JOÃO LUIZ MAUAD
Alguém já disse: torture os números e eles confessarão qualquer coisa. De fato, as estatísticas são, hoje em dia, as grandes aliadas dos mistificadores, que as utilizam de forma indiscriminada para dar aparência científica às falácias e mentiras em prol de suas causas. Você pode desenvolver rígida argumentação lógica a respeito de um assunto sem convencer muita gente, mas basta acrescentar alguns números, tabelas e gráficos para respaldá-la e as pessoas passam a olhar os seus argumentos com outros olhos.
Um exemplo gritante disso apareceu na "Folha de S.Paulo", de 9 de março. Nesse dia, uma matéria naquele diário informava - sob o título "Participação da indústria no PIB recua aos anos JK" - que "a participação da indústria no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro recuou aos níveis de 1956, quando a indústria respondeu por 13,8% do PIB. De lá para cá, a indústria se diversificou, mas seu peso relativo diminuiu. O auge da contribuição da indústria para a geração de riquezas no país ocorreu em 1985: 27,2% do PIB. Desde então, tem caído."
Malgrado o título bombástico, até aqui a matéria é meramente informativa e apenas noticia um fato que as estatísticas a respeito desvendam. Seu uso oportunista só fica claro a partir do ponto em que se começa a apontar eventuais causas para um suposto problema. Assim, depois da introdução, entra em cena o senhor Paulo Skaf, que vem a ser o presidente da Fiesp. Eis o que diz o valente: "Temos energia cara, spreads bancários dos maiores do mundo, câmbio valorizado, custo tributário enorme e uma importação maciça. A queda da indústria no PIB é a prova do processo de desindustrialização."
Exceto pelo exagero de afirmar que há no Brasil - um dos países mais protecionistas do mundo - volumes de importação maciços, quase tudo o que ele diz, fora a conclusão, é a mais pura verdade. O problema é que temos ali várias verdades sendo ditas com o propósito de retirar delas conclusões absolutamente falsas.
Primeiro, a maioria dos entraves listados por Skaf, além de outros tantos integrantes daquilo que se convencionou chamar de Custo Brasil, não prejudicam somente a indústria, mas todos os setores da economia. Segundo, se a queda da participação relativa do setor manufatureiro no PIB é prova da famigerada desindustrialização, então o que temos hoje é uma desindustrialização mundial.
De acordo com dados compilados pelas Nações Unidas, a queda da participação do setor de manufaturas no PIB é um fenômeno global, a exemplo do que já ocorrera anteriormente com a agricultura. Assim, de 1970 a 2010 esta queda foi de 24,5% para 13,5% no Brasil, de 22% para 13% nos EUA, de 19% para 10,5% no Canadá, de 31,5% para 18,7% na Alemanha e de 27% para 16% no mundo inteiro. A causa dessa queda generalizada não está, evidentemente, numa suposta desindustrialização, mas no aumento da participação de outros setores, antes irrisórios, como serviços em geral, comércio, finanças, saúde, educação, ciência e tecnologia etc. A verdade é que a produção total da indústria no mundo, se não está no seu pico, está muito perto dele. Já a produção industrial brasileira é certamente muito maior hoje, em termos absolutos, do que era em 1985, ano em que, segundo a matéria, o setor manufatureiro alcançou a sua maior participação relativa no PIB.
Desindustrialização e Doença Holandesa são duas expressões caras aos lobbistas da indústria local. Uma rápida pesquisa com essas palavras no Google mostra diversos estudos e trabalhos "científicos" a respeito, repletos de gráficos e tabelas, a maioria deles patrocinada por entidades como Fiesp, CNI e congêneres. Esse é também um importante nicho do pensamento nacionalista e intervencionista, utilizado amiúde para defender interesses, vantagens e privilégios diversos junto ao governo. Os pleitos desse pessoal não costumam variar muito. Seus alvos prioritários são as ditas políticas industriais (geralmente baseadas em subsídios e isenções fiscais) e protecionistas, leia-se: controles cambiais e barreiras alfandegárias/tarifárias.
O argumento aparente é quase sempre a criação e manutenção de empregos domésticos, mas a real intenção é a transferência de renda de consumidores para produtores ineficientes. Para que a estratégia seja 100% eficaz, a manipulação da opinião pública e o consequente respaldo político são essenciais, é claro.
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