estado é nosso e só faz o que nós queremos”. Isso torna impossível a realização do sonho sem que o sonhador abandone o inditoso derrotado e passe para o lado do futuroso vencedor. Suponho que devemos encarar essas coisas com compreensão e até caridade, pois o pessoal está apenas querendo sobreviver e subir na vida, é natural.

Vários outros princípios e paradigmas de conduta estão também envolvidos na questão, entre os quais sobressai o “farinha pouca, meu pirão primeiro”, farol ético que parece nortear nossa formação coletiva, tal o vigor com que se evidencia no comportamento de nossos governantes. Às vezes penso que a frase devia constar de algum emblema nacional, é muito injusto que não receba o reconhecimento merecido. No momento, a farinha ainda não está propriamente pouca, mas há sempre os previdentes, que não querem deixar seu pirão aos cuidados do acaso. Melhor tratar de farejar os ares e descortinar por onde anda a temível assombração da derrota, para ir-se afastando dela quanto antes. Não sei se já começou a debandada, mas acho que pelo menos há alguns sinais dela, difusos nos noticiários e comentários políticos.

O moral do governo não parece andar muito alto. O saco de gatos dos ministérios é um espetáculo triste, desanimado, desarvorado e sem aparentar saber muito para onde ir, ou o que fazer. Ninguém — arrisco-me a dizer que nem mesmo a presidente — é capaz de lembrar todos os ministérios e muito menos todos os ministros. Sabe-se que muitos destes se esgueiram obscuramente pelos corredores e salas dos fundos do poder, sem sequer terem a chance de dar um bom-dia à presidente, quanto mais de despachar alguma coisa. Fica aquela pasmaceira, interrompida por momentos de falatório vago e repetitivo, que não prenunciam nada de importante. E há, seguramente, ministros que, se perguntados de surpresa, não saberão bem o que fazem suas pastas, acrescido o pormenor de que vários ministérios, ou grande parte deles, não fazem nada mesmo, a não ser dar despesa.

A reação às manifestações de rua mostrou um esforço atarantado para manter a aparência de calma, equilíbrio e controle da situação, quando era visível que não havia nada disso e estava todo mundo de olho arregalado e sem saber o que dizer ou, pior ainda, fazer. Comentou-se em toda parte que, como já teria acontecido antes com frequência, a presidente peregrinou ao ex-presidente, para saber dele como agir, porque ela mesma não fazia ideia, o que vem sublinhando a imagem de despreparo e insegurança mal articulada que ela cada vez mais projeta. Ouvidos também os vizires do momento, saiu do Planalto uma voz chocha e pouco inspiradora, naquele tom de professora repetindo uma aula decorada a contragosto e sem nenhum entusiasmo ou até confiança, propondo absurdos, tentando espertezas quase amadorísticas e, em última análise, mostrando a incompetência do esquema que a rodeia.

A tal governabilidade, que tanto mal tem produzido, tão pouco bem tem causado e nunca funcionou direito, servindo basicamente para o intricado jogo das nomeações, colocações, favores e outros objetivos dos nossos homens públicos, está cada vez mais caindo pelas tabelas. Todo dia um cai fora, outro proclama dissidência e independência, formam-se alas e subalas, o rebuliço surdinado é grande. A turma da base aliada, que sempre deu trabalho e aporrinhação e nunca agiu pelos belos olhos da nação, começa a enxergar um governo fraco e a querer distância dele, ainda mais com as ruas pressionando. A corte continua lá, o ex-presidente continua lá, mas é de se acreditar que, de agora em diante, a solidão da presidente vai agravar-se.

A inflação está voltando e as negativas e bravatas das autoridades não convencem, diante da realidade dos preços. As declarações otimistas do ministro da Fazenda são recebidas quase com deboche. O crescimento é minguado, e a economia cambaleia cada vez mais e o governo caracteriza seu comportamento por ações meramente conjunturais e pontuais, respondendo de forma superficial e casuística aos problemas que aparecem. Os índices de popularidade da presidente desabaram e mesmo um antes improvável segundo turno nas eleições já está sendo previsto. Até uma surpreendente vaia de prefeitos ela tomou em Brasília. Tudo isso com certeza provoca inquietude na alma e comichões nos pés de quem quer ficar longe da órfã derrota.

