terça-feira, 20 de março de 2012

O poder da leitura

Correio Braziliense 

Aluno do Centro de Ensino Fundamental 2, próximo ao centro de Ceilândia, Kennedy Marcos da Silva Cruz, 14 anos, nunca pensou que era "diferente". "Foi na 5ª série que a professora disse que eu tinha um dom para escrever e interpretar textos", conta o garoto, envergonhado pelo aparelho nos dentes, mas orgulhoso do cabelo à la Neymar. Encaminhado para observação e testes, teve o diagnóstico de superdotação, hoje em dia feito não mais apenas com base no QI, mas em múltiplas ferramentas da psicologia e da pedagogia. Há um ano e meio, frequenta uma sala de recursos, disponibilizada pela Secretaria de Educação do DF para alunos da rede pública e também privada a meninos com altas habilidades, em horário diferente da escola regular.

Frequentador assíduo da biblioteca pública de Ceilândia, Kennedy já leu mais do que muito universitário por aí. Menciona a coleção inteira de Harry Potter, mas se empolga mesmo ao falar do primeiro livro "que não era desses fininhos" que devorou — O Reverso da moeda, de 238 páginas. Viagem ao centro da Terra, clássico de Júlio Verne, é outro título marcante para o garoto. "Ah, li Os Simpsons e a Filosofia, que retrata o pensamento de vários filósofos usando a realidade da família Simpson", lembra Kennedy. Questionado sobre o pensador com o qual mais se identifica, a resposta é certeira. "Nietzsche, porque ele é a favor das bagunças que o Bart apronta", diz o aluno da 8ª série.

Rejeição
Em muito, Kennedy se assemelha ao histórico mais comum dos superdotados. Não reconhecia sua habilidade superior, embora ficasse enfadado com o ritmo da aula. Hoje, ainda tem receio de uma certa rejeição por parte dos colegas. "Às vezes a professora faz uma pergunta, eu sei a resposta, mas prefiro não falar. Tem gente que fica zoando", diz o menino. Em outros aspectos, porém, pode se considerar um ponto fora da curva. Aluno de escola pública, morador de uma área carente e filho de gente simples, Kennedy poderia ser mais um da lista gigantesca de 1,2 milhão de crianças e adolescentes superdotados que não conhecem a própria condição.

"É mais comum que haja a identificação na classe média, porque os pais e professores costumam ter mais acesso à informação. O fato é que o fenômeno da superdotação é absolutamente democrático, aparece em todos os estratos sociais. Por que, então, a escola não valoriza os alunos que, a despeito de viverem em comunidades onde o analfabetismo funcional é a regra, aprendem a escrever aos 3 anos?", questiona Maria Cristina. Do ambiente de trabalho da mãe, funcionária dos serviços gerais do Tribunal de Justiça do DF em Ceilândia, onde o padrasto é vigilante, Kennedy tirou inspiração para pensar no futuro. "Quero ser juiz", diz o garoto. A mãe, Maria de Fátima da Silva Cruz, é só orgulho. "Tanto faz juiz ou advogado, quero mesmo é que ele seja feliz", diz a mulher de 35 anos, que tem mais dois filhos.
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