domingo, 30 de setembro de 2012

Educação estagnada



Naercio Menezes Filho
Valor Econômico



O IBGE acaba de divulgar os resultados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), referente ao ano de 2011. Essa pesquisa dá um panorama da situação econômica e social do Brasil atual e permite uma comparação interessante ao longo do tempo. Os números nas áreas de educação e trabalho despertam muito interesse. Como se sabe, para acabar com a pobreza e desigualdade no longo prazo e para competir com os trabalhadores coreanos e chineses, é necessário qualificar os nossos futuros trabalhadores. O que mostram os números?

Na realidade, os números na educação foram decepcionantes. Apesar de continuarmos com avanços importantes nas áreas de pobreza e desigualdade, houve nítida desaceleração no acesso à escola por parte da população jovem nos anos recentes. A figura abaixo mostra as variações nas taxas de frequência à escola e de trabalho entre os jovens de 15 a 17 e de 18 a 22 anos de idade em dois períodos: 1995-2003 e 2003-2011.

No primeiro período, houve um grande aumento na frequência escolar entre os mais jovens, de 15 pontos percentuais. Porém, entre 2003 e 2011 o aumento foi de apenas 2 pontos. Com relação ao trabalho, se entre 1995 e 2003 a redução da porcentagem de jovens trabalhadores foi de 14 pontos, no período recente foi de apenas 6 pontos. Vale notar que, se no período anterior o aumento no estudo foi superior à redução do trabalho, no período recente aconteceu o inverso, ou seja, a redução no trabalho foi maior do que o aumento na frequência escolar.

Apesar dos avanços no combate à pobreza, houve desaceleração no acesso à escola nos anos recentes

No grupo de 18 a 22 anos de idade, que deveria estar frequentando a faculdade, a situação é ainda mais grave. Se a taxa de frequência escolar (primordialmente ensino superior) aumentou 7 pontos percentuais entre 1995 e 2003, ela diminuiu 5 pontos entre 2003 e 2011! Além disso, no período inicial a porcentagem de jovens trabalhadores diminuiu 6 pontos, mas no período recente aumentou 3 pontos. Também nesse caso, enquanto no período anterior o aumento da escolaridade foi maior que a redução do trabalho, no período recente ocorreu o contrário, ou seja, a redução no acesso à escola foi maior que o aumento do trabalho.

Assim, os dados mostram claramente que o grande crescimento no acesso à escola ocorrido entre meados de década de 90 e dos anos 2000, chegou ao fim. Isso é muito preocupante, pois ainda estamos longe de termos uma situação satisfatória em termos educacionais. A porcentagem de pessoas adultas com ensino médio concluído no Brasil é de apenas 25% e com ensino superior completo é 10%. Nos EUA, já em 1960 mais de 60% dos trabalhadores tinham pelo menos ensino médio completo e hoje em dia, quase 90% da população está nessa situação.

Quais as razões para essa estagnação educacional? Os dois principais fatores são a baixa qualidade do ensino e a redução dos diferenciais de salário associados à educação no Brasil. Começando pelo último fator, um trabalhador que concluísse o ensino médio em 1995 ganhava, no começo de sua carreira, 44% mais do que aquele que só havia concluído o ensino fundamental. Hoje em dia, ganha apenas 13% mais. O grande aumento no número de concluintes no ensino médio ao longo da década passada diminuiu o salário relativo dos concluintes. Lei da oferta e da procura. Além disso, com o aumento do salário dos trabalhadores menos qualificados, fruto de aumentos no salário mínimo e da demanda por setores que empregam intensivamente esses trabalhadores, o custo de oportunidade de cursar tanto o ensino médio como o ensino superior aumentou.

Além disso, todos sabem que a qualidade do ensino médio público é muito baixa e sua estrutura desestimulante. O jovem que frequenta esse nível tem muitas dificuldades para aprender algo que seja útil para o mercado de trabalho. Isso ocorre não só pelas deficiências de aprendizado do próprio jovem, que foram se acumulando ao longo do tempo, mas também porque o ensino médio tradicional tem disciplinas demais e muito abstratas. No caso do ensino superior, a grande maioria das vagas disponíveis está em áreas que já estão com o mercado de trabalho saturado. Assim, aqueles que podem adiar a opção de estudar, frente a um mercado de trabalho aquecido, o fazem imediatamente.

Quais as soluções para trazer o jovem de volta para a escola? Reestruturar parte do ensino médio numa direção mais profissionalizante, melhorar a qualidade do ensino fundamental, começando pela creche e pré-escola e aumentar a oferta de vagas em carreiras que o mercado realmente precisa, nas áreas de ciências exatas e tecnológicas.

Naercio Menezes Filho, professor titular - Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA-USP
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Meio ambiente e agricultura no novo Código Florestal



Antonio de Azevedo Sodré
Valor Econômico


A sanção presidencial do novo texto do Código Florestal será decisiva para as duas grandes vertentes do tema da reforma: a importância de se proteger o meio ambiente e a necessidade de assegurar uma crescente produção de alimentos e, assim, garantir a sobrevivência de nossos filhos, netos, bisnetos e seus filhos.

O Brasil tem 61% do seu território ocupado por vegetação nativa, em sua maioria densas florestas, e adota práticas modernas no trato da terra, tais como agricultura de precisão, plantio direto, uso de sementes selecionadas e agricultura de baixo carbono. A maioria dos produtores rurais preserva solo, água e vegetação nativa. A agricultura como atividade econômica tem apresentado números expressivos tanto de aumento físico da produção como de aumento da produtividade.

Líder em produtividade agrícola de diversos produtos, o Brasil apresenta índices de crescimento acima da média mundial, segundo estudos recentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Enquanto países desenvolvidos, como França, Inglaterra e Estados Unidos, crescem abaixo da média histórica de 1,48% ao ano, verificada no período que compreende os anos de 1961 e 2007, o crescimento anual da produtividade do Brasil é de 3,6% ao ano, comparativamente aos 2,6% da América Latina, 0,86% dos países desenvolvidos e 1,98% para o conjunto de países em desenvolvimento.

Com desempenho tão exuberante, a agropecuária ocupa uma pequena parcela do território brasileiro (27,7%). Por outro lado, a maior parte do território nacional é coberta por vegetação nativa (61%).

Controvérsias não foram totalmente solucionadas, mas deve-se reconhecer que houve grandes avanços

Então, qual a razão das divergências surgidas durante a discussão do novo Código Florestal? Basicamente, de um lado a defesa intransigente da legislação anterior que o tempo mostrou ser ineficaz e inaplicável; de outro, a busca para adequar a legislação à realidade de forma a torná-la eficaz e dar início a um novo ciclo de proteção da vegetação nativa.

Do ponto de vista da produção de alimentos, os grandes avanços do texto aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal podem ser sintetizados da seguinte forma: houve uma adequação das restrições de uso sobre as pequenas propriedades possibilitando a sua continuidade; foi reconhecida a necessidade de se ressarcir o produtor rural pelo não uso da terra muito embora não se tenha definido como fazer; foi reconhecido o princípio jurídico da inter-temporalidade das leis e, como consequência, não há obrigatoriedade de recomposição e ou instituição da Reserva Legal quando a supressão da vegetação nativa ocorreu respeitando a legislação vigente na ocasião; foi admitida a inclusão das áreas de proteção permanente (APPs) no cálculo da Reserva Legal que pode ser instituída no mesmo bioma independentemente de bacia, com utilização de espécies exóticas (até 50% da área) e em alguns casos frutíferas; ocorreu a suspensão dos termos de ajuste de conduta - (TACs, implicitamente) e das multas (explicitamente), com prazo para os produtores se ajustarem à nova realidade.

