DOMINGOS PELLEGRINI
GAZETA DO POVO - 26/07
Ler a crônica Conversões, de Luis Fernando Verissimo, publicada no domingo passado, faz lembrar o livro de Lenin Esquerdismo, doença infantil do comunismo, pois enseja parodiar: “Compadrismo, doença senil do esquerdismo”. Muitos intelectuais ainda não conseguem entender que a esquerda é uma caca (para não usar a rima óbvia) e direita é uma “josta”. São duas margens do mesmo abismo ou, conforme Golbery, duas pontas da ferradura.
Num duelo, se a direita sacar acusações de genocídio contra a esquerda, debitando-lhe os milhões de mortos por repressão ou miséria nos regimes comunistas, a esquerda pode sacar outros milhões massacrados pela selvageria do capitalismo sem regras sociais. Como também ambas podem sacar acusações de autoritarismo, perseguições, censura, machismo, racismo, concentração de poderes e distribuição de miséria, ineficiência dos governos e privilégios das respectivas elites dirigentes.
Isso vigorou até a queda do Muro de Berlim, marco simbólico para o mundo de hoje, onde as ideologias atarantadas veem uma China com economia capitalista e repressão comunista, em nome dos trabalhadores, mas sem direitos trabalhistas, com isso condenando empresas à falência e trabalhadores ao desemprego em todo o mundo, enquanto em países capitalistas a socialização é tanta que qualquer empresa investe mais em seu pessoal que o regime cubano investe – aliás, até porque falido não tem o que investir.
Muitos intelectuais, ainda no fundo crentes de que “a esquerda é sempre melhor”, ficam, então, dando tratos à bola, em contorcionismos verbais e equilibrismos conceituais, tentando se situar com dignidade no arame gelatinoso das ideologias. Na verdade, continuam esquerdosos apenas por preguiça ou conveniência, ou, enfim, por compadrismo.
Tantos churrascos com os companheiros, tantos charutos, tantas biritas, tantos abraços... E renegar tudo isso apenas porque alguns foram condenados pelo Supremo? Negar o abraço a Lula apenas porque tornou-se cínico milionário da elite que condena da boca para fora? Admitir que Bolsa Família, como qualquer esmola, conforme Zé Dantas, “para um homem que é são / ou lhe mata de vergonha / ou vicia o cidadão”, tornando a miséria não só econômica, mas também moral?
Ah, não! Compadres, uni-vos! Continuareis fiéis ao esquerdismo até a última gota de uísque! Empreender, jamais (até porque outros com talento e competência sempre fazem isso, criando e tocando empresas que com seus impostos custeiam o Estado e seus dependentes, como também toda a população, sangrada através dos impostos embutidos, também custeia os despudores dos poderes públicos)!
Com o Muro de Berlim, caíram o capitalismo selvagem e o socialismo autoritário (Verissimo, leia Após o Liberalismo, de Immanuel Wallerstein). A social-democracia, síntese e via óbvia das duas margens do abismo, é estrada que só dará certo se, em vez de ideologias e suas visões baseadas na “igualdade”, forem respeitados outros valores em “ade”: honestidade, produtividade, qualidade (de obras, serviços e conduta), claridade (também chamada transparência), fraternidade (sem paternalismo e bolsas eleitorais) e, em vez da ilusória igualdade, diversidade, com uma democracia que consagre as maiorias e defenda as minorias. É mais difícil que o simples dilema esquerda/direita, mas é coisa de gente grande, para funcionar e não para apenas posar de salvadores do mundo (na esquerda ou na direita) com as cuecas furadas pela realidade.
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