Para completar o quadro, o governo não dispõe de um Big Bang para apresentar, no encerramento destes seus quatro anos. Nenhuma grande obra, nenhum grande passo, nenhum grande marco. Inflação subindo, PIB baixando, educação alarmante, saúde escangalhada, infraestrutura desmantelada, transporte urbano infernal, segurança pública impotente, estrutura fiscal pervertida, ferrovia Norte-Sul em descalabro, transposição do São Francisco roubada e sucateada — nada a apresentar, nada a trombetear, nada a comemorar. A propalada truculência da presidente está virando folclore e em lugar de força, mais parece denunciar exasperação impotente. Cara de derrota para o governo e ninguém vai querer ser o pai dela. Mas receio que não terão dificuldade em apontar a mãe.
.

O que você quer de seu emprego?

Prof Luiz Marins    

 A revista Fortune, dos Estados Unidos, fez uma ampla pesquisa junto a empregados de empresas americanas para saber o que eles querem de seu emprego.  O resultado, por ordem de importância, foi o seguinte que quero comentar com os leitores:
1. Um trabalho desafiante que dê sentimento de “missão e propósito”;
2. Uma liderança forte e inspiradora – as pessoas querem e aceitam uma “hierarquia” forte e confiável;
3. Sentir-se constantemente treinado e crescendo profissionalmente;
4. Bons colegas e chefes leais;
5. Uma empresa com forte imagem no mercado;
6. Um bom salário.  

 Em primeiro lugar aparece exatamente os que as nossas pesquisas no Brasil também apontam – “um trabalho desafiante”.  No mundo de hoje, o empregado precisa sentir-se num trabalho que seja mais do que um simples “emprego”. Esse “sentimento de missão e propósito”  é fundamental. As pessoas pesquisadas nem sempre sabem exatamente como isso pode ser traduzido na prática do cotidiano, mas a verdade é que quando o trabalho é rotineiro, pouco desafiante, monótono, sem autonomia e iniciativa, o empregado sente-se sem motivos – isto é – desmotivado a dar mais de si e entra num ciclo de baixa produtividade.
 Quanto ao item 2 – é igualmente verdadeiro também para o brasileiro. Pode parecer incrível mas o empregado “precisa” de uma chefia que o desafie, que seja “forte” e que inspire o funcionário à criatividade, à iniciativa. Chefe “bananas”, moles, pouco exigentes, criam pessoas com baixa auto-estima e igualmente desmotivadas.
 O item 3 fala da “empregabilidade”. As pessoas precisam sentir-se “empregáveis” e para isso têm que sentir-se em constante desenvolvimento e sendo treinadas constantemente em novos processos e novas tecnologias. O mundo vem mudando com uma rapidez incrível e as pessoas precisam sentir-se “atualizadas” e isso lhes dará a necessária segurança para dar mais de si à empresa, sem medo do futuro.
 O item 4 é muito claro. Como passamos a maior parte de nossas vidas no trabalho, bons colegas e chefes leais são fundamentais. Chefes “leais” significa aqueles chefes que exigem, falam a verdade, exigem o desempenho, avaliam constantemente e principalmente dão “feedback” a seus subordinados. Chefes que dizem “eu ganhei, nós empatamos, vocês perderam” , chefes que “roubam” idéias de seus subordinados são os mais odiados.
 O item cinco é muito interessante. Na verdade, o empregado sente-se sempre como um “representante” permanente de sua empresa. Quando uma coisa qualquer acontece com sua empresa ele é cobrado na sua comunidade, no seu meio de relacionamento, na sua vida particular. Quando algum escândalo de uma empresa sai nos jornais, todos os funcionários são “cobrados” e sentem-se na obrigação de dar alguma explicação seja para quem for. Assim, trabalhar numa empresa com bom nome no mercado é fundamental para a auto-estima.
O interessante da pesquisa é que salário aparece apenas em sexto lugar. O salário só aparece em primeiro lugar quando as demais condições não são satisfeitas. Trabalhar “pelo salário” é o que as pessoas menos desejam. Quando isso ocorre, não tardará a total desmotivação e a busca de novo emprego que pague alguma coisa a mais e que dê ao empregado os outros cinco atributos desejados. Daí temos funcionários em empresas que deixam a empresa apenas por poucos reais a mais em salário. Isso ocorre porque o único valor na empresa em que trabalham atualmente só lhes vale o salário. 
 Pense nesta pesquisa, que por certo não será diferente para o empregado brasileiro em todos os itens. Veja se a sua empresa está oferecendo a seu pessoal estes “motivos” para que dêem mais de si e sejam, portanto,  “motivados” a trabalhar ainda  melhor para vencer os desafios de competitividade que estamos vivendo.
.