Do ponto de vista ambiental, os grandes avanços são a implantação de uma legislação florestal viável, que concilia proteção com produção; a criação de um cadastro ambiental rural (CAR), que permitirá o controle efetivo com monitoramento via satélite; um programa de regularização ambiental (PRA), que incentiva a preservação; a concessão de um prazo factível para que as recuperações ocorram; o reconhecimento de que a competência para legislar sobre meio ambiente é concorrente como prevê a Constituição Federal; foram introduzidas definições legais que deverão reduzir os questionamentos e dando mais segurança jurídica aos operadores do Direito Florestal; em síntese, foi conquistada a promulgação da mais avançada lei de proteção das florestas em todo o mundo.

O que se espera para o futuro é que os produtores passem a regularizar suas propriedades com base na nova lei, usando como instrumento tanto o CAR como o PRA. Para isso, Estados e município deverão se aparelhar. Entretanto, em primeiro lugar, o governo terá que conquistar a confiança dos produtores rurais, pois sem isto não teremos nem CAR nem PRA.

Alguns questionamentos legais são esperados. No texto aprovado, as restrições ao uso da propriedade não são meras limitações administrativas, mas avançam sacrificando direitos. Em nosso entender, ao exigir plantio e a conservação, atos que obrigam desembolso de recursos, as limitações do uso da propriedade caracterizam desapropriação indireta, exigindo indenização. Isso poderia ter sido evitado com a inclusão da sugestão apresentada por um representante da BM&F Bovespa de criação das Certificado de Cotas de Reserva Ambiental (CCRAs), pois a sugestão contém uma solução inteligente. Se adotada, fará com que os produtores - que conservam APPs e Reservas Legais - passem a receber pelos serviços ambientais por meio de um mecanismo de mercado, sem onerar o Tesouro Nacional.

São também esperados questionamentos quanto ao alegado desrespeito do princípio da irretroatividade das leis ambientais. Nestes e mesmo em outros aspectos, as controvérsias não foram totalmente solucionadas, mas devemos reconhecer que foram conseguidos grandes avanços, fruto de muito trabalho e de concessões mútuas. O maior dos avanços foi ambiental, tendo em vista que antes da nova lei não era possível proteger porque a proteção era, na prática, inviável. Agora temos uma lei que pode ser aplicada. Este é o bem de maior valia, obtido entre tantas divergências e democraticamente, ora por consenso ora no voto, neste último com ampla maioria. O Congresso aprovou um texto de consenso (PL 21/2012), fruto de longas discussões e concessões de parte a parte. O texto aprovado, e que representa o melhor ponto de equilíbrio alcançado, passa à sanção presidencial.

Vetar ou não é uma prerrogativa presidencial. Mas, para assegurar a paz no campo, é importante manter o que foi acordado por unanimidade entre os congressistas. Houve uma construção exitosa do texto, o melhor possível para se colocar a produção de alimentos e a preservação ambiental na rota de convergência.

Está mais do que na hora de concluir este ciclo democrático de discussões e dar início às etapas seguintes de regulamentação do novo Código Florestal verdadeiramente capaz de enfrentar os atuais desafios de produzir alimentos preservando o meio ambiente.
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Não verás país algum...






Amigos, os programas de televisão estão cada vez mais alienantes, a educação familiar está sendo desqualificada por legislações protegendo menores e forças sociais em favor de diversidades generalizadas, a Escola sendo, também, desqualificada seja por novelas, programas vespertinos e falta de respeito, a partir do governo (e também da sociedade) desbastando a figura do professor e por fim a Igreja, nas suas várias denominações, que está inchada de pastores, apóstolos e uma miríade de verdadeiros fariseus capitalizando o ato da fé.

Ou seja, o tripé que sustenta toda e qualquer sociedade séria, em qualquer lugar do mundo em qualquer época na História da Humanidade aqui está absolutamente desqualificado e degastado sob a silente anuência do cidadão comum. Não há como estas três Instituições sociais (Família, Escola e Igreja) educar o cidadão de forma isenta e sustentável em qualidade ética.

Resta-nos a Leitura, somente os livros e leitura séria e útil e que poderá nos germinar a visão crítica da dinâmica social que nos cerca. Sem isto não há saída, não haverá futuro para nós. Seremos, sempre, dependentes do Estado. Sempre seremos sociedade "em desenvolvimento".

"Não verás país algum..." 

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Enquanto isso, no Senado...

Este é um dos inúmeros exemplos da irresponsabilidade social do cidadão brasileiro que acha que democracia participativa restringe-se ao mero fato de se colocar um voto na urna e virar as costas para a governança a ser exercida sobre a gestão da coisa pública. 

Há anos é assim. Estamos no segundo ano da segunda década do século XXI e a sociedade com mais de 95% de residências com televisão e 98% com rádios deixa-se governar de forma feudal, por capitanias e nichos de poder.

Enfim, merecemos o que estamos vivendo...



Enquanto isso, no Senado...
O Estado de S.Paulo

Brasília é o hábitat natural da elite da chamada classe política, representada pelos nobres parlamentares federais. Vivem ali muitos desses ilustres representantes do povo - pelo jeito, a maioria - numa espécie de mundo da fantasia que construíram para seu deleite, apartado da realidade cotidiana e frequentemente conflitante com o bem e o senso comuns. Vivem indiferentes ao fato de, do outro lado da Praça dos Três Poderes, o Judiciário dar inequívocas demonstrações de que o País está perdendo - se já não perdeu - a paciência com o comportamento ominoso e ultrajante dos maus homens públicos que se julgam no direito de inventar uma nova "ética" no trato da coisa pública. E cometem, sem o menor pudor, nova e escandalosa afronta à probidade, jogando a conta do abuso no colo do contribuinte.

Em resumo: a Mesa do Senado, presidida por José Sarney, decidiu que um calote no Fisco, calculado em R$ 11 milhões, aplicado pelos 84 senadores nos últimos cinco anos, será finalmente pago, mas com dinheiro público. O que, para começar, contraria o princípio de que a União (Fisco) não pode cobrar da própria União (Senado Federal).

A história pouco fica a dever, em descaramento, à do malfadado mensalão em julgamento pelo STF. A diferença estaria nas tecnicalidades da tipificação penal do desvio de recursos públicos para conchavos políticos e da canalização desses recursos diretamente para o bolso dos senadores. De acordo com cálculos feitos pelo jornal Correio Braziliense, que denunciou o golpe em março, cada senador da República embolsou com o calote cerca de R$ 13 mil por ano. Desde 2007, portanto, beneficiam-se indevidamente da nada desprezível poupança de cerca de R$ 65 mil cada um.

O Imposto de Renda (IR) devido pelos senadores refere-se aos chamados 14.º e 15.º salários a que faziam jus até o fim do ano passado, pagos a título de "verba indenizatória". E era exatamente pelo fato de alegadamente se enquadrar nessa categoria que a administração do Senado considerava essa verba "não tributável" e, por isso, nunca fez o desconto de IR na folha de pagamento dos senadores. E tudo continuaria assim, se a imprensa não cumprisse seu papel de fiscalizar a administração pública. Quando o jornal denunciou a escandalosa irregularidade, a Mesa do Senado, em nota oficial, alegou que os tais rendimentos adicionais não eram tributáveis "por terem caráter indenizatório". Mas esse argumento foi prontamente contestado pelo Fisco. Acuado, em maio o Senado desengavetou e aprovou um projeto acabando com a mamata, encaminhando-o à Câmara dos Deputados, onde dorme placidamente. No início de agosto, a Receita enviou intimações a cada um dos senadores, cobrando o que considera devido.

Os parlamentares, é claro, se revoltaram com a cobrança, alegando que os pagamentos não foram feitos devido a "erro administrativo" da Casa, que não procedeu aos descontos devidos. E passaram a pressionar a Mesa. Apesar de o senador José Sarney, na condição de presidente, ter dito a jornalistas que os senadores deveriam se entender individualmente com a Receita, na última terça-feira o vice-presidente Anibal Diniz (PT-AC) anunciou que, por decisão da Mesa, o Senado vai pagar o que é devido pelos parlamentares.

