O ESTADÃO
Não há nada de original na estratégia utilizada pelo Irã para justificar sua opção de desenvolver energia nuclear como um símbolo da soberania nacional que unifica o país em torno de seus dirigentes. Esses argumentos já foram usados no Brasil na década de 1970, durante o regime militar, e temos, portanto, experiência em entendê-los.
O uso de energia nuclear para fins pacíficos envolve tecnologias bem conhecidas, algumas muito benéficas, como as inúmeras aplicações médicas. A produção de eletricidade em reatores nucleares é, porém, mais controvertida, porque o custo da eletricidade produzida, em geral, é mais elevado que o de outras formas, como hidreletricidade e usinas queimando carvão ou gás natural. Além disso, acidentes com reatores nucleares podem ser extremamente graves, não só do ponto de vista dos riscos para a vida de grandes populações que habitam o entorno dos reatores, como também extraordinariamente dispendiosos. O recente desastre com os reatores nucleares no Japão teve seu custo estimado em US$ 275 bilhões.
Há países que não têm outras opções para produzir eletricidade, como a França e a Rússia, e não se mostram dispostos a abrir mão dessa fonte de energia. Já outros, como a Alemanha, a Suíça e a Bélgica, se convenceram de que podem produzir a energia de que necessitam com outras fontes menos problemáticas. O Irã, a rigor, está nesta categoria: do ponto de vista técnico, esse país não tem nenhuma justificativa plausível para usar reatores nucleares para a produção de eletricidade, uma vez que dispõe de enorme reserva de gás natural (a segunda maior do mundo).
Esse é também o caso do Brasil, que possui recursos hidrelétricos abundantes. Não era essa, contudo, a visão dos militares na década de 70. Se ela tivesse vingado, Itaipu não teria sido construída. Afinal a razão acabou prevalecendo e dos 60 reatores nucleares planejados para o ano 2000 existem hoje apenas 2 funcionando, em Angra dos Reis (RJ).
Adotar a opção de instalar reatores nucleares para a produção de eletricidade pode ser, todavia, apenas uma tática para ocultar intenções de produzir armas atômicas, e há exemplos de países onde isso ocorreu. O Irã parece seguir esse mesmo caminho e as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) reforçam tais desconfianças.
Na realidade, é mais fácil produzir armas do que eletricidade com energia nuclear. O que há em comum entre essas duas possibilidades é o acesso ao urânio enriquecido (ou plutônio). Se o nível de enriquecimento for baixo (de 3% a 5%), ele é usado em reatores nucleares. Se for maior que 80%, pode ser usado para produzir bombas atômicas. No urânio encontrado na natureza há menos de 1% do material que é útil para reatores ou armas nucleares. É preciso, por isso, um processo que aumente essa porcentagem, chamado de "enriquecimento".
A Índia "pirateou", de um reator canadense instalado no seu país, o plutônio para fazer a sua primeira explosão nuclear, em 1974. Apesar disso, não conseguiu ainda construir reatores nucleares de grande porte para a produção de eletricidade. O mesmo ocorreu na Coreia do Norte. Já o Paquistão usou centrífugas "pirateadas" por Abdul Qadeer Kahn, técnico paquistanês que trabalhou na Urenco, na Holanda. O Irã está usando centrífugas do tipo paquistanês e tentando melhorá-las.
Os grandes progressos na área nuclear que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, anuncia de tempos em tempos não são realmente significativos. Fazer varetas de combustível nuclear com urânio enriquecido para usar num reator de pesquisas, que é o seu último "sucesso", foi feito na década de 80 no Instituto de Energia Atômica na Universidade de São Paulo (USP).
Infelizmente, porém, não há barreira técnica intransponível entre enriquecer urânio a 5% (para reatores nucleares) ou 90% (para bombas atômicas). A barreira é uma decisão política.
Países que aderiram ao Tratado de Não Proliferação Nuclear, como o Brasil e o Irã, estão comprometidos a não produzir bombas, mas o único mecanismo existente para garantir que isso não aconteça de fato são as inspeções da AIEA, que o Irã frequentemente impede. O Brasil e a Argentina têm o seu próprio acordo de inspeções mútuas desde 1992 e que até hoje não deu origem a problemas.
Por causa das constantes transgressões, o Irã tem recebido sanções dos países europeus e do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que internamente é usado para consolidar a solidariedade ao governo, que se apresenta como vítima de uma conspiração internacional. Essa é a estratégia tradicional de governos totalitários para se legitimarem - que a Alemanha nazista utilizou em grande escala para justificar a sua política de agressão militar e até mesmo o holocausto.
Um ataque militar de Israel ou dos Estados Unidos para destruir as instalações nucleares iranianas não está excluído - operações desse tipo já foram feitas no passado por Israel contra o Iraque e a Síria. O sucesso de tal operação no Irã é, contudo, problemático.
A alternativa é um acordo político com o Irã para que abandone seus planos nucleares com fins militares, como fez recentemente a Coreia do Norte. O problema é que o atual regime identifica sua sobrevivência com o prosseguimento desses planos. No Irã a energia nuclear é apresentada como uma tecnologia modernizante e um passaporte para o Primeiro Mundo, como, aliás, se tentou fazer na década de 70 no Brasil.
Sucede que há muitas tecnologias modernizantes e o que a História mostra é que modernizar não é produzir armas, mas resolver os problemas fundamentais de infraestrutura, saúde e educação do país.
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