quarta-feira, 21 de março de 2012

Doença brasileira

O artigo ressalta algum dos motivos pelos quais nossa capacidade industrial, e os empregos na cadeia produtiva correlata, vem decaindo.
O problema não pertence a atual presidente, começou no antecessor e ameaça tornar-se mais intenso.
Somos uma República Federativa, todavia, com a peculiar anomia dos telespectadores, nos comportamos como se fôramos os Bálcãns, países em eterna cisão.
É um assunto maiúsculo que requer atenção da sociedade.
O autor ressalta tópicos importantes que merecem ser lidos.



Doença brasileira
Rolf Kuntz
O Estado de S. Paulo



Não há doença holandesa por aqui. A indústria do Brasil está sendo corroída por uma doença inequivocamente brasileira. Longe de ser uma praga, como em outros países dotados de recursos naturais, a exportação de produtos básicos tem sido uma bênção para um país assolado por uma combinação de paralisia política, fisiologismo, populismo e incompetência governamental.

Exemplo de entrave político: se tivesse o apoio de uma base decente e confiável, o governo federal conseguiria facilmente, por exemplo, encerrar a guerra dos portos, uma versão degenerada do conflito fiscal entre Estados. Essa guerra é movida por meio de incentivos à importação, um estúpido protecionismo às avessas. Resultado: concorrência predatória e exportação de empregos.

Para renunciar a essa aberração, governadores cobram, com apoio de suas bancadas, compensação do poder central, como se estivessem negociando um direito. Essa é uma boa ilustração dos problemas enfrentados pelo Executivo no lodaçal político de Brasília - ampliado e aprofundado pelo próprio governo federal com sua estratégia de alianças com os piores.

Mas o governo tropeça e escorrega mesmo sem a colaboração de seus aliados e de um Congresso pouco envolvido com as questões de interesse nacional. Peca, em primeiro lugar, pela demora em reconhecer os problemas importantes. Erra, em seguida, quando tenta contornar a agenda necessária para tornar o País mais eficiente. Pressionado pelos fatos, acaba agindo. Age na direção certa, mas de forma incompleta, como quando se dispõe a eliminar os encargos sobre a folha de salários. Age também na direção errada, quando amplia o protecionismo e quando negocia, por exemplo, cotas para a importação de veículos mexicanos. É grotesco impor ao México um acordo semelhante àqueles impostos pelo governo argentino ao Brasil. Isso nunca melhorou a indústria argentina, nem tornará mais eficiente a indústria brasileira. É apenas malandragem barata, uma forma de contemporizar e evitar um trabalho mais sério.

Enquanto o governo, sob pressão, tenta resolver com ações de pequeno varejo problemas do atacado, os sinais de alerta se acumulam, cada vez mais assustadores. Do começo do ano até 18 de março, o valor exportado, US$ 45,6 bilhões, foi apenas 6,4% maior que o de um ano antes, enquanto o gasto com a importação, US$ 44,4 bilhões, foi 9,7% superior ao de igual período de 2011. Embora os consumidores se mostrem mais cautelosos, a demanda interna continua avançando mais velozmente que a oferta de bens industriais.

A diferença, como no ano passado, continua sendo compensada pela importação. Sem isso - é sempre bom lembrar -, a pressão inflacionária seria muito mais forte. O Banco Central teria maior dificuldade para proporcionar a redução de juros desejada pela presidente da República e cobrada com insistência por dirigentes da indústria e seus aliados do neopeleguismo trabalhista.

Mas atribuir os males da produção brasileira principalmente à taxa Selic e ao câmbio é quase uma demonstração de fetichismo. O câmbio é relevante, sem dúvida, mas há informações mais que suficientes sobre o descompasso entre a produtividade brasileira e a de países tanto emergentes quanto desenvolvidos. No ano passado, a economia brasileira cresceu menos que a alemã, a indonésia, a coreana, a mexicana, a turca e, obviamente, a chinesa e a indiana. O Brasil também cresceu menos que todos os países da América do Sul e da América Central, com exceção de El Salvador, segundo estimativa preliminar da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). Vários desses países também foram afetados pela valorização cambial.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) acaba de fornecer novos dados sobre o desempenho comercial do setor em 2011. Segundo o levantamento, as importações supriram 19,8% dos bens industriais comercializados no mercado interno. Esse coeficiente, um recorde, foi 2 pontos porcentuais superior ao de 2010. Também o coeficiente de exportação aumentou 2 pontos e chegou a 19,8%, mas esse avanço resultou principalmente do bom desempenho do setor extrativo. No caso da indústria de transformação, o peso das exportações ficou em apenas 15%, 6,6 pontos abaixo do nível atingido em 2004.

Atribuir o enfraquecimento da indústria ao bom desempenho do agronegócio e da mineração, como se isso explicasse o problema cambial e toda a perda de competitividade das manufaturas, é uma evidente fantasia. Não tem sentido falar de doença holandesa. A mineração e o agronegócio acumularam competitividade durante anos e são relevantes na cadeia produtiva da indústria. A doença econômica é brasileira, mesmo, e seu foco principal é Brasília.
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