Diniz não fez segredo da razão pela qual a decisão foi tomada: "Na medida em que a ajuda de custo foi abolida, o Senado se acusou e a Receita começou a exigir o pagamento. Então, os senadores pressionaram a Mesa para não serem punidos". E acrescentou: "Ficou uma dúvida, mas não foi culpa dos senadores. A Mesa adota a posição de fazer o ressarcimento devido. A Casa reconhece que, se houve falha, ela própria vai fazer o pagamento".

Se houve ou não falha da administração do Senado é uma questão agora irrelevante. O IR é devido pelas pessoas físicas dos senadores, que se beneficiaram do não recolhimento dos valores devidos. Cabia a eles declarar os seus rendimentos e, sobre eles, pagar o imposto devido. A direção da Casa anunciou que ainda vai calcular exatamente o que seria devido ao Fisco e que vai recorrer à Justiça. Ou seja, pendurará a despesa na conta do contribuinte. Certamente, não é o mesmo vento que sopra em todos os cantos da Praça dos Três Poderes.
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sábado, 29 de setembro de 2012

Ficção e realidade


SÉRGIO TELLES
O Estado de S.Paulo


Coleman Silk, um professor universitário norte-americano, constatando que dois alunos faltam sistematicamente a suas aulas a ponto de jamais tê-los visto, pergunta à classe quem são aqueles spooks (fantasmas) que nunca apareciam. Como os dois alunos eram negros, a irônica e descompromissada pergunta do professor foi entendida pelos ativistas do campus como uma manifestação de racismo por parte do professor, pois a palavra spook tem um outro significado fortemente ofensivo para os afrodescendentes. O simples incidente letivo é transformado num evento político, destruindo a vida pessoal e profissional do professor.

A história prossegue, adquirindo tinturas de tragédia grega. O professor tinha um segredo desconhecido por todos que termina por ser revelado. Filho de negros, ele se fizera passar por judeu e branco, pois assim o permitia a cor de sua pele. Então, o que parecia ser uma acusação injusta e despropositada, fruto de radicalismos políticos, transforma-se na punição do destino a um filho que renegou os pais e sua origem e assumiu uma identidade falsa. Em linhas gerais, essa é a trama de A Marca Humana (The Human Stain), de Philip Roth (Companhia das Letras).

Importantes críticos e resenhadores norte-americanos pensaram que Coleman Silk, o personagem de Roth, teria sido inspirado na vida de Anatole Broyard, respeitado jornalista literário e figura de relevo no mundo intelectual nova-iorquino nos anos 60 e 70, que tinha uma história semelhante, era um negro que se fazia passar por branco.

Tais dados foram publicados pela Wikipedia no verbete sobre o livro. Roth solicitou a correção da informação, declarando que construíra seu personagem baseado em episódios da vida de um amigo, Melvin Tumin, que fora professor de direito em Princeton por 30 anos. A Wikipedia não aceitou a explicação de Roth, alegando que o fato de ser o autor não lhe dava a última palavra sobre o assunto e que ele deveria procurar depoimentos de terceiros que o apoiassem. Inconformado, Roth escreveu no último dia 7 uma carta aberta ao New York Times, falando sobre o assunto.

À primeira vista, poderia parecer que não importa se a crítica atribui tal ou qual origem para os personagens fictícios de uma obra, e não se entende por que Roth se preocupa tanto com o assunto. De fato, para o leitor comum, não interessa saber se o personagem Coleman Silk foi baseado na vida de Tumin ou Broyard. Sua apreciação do romance não depende disso e sim do talento com o qual Roth construiu seu personagem. Mas ao se especular sobre as fontes de um romance, entram em cena importantes questões literárias sobre o ato da escrita, o poder do autor sobre sua obra, os processos da criação e a relação entre realidade e ficção.

Em sua longa carta, Roth diz que não poderia ter-se inspirado em Broyard, pois só o conhecia superficialmente, o que não acontecia com Tumin, de quem era íntimo. Esse é um argumento pouco convincente, que só se sustentaria se estivesse escrevendo uma biografia, na qual é imprescindível a pesquisa dos dados históricos reais, objetivos. Na ficção, o que vale é a verossimilhança, não a verdade fática. Frequentemente os personagens nascem de uma colagem de características de vários modelos reais, a que o escritor acrescenta elementos a partir de sua imaginação, dando-lhe a feição final.

Parece-me que a Wikipedia está correta em contestar a soberana autoridade que Roth arroga para si como autor ao falar de seu livro. O autor não pode controlar a leitura de sua obra, estabelecer o que dela pode se depreender, o que deve ser entendido. O texto jamais será fiel aos limites por ele fixados, dirá sempre mais ou menos do que seu criador pretendia, pois para produzi-lo lançou mão de recursos conscientes e inconscientes. Isso significa que o próprio autor não tem domínio absoluto sobre o que escreve, pode expressar inadvertidamente elementos que só serão detectados por um terceiro (criptomnésias, apropriações involuntárias de histórias, trechos, estilos de outros escritores, etc.), como costuma ocorrer com os conteúdos inconscientes no discurso - os atos falhos e lapsos são percebidos pelo outro, não por quem os comete.

É evidente que o autor sabe das fontes conscientes que o inspiraram. O problema é que ele vai reconhecê-las ou não publicamente em função de um complicado contexto, pois está em jogo o que talvez seja o elemento mais delicado da criação literária - a complexa mistura de elementos da realidade com a imaginação criativa do escritor, fusão da qual resulta algo único e novo, um texto original.

O escritor é um saqueador de histórias. Mas, ao contrário do paparazzo ou do colunista de fofocas de celebridades, não tem como objetivo precípuo a exposição da privacidade alheia, não faz da indiscrição maldosa sua meta. Na banalidade ou estranheza das histórias que recolhe, ele consegue divisar um filão secreto - o veio sagrado da vida, do sinuoso movimento do tempo, das forças maiores que se abatem sobre a fragilidade do homem, e a partir daí cria uma peça que dá testemunho do inefável acontecimento da existência.

Sobre o fato aparentemente estranho, de que Melvin Tumin e Anatole Broyard compartilhassem uma história tão inusitada, é fácil de entender. Naquela ocasião, não eram os únicos a se encontrarem nessa difícil posição. Durante a 2.ª Guerra Mundial, as forças armadas norte-americanas mantinham uma rígida divisão racial e muitos negros de pele clara alistaram-se como brancos, usufruindo regalias negadas a soldados negros. No final da guerra, não quiseram retomar a condição social inferior à qual a segregação os relegava e mantiveram a falsa identidade. Calcula-se que cerca de 150 mil homens fizeram tal escolha, rompendo de forma completa com o passado e a família, iniciando vida nova numa condição que seguramente lhes cobrava um insuportável custo emocional. Esse fato bem revela a amplitude do problema e a rigidez do racismo norte-americano no período anterior à luta pelos direitos civis.

Quanto à carta de Roth, a Wikipedia incorporou no verbete sua argumentação, juntamente com os comentários da filha de Broyard sobre a mesma, contestando a afirmação que Roth faz de nunca ter ido à casa de seu pai, pois se lembra de tê-lo visto ali, quando criança. Mesmo assim, reconhece-lhe o direito, enquanto autor, de ocultar suas fontes, se, por razões particulares, assim o preferir.
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Ciência e linguagem


LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
O GLOBO


Sir Francis Bacon deu um conselho curioso aos que estudavam a Natureza: deveriam desconfiar de tudo que suas mentes aceitassem sem hesitação. Talvez fosse uma maneira de prevenir contra a ilusão de que qualquer descoberta humana fosse completa, ou tivesse completamente desvendado o que Deus encobrira. No momento (século 17) em que crescia a ideia herética de que existia um metafórico Livro da Natureza tão cheio de mensagens de Deus para os homens quanto o Livro dos Livros, Bacon aconselhava a Ciência a não desprezar o que diziam os mitos e as Escrituras. A glória de Deus se manifestava de várias formas. Alguma eram apenas mais poéticas do que as outras.