A educação pela arte


Thomaz Wood Jr. 

Aprender é mais do que absorver conhecimentos, é ser capaz de pensar criticamente sobre o mundo ao redor


Liberal Arts é um filme norte-americano de produção independente, escrito, dirigido e estrelado por Josh Radnor. Conta a história de Jesse, um amante de livros desencantado com sua vida pessoal e entediado com seu trabalho. No início do filme, Jesse é convidado a visitar a faculdade onde estudou, uma escola de artes e humanidades, para homenagear um antigo mestre que está se aposentando. A visita desdobra-se em uma relação epistolar com uma estudante de teatro, uma aventura com uma antiga e desiludida professora e o contato com um brilhante e depressivo estudante de literatura. A experiência tem efeito redentor sobre Jesse. Além das tramas afetivas, o filme é uma ode ao ensino de artes e ao papel da poesia, da literatura e do teatro na construção da experiência humana.

Em texto publicado no fim de maio no The New York Times, Gary Gutting, professor de filosofia da Universidade de Notre-Dame, faz eco a Liberal Arts, ao refletir sobre a experiência do aprendizado nas universidades. Gutting parte de uma perspectiva crítica: segundo ele, a educação superior parece fundar-se na tarefa de fazer com que os pupilos absorvam um corpo complexo de conhecimentos rapidamente, somente para realizar exames e, em seguida, esquecê-los quase por completo.

O filósofo argumenta que tanto para conhecimentos básicos e corriqueiros, como ler, escrever e fazer contas, quanto para conhecimentos mais sofisticados, aqueles necessários para projetar aviões ou realizar cirurgias, o que garante o verdadeiro aprendizado é a curiosidade e a prática. Conseguimos lidar com nossas contas e exercer uma profissão especializada porque constantemente aplicamos o conhecimento necessário para realizar tais operações e atividades. O que aprendemos e não utilizamos é quase sempre esquecido.

Gutting argumenta que os cursos superiores deveriam deixar de centrar-se  na transmissão de conhecimento por si e engajar os estudantes em “exercícios intelectuais”. O autor cita o exemplo de seu próprio curso, no qual explora com os estudantes obras de Platão, Calvino e Nabokov. O objetivo é simplesmente colocar os pupilos em contato com grandes textos. O que se ganha não é verniz cultural, mas o prazer de explorar caminhos intelectuais e estéticos, de ampliar a visão do mundo e da natureza humana.

Para o filósofo, a educação universitária pode ser o espaço do explorador. O ensino, para ele, não deveria ser avaliado pela quantidade de informações transmitidas e assimiladas, mas pela possibilidade de estimular uma atitude de abertura a novos conhecimentos e pela capacidade de assimilar novas ideias provocadas nos estudantes. O conhecimento que vem do uso e da prática é o produto final de uma semente plantada na escola.

Naturalmente, as sociedades necessitam de profissionais tecnicamente qualificados, capazes de preencher as vagas nas empresas e desempenhar suas tarefas. Profissões como a medicina, a administração, a engenharia e a advocacia exigem o domínio de grandes corpos de conhecimento. Entretanto, o simples domínio desse saber não torna o detentor capaz de exercer uma profissão. Empresas e outras organizações exigem cada vez mais de seus funcionários a capacidade de entender o mundo ao redor, de pensar criativamente, de criar e de agir com autonomia.

É a nossa base cultural, a permear a literatura, a música, o cinema e o teatro, que contém os elementos para desenvolver essas capacidades. São nossas viagens intelectuais pelo mundo das artes a nos permitir escapar das convenções, olhar além dos lugares-comuns, fazer conexões, pensar fora do convencional e buscar novas ideias. Quem não tem a oportunidade de mergulhar no amálgama cultural tem menores chances de desenvolver tais capacidades.

O brasileiro Paulo Freire chamava de “educação bancária” a pedagogia para a qual os estudantes são meros depositários de conhecimentos a serem absorvidos sem análise crítica ou discussão. A educação bancária separa claramente educador e educando: o primeiro pensa e fala, o segundo é pensado e escuta; o primeiro escolhe o conteúdo e o prescreve, o segundo sujeita-se ao conteúdo e o assimila; o primeiro é o sujeito, o segundo é objeto. Já é tempo de superá-la.
.

