segunda-feira, 23 de julho de 2018

Da arte de jogar parado

Fernando Limongi- Valor Econômico

Ninguém vê ganhos em uma aliança com Bolsonaro

Valdemar da Costa Neto foi o personagem da semana. Depois de longo namoro com Jair Bolsonaro, deixou o capitão no altar e, sem grandes explicações, tomou para noivo Geraldo Alckmin. Na operação, manteve unido o 'centrão' que, nas semanas anteriores, flertara abertamente com Ciro Gomes, um pretendente mais talhado para quem depende de votos no Nordeste e, por isso mesmo, era o casamento preferido pelos líderes do DEM.

A imprensa tratou Valdemar como o 'dono' do PR. O partido lhe pertence, ou melhor, cabe a Valdemar, e a Valdemar apenas, decidir os destinos dos recursos públicos transferidos ao PR, a saber, a fração do horário gratuito (HGPE) e o dinheiro dos Fundos Partidários (FP) e do Desenvolvimento da Democracia (FDD). Por meio das coligações, partidos repassam os recursos a que têm direito para seus aliados. Mas, para fazê-lo, como é natural em negócios, precisam receber algo em troca.

Geraldo Alckmin continua tirando frutos da sua incomparável capacidade de jogar parado. Ao selar acordo com o centrão, o tucano ganhou tempo precioso de exposição no HGPE. No cômputo final, deve ficar com quatro minutos diários, algo como 40% do total a dividir. Tão ou mais importante do que o conquistado é o que negou aos demais. Seus adversários ficarão espremidos nos 60% que sobram e sem alternativas para expandir a fração que lhes cabe. Dentre os partidos médios, apenas o PSB ainda não definiu o destino que dará ao tempo no HGPE a que faz jus.

Para obter esse apoio crucial, Alckmin ofereceu em troca a retirada de candidaturas de seus principais aliados em alguns Estados. Os poucos candidatos a cargos majoritários do centrão (governo e Senado) serão, de seu lado, beneficiados com a desistência dos candidatos do PSDB e do PSD, sacrifícios mais do justificáveis para quem quer chegar à Presidência. Algumas das concessões, na verdade, vieram a calhar, como a desistência de Aécio Neves de concorrer ao Senado.

Jair Bolsonaro, sem dúvida alguma, foi o grande perdedor. Sem aliados de peso, o candidato do PSL fica sem palanque eletrônico. Além disso, o festival de trapalhadas em que se envolveu para achar um substituto para Magno Malta, o vice de seus sonhos, evidenciou a fragilidade de sua campanha. Para não perder o rebolado, o capitão artilheiro se apressou em anunciar seu novo sonho de consumo, o general da reserva Augusto Heleno. Faltou, contudo, combinar com o 'dono' do PRP, Ovasco Resende, que, prontamente e sem qualquer hesitação, descartou o convite.

Bolsonaro não se fez de rogado e seguiu firme na missão. Nada capta melhor os horizontes limitados do candidato e de sua campanha do que a descrição de Leonencio Nossa no Estado de S. Paulo: "Durante almoço em uma churrascaria às margens da BR-060, no caminho entre Goiânia e Rio Verde (...) ele (Jair Bolsonaro) se levantou da mesa, logo após comer uma macarronada, e começou um discurso improvisado para policiais, garçons e aliados que estavam no local (...) Depois de atacar adversários (...) emendou: 'E o que vocês acham do Mourão?' A pergunta pegou a plateia de surpresa. Alguns aplaudiram, a maioria ficou em silêncio".

O Mourão em questão é o general da reserva Hamilton Mourão, filiado ao PRTB, que, tanto quanto o PR e o PRP, tem seu 'dono', o conhecidíssimo Levy Fidelix que, até onde se sabe, não considera ceder o passe do general.

O desembarque do PR da candidatura Bolsonaro pede reflexão. Um acordo PSL-PR tinha tudo para dar certo. Seria juntar a fome com a vontade de comer. Jair Bolsonaro ganharia o tempo adicional de TV que tanto precisa, enquanto a bancada do PR na Câmara seria inflada com a transferência de votos que o candidato presidencial lhes garantiria. O PR, é preciso ter isso em mente, raramente tem candidatos a governos estaduais (foram só três em 2014). Isso é, o partido privilegia as disputas legislativas e faz o que for necessário para ganhar cadeiras. Nessa estratégia, puxadores de voto, como Tiririca, são fundamentais e é isso o que os 'Bolsonaros' poderiam entregar como contrapartida, mas recusaram.

Aparentemente, pelo que a imprensa noticiou, Flávio Bolsonaro, filho do capitão e candidato ao Senado no Rio de Janeiro, não quis acolher a turma ligada a Valdemar na sua coligação. Ou seja, Bolsonaro queria o tempo de TV que Valdemar controla sem ceder nada em troca.

Mas ser abandonado pelo PR foi café pequeno comparado à recusa do PRP em liberar o General Heleno. Ser esnobado pelo PRP não é coisa fácil de assimilar e, muito menos, de explicar. Mas, seja qual for a explicação, ela não há de ser muito animadora para Bolsonaro e suas pretensões de chegar à Presidência. Ninguém parece enxergar ganhos em uma aliança com o candidato que lidera as pesquisas de intenção de voto. Resta a Bolsonaro se apegar ao refrão do antes só que mal acompanhado.

Aliás, esse também foi o destino escolhido pelo PT e pelo MDB. Lula e Meirelles também não terão tempo extra no HGPE e tampouco contarão com alianças estaduais sólidas para reforçar seus candidatos aos governos estaduais e ao Legislativo. Para os dois partidos, o cenário não é nada animador. O PT, não é demais lembrar, também cortejou o quanto pode o PR, a quem chegou a oferecer a posição de vice na chapa de Lula, oferta declinada pelo escaldado e escolado Valdemar que preferiu 'ficar' com Geraldo e os amigos do 'centrão'.

Ciro Gomes foi o outro grande perdedor da semana. Tentou vir para o centro, mas acabou com as mãos abanando e, até o momento, ainda não conseguiu fechar um acordo com o PSB. Na convenção que sacramentou sua candidatura, voltou para a esquerda, mas, com tanto contorcionismo, corre o risco de perder o discurso e o espaço que precisa conquistar para pôr de pé sua candidatura.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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