quarta-feira, 11 de julho de 2018

Militância antiprivatização

 Editorial | O Estado de S. Paulo

Na quarta-feira passada, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu, em duas ações, medidas cautelares contrárias às privatizações, em clara interferência do Poder Judiciário em seara alheia. Numa das ações, o relator justifica a urgência da liminar alegando o empenho do governo federal em levar adiante o Programa de Parcerias de Investimentos, aprovado na Lei 13.334/2016. É o uso deliberado da caneta do Judiciário para fazer oposição ao Executivo.

Proferida numa ação proposta pelo governo de Alagoas contra a União, a primeira liminar retira a empresa Companhia Energética do Estado de Alagoas (Ceal) do leilão de privatização de distribuidoras da Eletrobrás, previsto para o próximo dia 26 de julho. De acordo com o edital de venda, a Ceal tem patrimônio líquido negativo de R$ 573,8 milhões, endividamento de R$ 1,46 bilhão e prejuízo acumulado nos últimos cinco anos de R$ 923,6 milhões. Diante dessa situação financeira periclitante, a União decidiu licitá-la pelo valor simbólico de R$ 50 mil. O governo de Alagoas alega, no entanto, que teria direito a receber R$ 4 bilhões pela venda da Ceal.

Apesar do irrealismo do pedido, o ministro Lewandowski concedeu a liminar, numa decisão que, além de acrescentar incertezas a um processo de privatização absolutamente necessário, obriga o contribuinte a continuar custeando dívidas bilionárias de estatais mal administradas.

Mais abrangente, a segunda liminar foi concedida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 5.846. Proposta pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) em dezembro do ano passado, a ação insurge-se contra o inciso XVIII do art. 29 da Lei das Estatais (Lei 13.303/2016). Como o ministro Lewandowski era o relator da Adin 5.624, que também questiona a Lei das Estatais, a ação do PCdoB foi distribuída por prevenção ao mesmo relator.

O art. 29, caput, XVIII da Lei das Estatais dispensa as empresas públicas e sociedades de economia mista de realizarem licitação “na compra e venda de ações, de títulos de crédito e de dívida e de bens que produzam ou comercializem”. O ministro Lewandowski entendeu, no entanto, que essa disposição legal não estaria em conformidade com a Constituição e alterou, monocraticamente, o conteúdo do texto aprovado no Congresso.

Segundo a liminar, “a venda de ações de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas exige prévia autorização legislativa, sempre que se cuide de alienar o controle acionário”. Sob a alegação de proteger a competência do Legislativo, o ministro Lewandowski inventou uma restrição absolutamente nova, que não encontra respaldo na Constituição. A liminar impede a venda de empresas controladas pelas estatais, exigindo o aval prévio do Legislativo. Além disso, a decisão proibiu a dispensa de licitação nos casos em que a venda envolva perda de controle acionário.

O relator admite que “eventual decisão do Estado de deixar de explorar diretamente determinada atividade econômica, constante do art. 173 da Constituição Federal, seja uma prerrogativa do governante do momento”, como diz na decisão. No entanto, em vez de respeitar a prerrogativa constitucional, prefere realizar suas idiossincrasias.

A Constituição de 1988 estabelece que as empresas estatais são a exceção, não a regra. “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”, diz o art. 173. No entanto, diante das dificuldades que o Judiciário tantas vezes coloca às privatizações, parece que a Carta Magna prevê o oposto.

Recentemente, a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, disse não acreditar que ministros do Supremo tomem decisões partidárias, “até porque isso é terminantemente proibido. Seria considerar que um juiz está tomando uma decisão contrária ao que é o seu dever constitucional”. Pois é justamente este o problema que o País tem sido obrigado a enfrentar com crescente frequência: o olvido do conteúdo do livrinho por quem tem o dever de protegê-lo.



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