O equilibrista bêbado


     
Executivos precisam atuar em diversas frentes e balancear diferentes demandas: alguns desempenham seu papel como embriagados

Girar pratos constitui um tradicional ato circense, no qual um malabarista mantém um grande número de pratos girando sobre varetas. Frequentemente, o ato é combinado com acrobacias e sequências humorísticas. Consta que o recorde mundial pertence a David Spathaky (nome artístico: The Great Davido), que girou 108 pratos simultaneamente. O notável fato foi registrado pela tevê em Bangcoc, em 1996.

Girar pratos é também uma conhecida metáfora para o trabalho gerencial. Muitos executivos, quando perguntados sobre sua rotina, respondem com a frase “continuo tentando manter os pratos no ar”. A expressão, aplicada ao mundo corporativo, tem vários significados. Primeiro, traduz o lado performático da atividade executiva: gerenciar é manter a plateia atenta e alegre. Segundo, chama atenção para a necessidade de dar conta de diferentes frentes de trabalho: o preço do sucesso é a eterna vigilância. Terceiro, lembra que há sempre o risco de ocorrer um desastre: a qualquer momento, um prato pode escapar da vareta e espatifar-se no chão.

Colin Price, diretor da consultoria McKinsey & Company em Londres, fez eco ao senso comum: publicou, há alguns meses, um artigo na revista da empresa (McKinsey Quarterly), sugerindo que liderança tornou-se, de fato, a arte de girar pratos. O consultor refere-se aos paradoxos característicos da vida nas organizações e à necessidade de os executivos buscarem posições de equilíbrio, nem sempre triviais.

Sua principal premissa é que a forma racional para buscar melhores resultados nas organizações, com foco em questões financeiras e operacionais, com metas, pode não ser a maneira mais efetiva. Não deixa de parecer irônico, dado sua empresa ter construído um impressionante portfólio de clientes com a venda justamente desse tipo de abordagem. Price parece ter descoberto que, embora gostemos de ver as empresas como manifestações da racionalidade, a realidade frequentemente nos mostra que ações e decisões corporativas são comumente marcadas pela imprevisibilidade e pela excentricidade do comportamento humano.

A sugestão de Price é abraçar a condição paradoxal da vida corporativa e buscar situações de equilíbrio. Assim como os malabaristas tentam manter seus pratos no ar, os executivos devem tentar direcionar esforços para incentivar os comportamentos capazes de alinhar as organizações com as suas maiores prioridades.

O consultor identifica grandes paradoxos da vida corporativa. Dois deles merecem destaque. O primeiro envolve mudanças e estabilidade. Toda empresa que deseja sobreviver precisa manter-se no passo de mudança de seu ambiente. Frequentemente, isso implica realizar alterações na estratégia, reformar estruturas, renovar quadros e acelerar o desenvolvimento e o lançamento de produtos. No entanto, o excesso de mudanças causa estresse e gera resistência. De fato, muitas empresas têm sofrido com instabilidades desnecessárias e autoimpingidas. Sofrem os clientes, os funcionários e os acionistas. Mais sensato é procurar o equilíbrio entre mudança e estabilidade, com respeito aos limites das pessoas e dos processos.

O segundo paradoxo envolve controle e autonomia. Toda organização necessita de normas e processos. Algumas empresas, entretanto, por incapacidade gerencial, operam em um vácuo de regras. Tornam-se erráticas e caóticas, tomando decisões ao sabor do momento. Por outro lado, o excesso de controle condena os funcionários à condição de meros executores, inibem a criatividade e a capacidade de iniciativa. Como as bandas de jazz, as empresas precisam de regras básicas para operar, de forma que cada profissional possa, no momento correto, improvisar e criar.

A mensagem de Price tem méritos. De fato, para enfrentar os desafios do dia a dia, os executivos devem aceitar a natureza paradoxal da vida nas empresas e reconhecer que sua atividade é permeada por contradições. Infelizmente, muitos parecem agir como equilibristas bêbados. Sobra-lhes desinibição e falta-lhes consciência. Se trabalhassem “sóbrios”, talvez fossem capazes de reconhecer a real natureza de sua tarefa e manter todos os prato no ar.
.

GEOMAPS


celulares

ClustMaps