A primeira "mensagem" assim identificada do Livro secular da Natureza foi o magnetismo, que só começou a ser estudado a fundo pelo inglês William Gilbert, contemporâneo de Bacon na corte da rainha Elizabeth I, de quem era médico. O magnetismo era a prototípica evidência de uma força invisível na Natureza, a primeira alternativa à pura vontade de Deus como algo por trás de tudo. Albert Einstein contava que o presente de uma bússola, quando era menino, lhe dera a primeira sensação desta força misteriosa, e o primeiro ímpeto de desvendá-la.

Mais do que ninguém, Einstein podia reivindicar uma glória de descobrir igual à glória de Deus em ocultar, embora nunca abandonasse sua devoção quase religiosa a um determinismo harmônico do Universo, atribuindo-o a Deus ou a que outro nome se quisesse dar ao indesvendável. Mas Einstein não seguiu o conselho de Francis Bacon, de desconfiar do que o satisfazia. Satisfez-se tanto com suas certezas que passou os últimos anos da vida buscando uma teoria unificada da gravidade e do eletromagnetismo que refutasse a teoria quântica que as ameaçava, e tornava a matéria e seu comportamento inexplicáveis em qualquer linguagem, científica ou poética.

Quando recém se começava a falar em partículas subatômicas e seu estranho procedimento o físico dinamarquês Niels Bohr disse que elas só poderiam ser descritas usando-se a linguagem como na poesia. Um sombrio reconhecimento de que a linguagem racional não teria como acompanhar a especulação científica e estava condenada à analogia e à aproximação inexata. Assim os físicos falam em teorias das cordas, em um universo em forma de donut, ou de bola de futebol, e isso é apenas o som da mente humana se chocando contra os limites da linguagem, como moscas (para usar outra analogia) na vidraça.

Einstein morreu sem se resignar à ideia de que a verdadeira e inexpugnável glória de Deus começa onde termina a linguagem humana.
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A China no centro


MIRIAM LEITÃO
O GLOBO 


O mundo inteiro está revendo para baixo as projeções de crescimento do PIB. Mas nada causa mais apreensão do que os dados que vêm da China. O país crescerá este ano praticamente a metade do que cresceu em 2007. Há dúvidas sobre a confiabilidade dos indicadores chineses, e o país vive uma crise política de contornos desconhecidos. Tudo na China é opaco.

Em 2007, a China cresceu 14,2%. No segundo trimestre de 2012, cresceu 7,6%. A taxa é alta, mas a tendência tem sido de desaceleração. Os principais parceiros comerciais da China são países que não fazem outra coisa a não ser combater a crise: Estados Unidos, Japão, Alemanha. Cerca de 70% da receita de exportação chinesa vêm de países desenvolvidos. Somente os americanos são 17%, mais precisamente US$ 325 bilhões. Os emergentes têm um peso muito menor. O Brasil representa 1,7% da exportação chinesa, mas nós dependemos muito deles.

O baixo crescimento de EUA, Europa e Japão afeta a China porque os principais produtos exportados pelos chineses são máquinas elétricas e mecânicas. Produtos com valor agregado. Se um país está em crise, os empresários adiam investimentos e as famílias pensam duas vezes antes de comprar itens mais caros.

A RC Consultores calcula que a China crescerá 7,5% este ano e 6,5% no ano que vem. A consultoria inglesa Capital Economics acha que este ano será de crescimento de 7,5%, mas que em 2013 haverá alta de 8%, seguida de um PIB de 7,5%, em 2014. De qualquer maneira, os números mostram que o período de crescimento de dois dígitos ficou para trás.

Se a disputa diplomática entre Japão e China virar embate comercial será ruim para os dois. Ontem a bolsa de Tóquio abriu em baixa exatamente por esse temor. O Japão é o país do qual a China mais importa. E é o segundo principal destino das exportações chinesas. A relação comercial entre os dois é intensa. Toyota e Honda paralisaram a produção em fábricas na China devido a protestos contra os japoneses.

Na semana passada, a bolsa de Xangai foi para o nível mais baixo dos últimos três anos. Voltou a subir esta semana, com a expectativa de que o governo chinês adotará novas medidas de estímulo. Em março, o governo chinês reduziu de 8% para 7,5% a meta de PIB que seria perseguida. Não que a redução tenha sido grande, até porque o país sempre superou os 8%. O número continua sendo impactante, mas esse é mais um sinal de que a estratégia de contornar a crise externa, incentivando o consumo interno, não está atingindo seus objetivos.

O índice PMI, do banco HSBC, que serve de termômetro da produção industrial, permaneceu abaixo dos 50 pontos, em setembro, pelo 11º mês seguido. Números abaixo de 50 mostram pessimismo dos gestores e indicam desaceleração.

A diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, avisou que o Fundo vai rever para baixo, no mês que vem, as projeções para o crescimento do mundo deste ano. A dúvida é se vai reduzir também a previsão da China, já que há sinais de desaceleração da demanda doméstica. Há rumores também de que o governo se esforça para encobrir o encalhe de imóveis residenciais.

Na frente política, o país vive uma sucessão muito mais complexa do que parecia ser. O desaparecimento por duas semanas do presidente escolhido Xi Ji Ping provocou uma sucessão de rumores. Ele reapareceu, mas o episódio ilustra uma situação muito desconfortável. A economia mundial depende de um governo que, por ser uma ditadura, manipula índices, adota políticas econômicas sem transparência e vive uma transição política conturbada e imprevisível.
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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Senescência e senioridade profissional


SÉRGIO AMAD COSTA
O Estado de S.Paulo 


O envelhecimento da população brasileira gera preocupação quanto ao futuro do País. Mas, se, por um lado, ele se deve à redução da taxa de natalidade, por outro, também é resultado do aumento da expectativa de vida, em razão das melhorias no campo da saúde. Observa-se, agora, uma maior disposição das pessoas mais velhas a continuarem trabalhando e um reconhecimento, cada vez mais significativo, de empresas que valorizam a senioridade de profissionais que já alcançaram a época da aposentadoria.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011, divulgada recentemente, mostra, de fato, o envelhecimento da nossa população. O segmento com 60 anos ou mais, em 2004, era de 9,7% da população total; em 2009, 11,3%; e, em 2011, já representava 12,1%. Como reflexo também do aumento da expectativa de vida, esse envelhecimento é acompanhado por mudanças nos padrões de trabalho.

No início da década de 1990, a expectativa de vida no Brasil era, em média, de 66 anos; em 2005, foi para 71,8 anos; e hoje está, em média, em 73,5 anos. O Brasil ocupa a 87.ª posição no ranking dos países em termos de expectativa de vida, enquanto o Japão lidera com uma média de 82,7 anos. Essa elevação no tempo de vida das pessoas faz com que sejam repensados os atuais conceitos de aposentadoria. O Japão é exemplo disso. Dos 28 milhões de japoneses com 65 anos ou mais, cerca de 6 milhões ainda trabalham, e depoimentos revelam que eles não pensam em parar. As projeções mostram, ainda, que esse número vai aumentar.

O Brasil, embora ainda timidamente, parece estar seguindo esse exemplo do país do sol nascente. Os números traduzem essa disposição de profissionais em idades mais avançadas de continuarem trabalhando. Segundo o IBGE, em 2000, 3,3 milhões de pessoas com mais de 60 anos faziam parte do mercado de trabalho e, em 2010, esse número subiu para 5,4 milhões de pessoas.

