Celso Rocha de Barros - Folha de S. Paulo
Se o PT tiver um plano B, espero que também tenha uma retórica B
Desde que Fernando Haddad derrotou José Serra na eleição para prefeito de 2012, tornou-se presidenciável, e isso foi um dos problemas de sua prefeitura. Projetos que tinham sua assinatura foram criticados de modo completamente desproporcional, porque criticar Haddad era criticar o futuro candidato do PT a presidente. As faixas para ônibus, por exemplo, também foram introduzidas no Rio de Janeiro na administração Eduardo Paes, sem tanta controvérsia. Discussões sobre grafite e limpeza pública, ou sobre bicicletas, sempre foram debates sobre em quem votar para presidente.
De qualquer forma, com Lula fora do páreo, essa seria uma boa hora para Haddad começar a lucrar com a reputação de presidenciável, que até hoje só lhe causou problemas.
O ex-prefeito vem se mexendo. Na semana passada, entrou para a tendência “Construindo um Novo Brasil” (a antiga “Articulação”), grupo majoritário dentro do PT liderado por Lula. Até então, Haddad era próximo à “Mensagem para o Partido”, de Tarso Genro e José Eduardo Cardoso. Foi um movimento de candidato.
E Haddad tem seus trunfos. Sua administração combateu a corrupção, teve políticas bem avaliadas (em geral, muito mais bem avaliadas do que seu mandato) e foi fiscalmente responsável. Não há muito mais gente entre os quadros petistas de primeira linha que tenha esse currículo.
Mas aí é que está: se for para lançar Haddad com o discurso atual do PT, essas vantagens serão desperdiçadas. Porque o discurso atual do PT é uma porcaria.
Não há nenhuma possibilidade de Fernando Haddad dizer com sinceridade que apoia o regime de Nicolás Maduro. Se for para dizer isso, lancem alguém mais burro, ou que minta melhor. Haddad já passou tempo suficiente olhando para um orçamento público para saber que é preciso reformar a Previdência. Vão lançar o sujeito a presidente para fazê-lo passar vergonha dizendo que não tem déficit, ou que basta parar de pagar juros para os rentistas? Haddad ficou aquele tempo todo na USP lendo Habermas para mandarem ele agora ir lá na frente de todo mundo dizer que o Moro é agente da CIA?
Se quiserem entender melhor o que estou dizendo, olhem para o que Ciro Gomes vem passando. Depois de alguns meses muito bons para sua campanha, Ciro tem escorregado em entrevistas e ofendeu racialmente o vereador Fernando Holiday.
Eu gostaria de poder dizer que essas besteiras (e a ofensa grave) que Ciro disse foram só manifestações de seu temperamento, mas não acho que seja só isso. Ciro está falando as besteiras que acha que precisa dizer para atrair os eleitores de esquerda. Como lhe falta a prática em ser burro, a burrice soa ainda pior quando ele a diz. A mesma coisa vai acontecer com Haddad se o PT lançá-lo para presidente sem mudar o discurso oficial do partido.
Não espero que político seja 100% transparente em campanha. O candidato Haddad teria que fazer gestos retóricos para seu público, como Alckmin faz ao eleitorado que perdeu para Bolsonaro, que, por sua vez, nem sequer vai aos debates.
Mas a esta altura já era de se esperar que o PT tivesse aprendido a fazer campanha pensando em como vai governar. Se tiverem um “plano B”, espero que também tenham um “discurso B”. Até porque, é difícil substituir Lula, mas qualquer coisa é melhor que esse “discurso A”.
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Celso Rocha de Barros doutor em sociologia pela Universidade de Oxford
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