quinta-feira, 22 de março de 2012

Em busca da ética digital

Sem querer ser arauto futurista, entretanto acho que esta onda já se faz necessária em nossa sociedade.



Em busca da ética digital 
Lúcia Guimarães 

O Estado de S.Paulo
Que o leitor me perdoe. Nada mais chato do que jornalista escrevendo de olho no próprio umbigo. Se me permitem a indulgência, vou contar uma novidade que afeta modestamente nosso ofício, mas que considero simbólica de um impulso geral civilizador. É uma tentativa de estabelecer uma etiqueta básica sobre a agregação do conteúdo alheio.
Você acha correto chegar a um jantar, encher um contêiner com pratos do bufê, voltar para casa e cobrar ingresso por um jantar servido com a comida que levou da cozinha dos outros? Bem-vindo ao selvagem capitalismo digital.
A AOL nunca teria pago US$ 309 milhões pelo Huffington Post se a pioneira Arianna não estufasse sua bolsa com quentinhas recolhidas nas redações alheias. O modelo de negócio do Huff Post, durante seus primeiros cinco anos, foi publicar conteúdo escrito de graça por desconhecidos e celebridades e "agregar" reportagens de empresas que pagam salário a jornalistas, como o New York Times, Washington Post, a revista Time e inúmeros outros, publicando um link para o site original, mas, de fato, copiando tanto conteúdo que o internauta acabava estacionado no site da Arianna e atraindo publicidade.
Este tempo já passou, dirão alguns. Ao encontrar seu pote de ouro no fim do arco-íris, Arianna, a deusa grega da cara de pau, começou a tilintar suas ofertas polpudas para jornalistas da velha mídia, que empacotaram seus laptops e sua credibilidade e se debandaram para o Huff Post.
O faroeste está longe de ser coisa do passado. Mas um basta dado por um jornalista que cobre mídia para a Advertising Age, em 2011, inspirou o nascente Council on Ethical Blogging and Aggregation (Conselho de Blogging Ético e Agregação). Simon Dumenco, o jornalista da Advertising Age, me telefona entusiasmado de Austin, Texas, onde divulgou sua iniciativa para os participantes da badalada SXSW. Uma coluna de David Carr no New York Times, sobre os planos do Conselho, já havia despertado adesões e escárnio, como a manchete do Gawker:
Não Precisamos de Nenhum Fedorento Selo de Aprovação da Polícia do Blog.
Como jornalista, acho que revistas como New York, Esquire, The Atlantic, Columbia Journalism Review e o pioneiro site Slate exalam um aroma muito melhor do que o sensacionalista Gawker. E eles já estão a bordo. O selo de aprovação, no caso, não existe, mas é uma comparação com um conhecido selo da revista de consumo Good Housekeeping que, há mais de cem anos, empresta seu prestígio a produtos que considera de qualidade.
O Conselho de Blogging Ético e Agregação deve se tornar uma entidade sem fins lucrativos em abril. Simon Dumenco está reunindo um comitê que inclui os editores chefes das cheirosas publicações acima e outros, uma mistura de jornalistas com a mão na massa e professores de escolas de jornalismo. "Os bloggers vão continuar roubando", diz Dumenco, e deixa claro que não pensa em ir atrás dos escribas de mão leve, como fez com o Huff Post no ano passado, num episódio de "agregação" que levou Peter Goodman, recém-chegado do New York Times, a se desmanchar em desculpas e punir, naturalmente, o elo mais fraco da corrente, a blogger inexperiente.
Nos planos do Conselho está um sistema de atribuição justa de conteúdo alheio e publicação de links para o material original.
"O nosso interesse é, em parte, educativo", diz Dumenco. "Começamos com a adesão de empresas conhecidas, que contribuem com seus manuais de redação, e vamos recomendar regras de comportamento para usar o material apurado por outros. Sei que o leitor, de maneira geral, não se importa se o que leu é original ou foi copiado de outros repórteres."
Se um número expressivo de empresas de mídia aderirem ao manual de etiqueta imaginado por Dumenco, quem sabe, o tolerável de hoje será o vergonhoso de amanhã.
Afinal, como disse o colunista David Carr, a agregação indecente é como a pornografia. Você reconhece quando se depara com ela. Mas não foi Carr quem cunhou a expressão. Foi o juiz da Suprema Corte Potter Stewart, quando examinava um processo, em 1964.
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