Essa mudança positiva no mercado de trabalho é revelada, também, em pesquisas que mostram que empresas no Brasil começaram a valorizar a experiência, contratando um número maior de profissionais mais velhos. Cerca de 20% das companhias - e a tendência é a elevação dessa porcentagem - empregam trabalhadores aposentados, tanto para cargos técnicos quanto para gerência e diretoria. Os principais motivos são a disposição e o amplo conhecimento técnico desses profissionais.

Razões para essa mudança no mundo corporativo são várias. Cito três. A primeira é que essas pessoas com idade mais avançada são profissionais qualificados, com senioridade para agregar à empresa. A segunda razão é que nesta fase da vida as pessoas, em geral, estão resolvidas socialmente. Ou seja, já constituíram família, criaram filhos e agora acabam se concentrando com mais facilidade nos desafios apresentados pelo trabalho. A terceira está nas novas tecnologias utilizadas nas empresas. Hoje, elas possibilitam que as tarefas sejam quase totalmente intelectuais. Muito pouco se exige em termos de esforço físico, facilitando, e muito, o trabalho para os mais velhos.

Estudos científicos demonstram que um dos principais fatores associados ao aumento da longevidade humana e uma vida mais saudável é o envolvimento com o trabalho. Sirvo-me, novamente, do exemplo do Japão. Nagano, uma província no centro do país, conta, proporcionalmente, com o maior número de idosos trabalhando entre todas as prefeituras do Japão e é onde se gasta menos com saúde. Já a cidade de Fukuoka apresenta um número bem pequeno de trabalhadores mais velhos e elevados custos com saúde.

Deveríamos começar a eliminar preconceitos em relação aos mais velhos. São necessárias mudanças de ordem cultural. E isso pode ser feito mediante campanhas educacionais, estimulando um número maior de empresas a abrir espaço para que pessoas com idades mais avançadas continuem trabalhando. É bom para os mais velhos, é bom para as companhias, é bom para a economia e é bom para o País.
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Pedrinho saiu para caçar e acabou patrulhado

A ideologia utilitária tendo base e estofo na síndrome do politicamente correto que acomete uma expressiva parcela de nossa sociedade parece não ter limites.

A esquerda reclamava ao mundo, notadamente em Paris, em 1968, do forte patrulhamento exercido pela censura no regime militar. Qual é a diferença agora? Bem, há uma, conseguiram convencer cidadãos de pouca leitura que o que fazem é cult, é de pessoas que sabem escolher com consciência.

"Não verás país algum..."



AS CAÇADAS DE PEDRINHO E OUTRAS CAÇADAS 
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE


Viver em sociedade implica exercitar os limites. O direito de um acaba onde começa o do outro. Ultrapassar linhas às vezes tênues pode levar a excessos e, até, a atos de violência. Eis a encruzilhada por que passa a sociedade brasileira.

A intolerância ganha espaço e, não raro, amplia perigosamente os tentáculos. Episódios recentes merecem análise cuidadosa. Parecem duvidar da capacidade de pais e professores de discernir entre o certo e o errado e, por isso, precisam de tutela.

Com acerto, o politicamente correto se impôs. Palavras que ofendem grupos ou reforçam preconceitos precisam ser evitadas. A mídia, em respeito aos leitores, ouvintes ou telespectadores, adotou a norma. Manuais de redação e estilo chamam a atenção para o fato e orientam a expressão dos profissionais. Escolas também se empenham em educar crianças e adolescentes para o convívio harmonioso com os diferentes.
Ocorre que o razoável ganha contornos de insensatez. Cantigas infantis e personagens do folclore passaram a ser censurados. O velho "atirei o pau no gato" virou "não atirei o pau no gato". O Saci-Pererê não pode ser apresentado como negro que pula numa perna só. É, como a Curupira, deficiente físico. O Negrinho do Pastoreio precisa mudar de nome.

Monteiro Lobato, um dos mais influentes escritores da literatura brasileira, entrou na mira obscurantista. O Instituto de Advocacia Racial (Iara) quer impor condições para a adoção de As caçadas de Pedrinho nas escolas. Acusa Lobato, por causa da personagem Tia Anastácia, de racismo e uso de estereótipos. Feriria, com isso, o artigo 5º da Constituição. Negrinha acaba de entrar no índex.
Os opositores do escritor paulista ignoram, como frisou o Conselho Nacional de Educação, o contexto em que a obra foi criada. Não se pode julgar os valores de 1933 com os de 2012. A leitura dá excelente oportunidade aos professores de tratar de preconceito, racismo, politicamente correto onde deve ser tratado — na sala de aula. A censura, com certeza, presta desserviço à cultura brasileira e à educação dos jovens.

Filmes também são alvo de caçadas. O delegado Protógenes Queiroz, hoje deputado federal, pediu a proibição de Ted, película que mostra um ursinho viciado em drogas. Depois, voltou atrás. Solicitou ao Ministério da Justiça que altere a classificação etária para 18 anos. Ora, apesar de Ted ser recomendado para maiores de 16 anos, Protógenes levou o filho de 11 ao cinema para assistir à comédia.
Desconsiderou a importância de respeitar a opinião de especialistas. Impõe-se dar a vez ao bom-senso. Pais, tios, avós, professores têm a responsabilidade de educar crianças e adolescentes para o convívio social. Não precisam de tutela. Considerá-los incapazes é cassar-lhes a autoridade.
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As chaves da prosperidade nacional

Tive chance de assistir a duas palestras (lectures) do Prof Sachs na Columbia University em Nova Iorque. Ele tem um enorme entusiasmo pelo Brasil. 

Seu artigo, contudo, ressalta pontos importantes que todos nós, cidadãos, acadêmicos ou não, precisávamos conhecer, acompanhar para melhor inteagir, em cidadania madura e responsável, para melhorar o futuro de nosso país.

Apresento como uma sugestão, um guia de assuntos que podem orientar a busca dos interessados. Sugiro seu excelente livro: "A riqueza de todos".





As chaves da prosperidade nacional 
Jeffrey D. Sachs
Valor Econômico



Em várias das reformas econômicas mais bem-sucedidas da história, países de bom senso aprenderam com as políticas de sucesso de outros e as adaptaram às condições locais. Na longa história do desenvolvimento econômico, a Grã-Bretanha do século XVIII aprendeu com a Holanda; a Prússia do início do século XIX aprendeu com a Grã-Bretanha e a França; o Japão da era Meiji de meados do século XIX aprendeu com a Alemanha; a Europa pós-Segunda Guerra Mundial aprendeu com os Estados Unidos; e a China de Deng Xiaoping aprendeu com o Japão.

Com processos de empréstimos institucionais e adaptação criativa, instituições econômicas bem-sucedidas e tecnologias de vanguarda se espalharam pelo mundo e, dessa forma, impulsionaram o crescimento mundial.

Por exemplo, enquanto muitos países se deparam com a falta de empregos, uma parte do mundo capitalista vai bem: o norte da Europa, incluindo a Alemanha, a Holanda e a Escandinávia. O índice de desemprego da Alemanha1 neste verão europeu girou em torno a 5,5%, sendo que a desocupação entre os mais jovens rondou os 8% - números extraordinariamente baixos em comparação com outras economias de alta renda.

Eis uma economia modelo: as políticas trabalhistas alemãs, a previdência social sueca, a energia de baixa emissão francesa, a assistência médica canadense, a eficiência energética suíça, a curiosidade científica americana, os programas antipobreza brasileiros

Como os europeus do norte conseguem isso? Todos se valem de políticas ativas no mercado de trabalho, incluindo horários flexíveis, estágios de aprendizado da "escola-ao-trabalho" (especialmente na Alemanha) e amplos programas de treinamento profissional.

Diante das crises orçamentárias crônicas, Alemanha, Suécia e Suíça exibem orçamentos quase equilibrados. Os três apoiam-se em regras orçamentárias que preveem um equilíbrio com ajustes baseados nos ciclos econômicos. E tomaram a precaução de manter sob controle seus gastos com benefícios sociais: a idade mínima de aposentadoria é de 65 anos. Isso mantém seus custos bem inferiores aos da França e Grécia, por exemplo.

