por Percival Puggina. Artigo publicado em 03.05.2018
“Qualquer pessoa que tenha os jornais e a TV como sua fonte principal de informações está excluída, in limine, da possibilidade de julgar razoavelmente a veracidade e a importância relativa das notícias.” (Olavo de Carvalho, em “Quem eram os ratos?”)
Em 2012, num excelente artigo que pode ser lido aqui, o autor da frase acima discorreu sobre a distância que, em períodos soturnos da história, se estabelece entre o conjunto de crenças (e incertezas) da parcela pensante da sociedade e as inabaláveis convicções que marcam a opinião das massas.
É diante disso que a frase em epígrafe amplia sua importância como auxiliar de diagnóstico da situação nacional. De 2012 para cá, ocorreu a explosão das redes sociais, que disponibilizou, à massa, o acesso a um volume até então inconcebível de informações, conhecimentos (para os mais dispostos a buscá-los) e capacidade de interpretação. O jornal impresso do dia tornou-se um depósito de notícias de ontem, opiniões sobre os fatos de anteontem e variedades. O noticiário dos canais tradicionais de TV perdeu sua dimensão informativa e ampliou dedicação à tarefa de adequar os fatos à opinião dos editores. Algumas emissoras de rádio e TV abriram canais e frequências voltados exclusivamente às “news”. O jornalismo, enfim, se digitalizou.
Não foi por livre e espontânea vontade que o fizeram, mas por exigência da força avassaladora de suas novas concorrentes: as redes sociais, que, em muito pouco tempo, revolucionaram o mundo da comunicação. E o da manipulação. É verdade que as redes sociais se prestam para a proliferação das fake news, mas não parece sensato mencionar esse fato sem incluir a tradicional manipulação das notícias pelos grandes veículos.
Voltando à frase do Olavo. A longa história do jornalismo está ligada ao binômio notícia-opinião. Os jornais tinham colunas de opinião, nas quais uns poucos analistas, presumivelmente qualificados, serviam aos leitores suas interpretações dos fatos em curso. Era um grupo restrito, infinitamente menor do que o requerido pela dinâmica da vida social e, como regra quase geral, orientado para servir ao alinhamento ideológico que buscava o poder no Brasil. Foi assim que o PT e os partidos de esquerda conseguiram crescer sob o beneplácito da mesma “grande mídia” da qual sempre tanto se queixaram. E mesmo isso fez parte da estratégia. Só o referido beneplácito pode explicar as longas décadas em que o criminoso trabalho do Foro de São Paulo permaneceu oculto e protegido, enquanto toda menção a ele era tratada como “teoria da conspiração”. Só esse beneplácito pode explicar que prosperasse a ideia de que os partidos de esquerda eram incorruptíveis e poderiam passar o Brasil a limpo, mesmo depois da morte de Celso Daniel e de tantas experiências de gestão em Estados e municípios. Só esse beneplácito pode explicar que o PT chegasse ao poder com um discurso contrário àquele que construiu seu caminho até ele. E ficasse tudo por isso mesmo, inclusive quando reverteu sua marcha-ré. O que hoje se vê é escala ampliada do que há muito se via.
A única disputa que a esquerda perdeu e sabe que perdeu, no Brasil, nas últimas décadas, foi a das redes sociais. Elas tornaram visível a existência de vida inteligente fora da esquerda. A derrota intelectual foi tão acachapante que o petismo precisou mudar de ramo, criar uma seita e se reinstituir como igreja... É a antipolítica pela falência do que se apresentava como razão.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
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