Finalmente, começa-se a avançar na solução do problema da judicialização da saúde, que se agravou muito nos últimos anos
O Estado de S.Paulo 29 Julho 2018
Finalmente, começa-se a avançar na solução do problema da judicialização da saúde, que se agravou muito nos últimos anos e acarreta distorções no atendimento à população e sérios prejuízos aos cofres públicos. Embora ainda falte um bom caminho a percorrer nesse sentido, vem crescendo o número de magistrados que recorrem ao sistema de informação técnica, criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para orientar suas decisões sobre medicamentos e tratamentos – que não constam da lista do Sistema Único de Saúde (SUS) ou então são mais caros do que os oferecidos por ele –, cujo fornecimento gratuito é solicitado à Justiça.
Uma ideia precisa das dimensões do problema foi dada em dezembro passado pelo secretário executivo do Ministério da Saúde, Antônio Nardi, durante audiência pública no CNJ. Segundo ele, a União, os Estados e os municípios gastam por ano cerca de R$ 7 bilhões para cumprir aquele tipo de decisões judiciais. Entre 2010 e 2016, o número de ações judiciais sobre pedidos de medicamentos aumentou 1.010%, o que mostra a velocidade com que a questão se agrava. Quando se trata de judicialização da saúde, disse Nardi, é preciso levar em conta tanto os custos dos medicamentos solicitados como os benefícios que eles produzem e o número de beneficiários de cada decisão tomada.
Foi a falta de um equilíbrio adequado entre esses três elementos que levou à situação em que o alto custo das decisões judiciais sobre fornecimento gratuito de medicamentos acaba com frequência beneficiando uma minoria de pacientes em prejuízo da maioria que necessita de outros tratamentos igualmente importantes e urgentes. Como uma das razões disso é a falta de informação adequada dos magistrados a respeito dos medicamentos sobre os quais devem tomar uma decisão, o CNJ decidiu criar em 2016 um serviço específico para suprir essa deficiência.
São os Nat-Jus – fruto de parceria do CNJ com o Ministério da Justiça –, que produzem um cadastro nacional de pareceres, notas e informações técnicas para dar aos magistrados fundamentos científicos para decidir se concedem ou não o medicamento ou tratamento médico a quem aciona a Justiça. Quem articula a rede de Nat-Jus é o Hospital Sírio-Libanês. Seu diretor de Ensino e Pesquisa, Luiz Reis, explica que os estudos produzidos sobre medicamentos e tratamentos são armazenados pelo CNJ num sistema informatizado que pode ser consultado por magistrados de todo o País.
Com base na experiência do juiz federal Gabriel von Gehlen, que atua em vara especializada em casos relacionados à saúde, em Porto Alegre, reportagem do Estado mostra como o Nat-Jus funciona na prática e também as difíceis escolhas que os magistrados têm de fazer. Foi com a ajuda desse serviço que ele descobriu um medicamento muito mais barato e tão eficiente quanto o solicitado. Mesmo assim, “não é fácil decidir, porque o argumento da petição é de vida ou morte: sem o tratamento o paciente morre”.
E toca depois no ponto central do problema da judicialização da saúde: “Ao fazer justiça no caso concreto, acaba-se fazendo uma injustiça global, porque vai faltar dinheiro em outra ponta. O juiz precisa se dar conta dessa carência de recursos”. Em outras palavras: ao atender ao pedido, por mais justo que seja, de um medicamento ou tratamento – em geral caríssimo e em muitos casos inexistente no País –, pode-se ao mesmo tempo salvar um paciente e condenar muitos outros, porque o cobertor da saúde é curto, não dá para todos. A dura, mas inescapável realidade é que os R$ 7 bilhões gastos anualmente com a judicialização da saúde podem causar mais mal do que bem.
Outra medida importante para ajudar na solução do problema foi tomada pela 1.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ): o estabelecimento de regras, já em vigor, com exigências a serem seguidas pelos que impetram ações para a concessão gratuita de medicamentos e tratamentos, que devem reduzir bastante seu número.
São bons sinais.
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