Em tempos marcados por aumentos nos custos com assistência médica, a maioria dos países de alta renda - Canadá, as economias da União Europeia Ocidental e o Japão - consegue manter seus custos totais 2 na área abaixo de 12% do Produto Interno Bruto (PIB), com excelentes resultados no sistema de saúde, enquanto os Estados Unidos gastam cerca de 18% do PIB, mas com resultados definitivamente medíocres. Um novo estudo 3 do Instituto de Medicina dos EUA (IOM, na sigla em inglês) revela que o sistema com fins lucrativos do país gasta cerca de US$ 750 bilhões, 5% do PIB, em fraudes, desperdícios, duplicação e burocracia.

Mesmo com a disparada dos preços do petróleo, poucos países fizeram mudanças na eficiência energética. Os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), usam em média uma energia equivalente a 160 quilos de petróleo para cada US$ 1 mil de PIB (medido pela paridade de poder de compra) 4, sendo que na Dinamarca o número é de apenas 110 quilos, em comparação aos 190 quilos verificados nos EUA.

Com as mudanças climáticas, vários países mostram como passar a uma economia de baixa emissão de gás carbônico. Em média, os países ricos emitem 2,3 quilos de gás carbônico 5 por quilo de unidade de energia equivalente a petróleo. A França, porém, emite apenas 1,4 quilo, graças a seu grande sucesso no uso de energia nuclear segura e de baixo custo.

A Suécia, com sua energia hidrelétrica, emite ainda menos, 0,9 quilo. E, embora a Alemanha esteja abandonando a produção doméstica de energia nuclear por motivos políticos, podemos apostar que ainda assim vai continuar a importar eletricidade das instalações nucleares francesas.

Em tempos de intensa concorrência tecnológica, os países que combinam financiamento público e privado na pesquisa e desenvolvimento superam os demais. Os EUA continuam a sobressair-se, com grandes avanços recentes na exploração de Marte e na genômica, embora cortes orçamentários agora coloquem essa posição de destaque em risco. Paralelamente, Suécia e Coreia do Sul agora se destacam economicamente graças a gastos em pesquisa e desenvolvimento em torno a 3,5% do PIB 6, enquanto em Israel a relação alcança notáveis 4,7% do PIB.

Em tempos de crescente desigualdade, alguns países encolheram suas diferenças de renda e riqueza. O Brasil é o recente líder, tendo ampliado a educação pública e combatido de forma sistemática os bolsões de pobreza remanescentes com programas específicos de transferência. Como resultado, a desigualdade no Brasil está em queda.

E, em tempos de ansiedade generalizada, o Butão faz questões profundas sobre o próprio significado e natureza da felicidade. Em busca de uma sociedade mais equilibrada, que combine prosperidade econômica, coesão social e sustentabilidade ambiental, o Butão ganhou notoriedade por buscar a Felicidade Interna Bruta (FIB) 7 em vez do Produto Interno Bruto. Muitos outros países, incluindo o Reino Unido, agora seguem a liderança do Butão e pesquisam a satisfação de vida de seus cidadãos.

Os países que estão no topo das classificações de satisfação de vida são Dinamarca, Finlândia e Noruega. A tropical Costa Rica também está no topo da liga da felicidade. O que podemos dizer é que todos os países mais felizes enfatizam a igualdade, solidariedade, prestação de contas democrática, sustentabilidade ambiental e instituições públicas sólidas.

Aqui está, então, uma economia-modelo: as políticas trabalhistas alemãs, a previdência social sueca, a energia de baixa emissão de gás carbônico francesa, a assistência médica canadense, a eficiência energética suíça, a curiosidade científica americana, os programas antipobreza brasileiros e a felicidade tropical costarriquenha.

Naturalmente, no mundo real, a maioria dos países não conseguirá isso tão cedo. Mas, se abrirmos os olhos para as políticas bem-sucedidas no exterior, certamente aceleraremos o ritmo dos avanços nacionais em países por todo o mundo. (Tradução de Sabino Ahumada)

Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University. É também assessor especial do secretário-geral das Nações Unidas no tema das Metas de Desenvolvimento do Milênio.

Protestos muçulmanos

CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP


O vídeo "A Inocência dos Muçulmanos" (link), apesar de sua mediocridade, fez sucesso. Ninguém aguenta ver aquilo até o fim, mas o vídeo instigou a curiosidade dos internautas quando se soube que ele era a causa dos violentos protestos que se alastraram pelos países muçulmanos, nas últimas duas semanas.

Esquecendo os terroristas que se aproveitaram desses protestos para semear a morte, a visão dos desfiles e dos quebra-quebras foi instrutiva e desalentadora. Instrutiva por nos explicar, mais uma vez, a diferença cultural que separa o Ocidente do islã, e desalentadora porque a esperança de um entendimento recíproco parece pequena.

a) Os cristãos terão dificuldade em sentir empatia com os muçulmanos indignados pelo vídeo, pelas caricaturas dinamarquesas de seis anos atrás etc. Afinal, aqui, Jesus é uma marca de calças jeans e uma personagem de "South Park". No YouTube, encontrei um grupo francês, "Les Vampires", que, como capa de seu disco sobre a homossexualidade de Jesus, propõe o Cristo com uma mão pregada na cruz, enquanto, com a outra, ele se masturba.

Os cristãos se deleitaram com "O Código da Vinci", um best-seller, que explica que Jesus teve filhos com Maria Madalena e a igreja nos escondeu tudo isso até hoje. Qual empatia possível com os que condenaram à morte Salman Rushdie por ter escrito "Os Versos Satânicos", um grande livro, mais citado que lido, em que há sequências oníricas das quais eu nunca entendi por que seriam ofensivas para o islã? Nota: acaba de sair a autobiografia da clandestinidade de Rushdie, "Joseph Anton, Memórias" (Companhia das Letras).

b) Imaginemos, por um instante, que eu não me aguente e queira manifestar minha indignação com "Les Vampires". Uma das últimas coisas que eu faria seria atacar a embaixada da França.

Entendo que os protestos atuais passem a ser contra países cuja política seria mais favorável a Israel do que à Palestina. Mas o fato é que, neles, as massas muçulmanas reagem como se considerassem que um pensamento é a expressão e a responsabilidade do grupo ao qual seu autor pertence. No mínimo, o grupo (a nação) seria culpado porque não sabe disciplinar seus membros.
Ora, prefiro, de longe, aturar "Les Vampires" a exigir que os Estados se tornem guardiões do que pensam seus cidadãos.
Já houve épocas (não tão remotas) em que queimávamos e torturávamos pessoas que pensavam fora dos trilhos da igreja. Mesmo naquelas épocas, ninguém imaginava que os produtos das consciências individuais fossem responsabilidade do grupo ou da nação.

c) O comentário mais interessante que li nestes dias foi a citação, feita por Clóvis Rossi, de Yaron Friedman, no jornal israelense "Yediot Aharonot": "Na consciência árabe e muçulmana, Maomé e seus primeiros califas [chefes político-religiosos] do século 7º simbolizam a idade de ouro do islã e a gênese de um império árabe-muçulmano que chega ao século 12 na vanguarda do desenvolvimento cultural mundial".

"Toda ofensa feita ao profeta é cutucar a lembrança do estatuto de inferioridade no qual se encontra, desde o século 19, o mundo árabe-muçulmano em relação ao Ocidente."

É quase uma regra: qualquer suscetibilidade extrema é o sinal de uma fragilidade interna. Em outras palavras, a facilidade com o qual eu me sinto ofendido revela que eu mesmo devo concordar, ao menos em parte, com a ofensa que recebi.

