O texto analisa um dos principais motivos de termos uma indústria depauperada, falta de investimentos em educação para produção de alto valor agregado e, sobretudo, uma forte ideologia impregnando as relações internacionais.
Divisões na América Latina
MARCELO COUTINHO
FOLHA DE SP
Em 2010, em artigo neste espaço, defendi que o predomínio ocidental estava longe do fim. Minha posição contracorrente destoava da maioria dos analistas, entre os quais havia virado moda falar em mundo pós-americano. Fareed Zakaria foi só um desses autores.
Com a mesma facilidade peremptória, diz-se agora exatamente o contrário, que talvez a China esteja exaurindo o seu crescimento e que os Estados Unidos estão de volta, com a revolução tecnológica e energética promovida pelo xisto. Uma mudança radical em menos de três anos.
Fora dos EUA, tantos ressentimentos contra o chamado império criaram "wishful thinkings", tomando desejos por realidade. Simples: se não gostamos da grande potência do norte, então compramos a tese do seu declínio imediato.
O lugar-comum do mundo pós-americano serviu para vender livros, fazer gracejos e criar novas expectativas como a dos Brics. Agora, em refluxo, os mesmos analistas e consumidores de suas análises temem que o Brasil seja prejudicado pelo fim da exuberância chinesa e pela recuperação norte-americana.
Dizem que pode haver uma fuga de capitais em direção aos EUA e uma crise entre os emergentes, com os exageros de praxe. Mas, na realidade, a força de Washington perdurará em um mundo em deslocamento para o Pacífico, onde também fica a costa oeste americana.
A novidade é que a Europa já entendeu as mudanças em curso e, finalmente, pode realizar um acordo comercial com os EUA na tentativa de preservar a força do Atlântico Norte. A questão é quando o Brasil vai perceber esse cenário.
O Itamaraty tem demonstrado uma preocupante dissonância cognitiva, selecionando apenas os pedaços de informação que parecem mostrar que estamos bem, enquanto ignora dados mais relevantes. Esse é um traço da nossa cultura.
A política de prestígio da diplomacia brasileira valoriza excessivamente a conquista de um cargo na Organização Mundial do Comércio e menospreza o processo estrutural que nos torna dependentes da exportação de commodities. Pior, começam a se orgulhar disso.
Nos últimos cinco anos, Brasília dedicou-se a preparar uma política externa parecida com a era do café. Não é concebível como, em tão pouco tempo, jogamos no lixo décadas de uma luta pela diversificação industrial das relações internacionais.
Derrotado na OMC, o México e parceiros da Aliança do Pacífico "roubam" os investimentos que viriam para o Brasil. Os países da franja liberal da costa oeste latino-americana, como Peru, Chile e Colômbia, crescem mais com estabilidade econômica do que os estranhos desenvolvimentistas primário-exportadores do outro lado do continente.
Não obstante os discursos oficiais, a América do Sul é uma região partida. De um lado, temos democracias de mercado dinâmico com alternância de poder. De outro, regimes cada vez mais autoritários, com economias estatizadas e desorganizadas. Para variar, a posição do Brasil não é clara.
No século 19, já havia divisão. Os países mais bem-sucedidos até meados do século 20 foram aqueles que conseguiram conjugar alternância entre liberais e conservadores. Talvez vivamos outra bifurcação novamente que marcará o século 21.
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