Ou seja, a suscetibilidade muçulmana manifesta que deve existir, na alma muçulmana, um conflito entre o tradicionalismo religioso e uma aspiração à liberdade em suas manifestações modernas ocidentais.

d) Alguém perguntará: se estamos dispostos a aturar qualquer expressão individual, será que, para nós, nada é sagrado? Será que nenhuma opinião nos ofende a ponto de nos dar vontade, por exemplo, de manifestar?

Resposta. O que é sagrado para mim não é tal ou tal outra opinião -ainda menos a minha. O que é sagrado é o próprio direito de expressar uma opinião e de viver segundo ela manda.

Se uma mulher no Irã queima uma bandeira dos EUA ou da França, acho que é seu direito. Mas, se ela for apedrejada por ser adúltera, irei para a rua pedindo que a gente intervenha com tudo o que temos. Por ser ocidental e moderno, durmo bem com os insultos de quem pensa diferente de mim. Só não durmo bem com o grito dos indivíduos impedidos de se expressar e de viver segundo a liberdade de sua consciência.
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Os dólares do 'seu' Jacques. E os de Dilma


CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O Globo



"Seu" Jacques, conhecido da nossa família no interior de São Paulo, dono de loja de artigos variados, aplicava todas suas economias em dólar. Dólar mesmo, verdinhas, que guardava em casa. Isso faz muito tempo, dos anos 50 para os 60. Quando nós, os mais jovens, começamos a achar que entendíamos de política e economia, tentamos convencer "seu" Jacques que havia investimento melhor. Sim, admitíamos que ele, imigrante que escapara da Rússia em circunstâncias tão dramáticas quanto corajosas, sabia como fora crucial ter uma moeda aceita em qualquer lugar do mundo. Mas agora, mundo novo, dizíamos, ninguém vai sequer pensar em perseguir sua família.

Tudo bem, dizia ele, com sotaque forte, e explicava sua teoria: "Conhece alguém que ficou pobre com um monte de papel na mão? Já viu. E sabe de alguém que ficou pobre com um monte de dólares na mão?" Ou seja, dólar é risco zero. Tanto tempo depois, na era do capital financeiro, a teoria continua valendo. Reparem no dia a dia do mercado global: toda vez que algo se complica, os investidores correm para aplicar em títulos do governo americano. É papel, certo, "seu" Jacques não gostaria, mas valem verdinhas e podem ser trocados a qualquer momento.

Inversamente, quando o ambiente se acalma, os investidores globais voltam aos chamados mercados de risco - títulos do governo brasileiro, por exemplo, ações na bolsa chilena - que pagam mais no momento, embora os reais e pesos equivalentes não sejam aceitos na Sibéria, sequer aqui por perto.

Comprar os títulos do Tesouro americano é perder dinheiro. Os papéis de dez anos pagavam ontem 1,6% ao ano. A inflação americana e a mundial estão passando disso. E se você resolver trocar tudo por dólar-dólar, também vai perder dinheiro.

Como voltou a dizer a presidente Dilma, a moeda americana está sendo desvalorizada em consequência das ações do Federal Reserve, Fed, o banco central dos EUA. O Fed está simplesmente imprimindo trilhões de dólares, o tsunami monetário, para comprar papéis privados, irrigar o crédito e, assim, estimular investimentos e consumo.

Quer dizer, isso é o que dizem lá. Nosso governo aqui desconfia que o objetivo do Fed seja provocar uma valorização global de todas as outras moedas e assim encarecer as exportações de todo mundo para os EUA, enquanto barateia as exportações americanas para o mundo todo.

De fato, o dólar se desvalorizou quando o Fed anunciou seu último programa. Mas, tirante Brasília e um ou outro, o mundo bateu palmas. Ocorre que o pessoal viu nessa política um caminho para tirar os EUA da crise, o que é bom para todos.

Reparem: se tudo correr bem, as famílias americanas vão torrar algo como US$ 10 trilhões neste ano. Comprando casas, como espera o Fed, pagando serviços, mas também importando mercadorias do mundo todo, inclusive do Brasil.

Nesse caso, o real fortalecido não será problema, pois todas as demais moedas, especialmente dos emergentes exportadores de commodities, também estão se valorizando em relação ao dólar. Assim, não se altera a posição relativa dos competidores dentro do mercado americano.

Também não há problema nas exportações brasileiras para outros países, já que todos sofrem igualmente o impacto da desvalorização do dólar. Só haveria dificuldades ali onde o produto brasileiro compete com o americano - mas isto é muito pouco. O governo brasileiro, por exemplo, está dando incentivos para a montagem de iPhones no Brasil. Ora, não existe um iPhone sequer fabricado nos EUA. Lá eles fazem o projeto, o desenho, o software, o marketing.

Já perceberam, não é mesmo? Há, sim, um país que ganha competição nessa história toda, a China, que mantém sua moeda alinhada ao dólar. (OK, os chineses têm permitido a valorização do yuan, mas lentamente e interrompida toda vez que há algum stress.) E é com os chineses que os manufaturados brasileiros (iPhones incluídos) têm que concorrer nos EUA, no mundo todo e inclusive aqui no Brasil.

Por que a presidente Dilma não reclama da China? Nesse caso, aliás, seria de interesse do Brasil associar-se aos EUA na bronca com os chineses na Organização Mundial do Comércio. Ou será que o pessoal em Brasília ainda acha que a China é aliada nessa ação, digamos, "anti-imperialismo"?

Por outro lado, o Banco Central brasileiro continua comprando dólares e engordando as reservas. São dólares desvalorizados, mas "você não vai ficar pobre com isso", diria seu Jacques.
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Força invisível

Todos meus professores no Mestrado de Segurança e Defesa que fiz em 2007, em Washington DC eram civis, mais da metade de meus colegas de classe, diplomatas dos países da três Américas eram civis. Mais da metade dos assistentes dos seminários na National Defense University, American University e Georgetown University aos quais participei, também eram civis.

Os civis levam muito a sério segurança e defesa em seus países. Aqui, em função da fatia ideológica da mídia e do governo os civis não se interessam.

Caros amigos, aproveitem e estimulem parentes, amigos para na área de Rel. Internacionais ou Direito  ou Sociologia para que migrem para esta fabulosa gama de oportunidades para o futuro. 

Os argumentos foram muito bem colocados no artigo abaixo.


Força invisível 
LUÍS CLAUDIO DE SANTANA
O Globo



Com a projeção alcançada no cenário internacional, destacadamente por ter se tornado a 6ª economia mundial e descoberto gigantescas reservas de óleo e gás no pré-sal, o Brasil se legitimou para assumir um protagonismo inédito.

Mas nenhum país se torna uma grande potência sem ter à altura uma estrutura de defesa condizente com sua pretensão. Não para promover guerras, mas para evitá-las, ao demover potenciais contendores tentados a subjugar a soberania de outras nações.

A criação do Ministério da Defesa, em 1999, foi a primeira relevante medida tomada para modernizar a estrutura nacional de defesa e evitar que continuem vulneráveis 15 mil km de fronteira seca, 8 mil km de litoral e espaço aéreo de dimensões continentais.

A segunda grande decisão política foi o encaminhamento ao Congresso Nacional da Estratégia Nacional de Defesa (END), concluída em 2008, que prevê investimentos no sistema de defesa, inclusive no que diz respeito aos recursos humanos que irão operá-lo.

Há três eixos no programa:

1) reorganização das Forças Armadas;

2) reestruturação da indústria brasileira de material de defesa;

3) implementação de uma política de composição de efetivos.

O texto do decreto que aprovou a END reconhece expressamente a inexistência de carreira civil como uma das principais vulnerabilidades do setor. Contudo, paradoxalmente, para superá-la, a END trata da criação de uma carreira de especialistas, sem incluir o aproveitamento dos civis que já fazem parte da Defesa.

Deve ser consenso que os profissionais civis das Forças Armadas também exercem um protagonismo estratégico. Afinal, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica não dependem exclusivamente dos militares treinados para operar os tanques, canhões, caças e submarinos.

Os servidores civis que pertencem à estrutura do Ministério da Defesa são imprescindíveis às três Forças. São mais de 23 mil profissionais na ativa - mais de 15 mil deles no RJ - exercendo atividades que garantem o suporte logístico e administrativo indispensável às ações, aos estudos e aos treinamentos desenvolvidos pelos militares.

São cientistas, engenheiros, professores, médicos, enfermeiros, administradores e mecânicos que deveriam fazer parte de uma carreira única de Defesa. Nos países tecnológica e militarmente mais avançados, a presença do civil em apoio ao militar é considerada fundamental aos projetos de defesa.

Por isso, é incompreensível que o Estado brasileiro não promova sequer ações de incentivo à permanência dos civis nessa função pública estratégica. O último concurso público para cargos destinados às áreas de logística e administrativa ocorreu em 1994! Os civis adquiriram conhecimentos valiosos em pesquisas científicas, atividades acadêmicas e programas de construção, manutenção e reparo de submarinos, aeronaves e tanques de guerra, que não podem ser desperdiçados.

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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Desaparecidos: Tráfico de órgãos e de pessoas.




Já repararam quantas pessoas desaparecidas aparecem no Face nos últimos dois anos. Perceberam que se intensificaram? Pois é, pesquisem acerca de tráfico de órgãos e de pessoas. São chamados Crimes Transnacionais ou Novas Ameaças, reconhecidos pela ONU e pela OEA, esta em Monterrey, no México, em 2003. 

Os trabalhos das comissões de Direitos Humanos e de Segurança e Defesa, no Congresso Nacional, tratam desses assuntos. De forma discreta junto com a Polícia Federal. É assustador mas é real. É um mercado mundial bilionário e tem muuuita gente graúda envolvida. 

Aliás é uma dinâmica comum em todo mundo que trata esse tipo de assunto, junto com terrorismo e bio-terrorismo com profundidade e com seriedade. 

Aqui, como graúdas figuras do atual governo se envolveram com o terrorismo esses assuntos são de trato limitado e restrito. Nosso país é grande e de difícil controle.

Rezar?



ROBERTO DaMATTA
O Estado de S.Paulo


Rezamos todos ou a reza, como reza o hábito, é um atributo (ou um privilégio) dos que acreditam em alguma coisa? Acreditar é um verbo poderoso. Talvez o mais poderoso de todos, porque ele afirma algo que é ou não é, dependendo do ponto de vista. Eu acredito em Deus!, diz Francisco; Eu não!, responde José. Acredito que o mundo vai acabar em dezembro deste ano e que o mensalão é obra das elites reacionárias, de uma imprensa corrompida e de um Supremo Tribunal Federal golpista, dizem os defensores de Lula.

O pragmatismo inocente afirma que "gosto não se discute", mas se aplicarmos isso ao verbo crer, o mundo se abre a uma torrente de loucuras. De fato, aprendemos que o verbo acreditar também tem limites. Não há como acreditar em Papai Noel ou que a morte não exista fora dos simbolismos culturais e religiosos. Crer é um direito e um ato de fé.

Há quem acredite em X, Y e Z - e há quem não acredite em X, Y e Z. Então X, Y e Z têm um lado oculto (ou tenebroso) que a suposta luminosidade do crer não alcança. O não crer obriga o crente a ver o todo. O crer, por seu turno, leva o cético a ver o lado que lhe falta e que ele imaginava não existir.

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Esta pobre meditação é o resultado de um fato concreto e do meu mal-estar relativo ao mundo político brasileiro.

Primeiro, o fato.

Morre uma professora dedicada. Eu não a conheci, mas pelas mensagens que recebo, relembro como é dura a reconciliação com a presença concreta da morte para seus entes queridos. Eis que, no meio das mensagens, um padre solidário com a perda espera não constranger os seus colegas ateus com suas preces. Poucas vezes me deparei com um exemplo de tamanha delicadeza e sensibilidade. Que os ateus me desculpem, eu não rezo para ofendê-los, diz o padre.

Como um conforto ao sacerdote, eu desejo sugerir que todos rezam. Uns acreditando, outros sem acreditar. Mas, perguntaria um crente: como rezar sem um Deus? Ora, responderia o ateu, e como rezar para divindade se o rezar é um ato pelo qual se aceita o mundo tal como ele é? Na sua bondade e maldade, nas suas trevas e luzes? Mais do que reconhecer, suplicar ou tentar estabelecer um contrato com as divindades, a prece é, já dizia Mauss, o ato religioso mínimo para entrar em contato com o sobrenatural que nos cerca e aterroriza, sejamos crentes ou ateus.

Rezar é reconhecer nossa finitude, fraqueza, carência, angústia e solidão. É admitir que vivemos numa totalidade que não podemos conhecer completamente. É um ato que pertence ao que Gregory Bateson chamou de "uma ecologia da mente". Pois, quando rezamos, suspendemos o aqui e agora dominados pelo eu para irmos de encontro ao todo. Rezar é admitir que há no mundo seres e situações estranhas, acima (ou abaixo) dos elos entre meios e fins. Há quem use um canhão para matar um passarinho e quem tente enfrentar gorilas com poesia. O mundo não é claro como querem os materialistas, mas também não é absolutamente escuro como desejam os crentes.

* * * *

Eu ando rezando às claras e às escuras. Vejo no Brasil que julga o mensalão um dado novo e alarmante para os poderosos de todos os matizes e de todas as estirpes.

Este é um julgamento que pela primeira vez na nossa História vai traçar limites não apenas para quem cometeu ilegalidades no poder, mas nos contextos ou situações engendradas por quem o ocupou e, sobretudo, por quem se deixou ocupar pelo poder.

Meu mal-estar com relação ao Brasil tem a ver com a força de quem tem certas crenças. E para quem tem certas crenças, os fins justificam os meios. Ser poderoso é, no Brasil, bradar pela ausência de limites. Será mesmo possível punir um poderoso no Brasil? É possível aceitar o erro de um petista, mesmo sendo petista? Pode-se admitir que os petistas, como a maioria dos seres humanos, são também ambiciosos e podem errar, como foi o caso do mensalão e, pior que isso, o aliar-se em São Paulo ao sr. Maluf?

Pode-se ser de esquerda deixando de lado o chamamento milenarista que promete um mundo perfeito quando perpetuamente governado por um messias? Seria possível ter no Brasil uma administração pública na qual oposição e situação aceitem os seus erros e tenham consciência dos seus limites?

Será que hoje não estamos num tempo em que a ética tem sido comida pelo político e pela "política da coalizão", que foi a alma do fato em causa? Politizar negativamente é impedir a visão do todo como sendo feito de parcelas diferenciadas. Se você, leitor, concorda comigo, reze. Se não concorda, reze por mim.
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Cautela no otimismo



JORNAL DO COMMERCIO (PE)


A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) divulgada há poucos dias com informações referentes ao ano passado traz motivos de otimismo para os brasileiros. Mas é preciso conter o exagero no entusiasmo. Os bons números revelam a esperada evolução da nossa economia, mas ainda estão longe de representar a redenção do País, que luta para alcançar patamares razoáveis de desenvolvimento e qualidade de vida. 
O rendimento médio teve um crescimento real, acima da inflação, de 8,3% em comparação a 2009, chegando a R$ 1.345. O Nordeste continua com o valor mais baixo, de apenas R$ 910. A faixa de população mais pobre teve um aumento de quase 30% neste período, fazendo com que a desigualdade medida pelo índice de Gini caísse um pouco, de 0,518 para 0,501. O acesso a telefones celulares deu um salto, passando de 57% para 69% dos domicílios pesquisados. As residências atendidas por rede de esgoto chegam a dois terços do total, num crescimento de 3%. Foram gerados 3,6 milhões de empregos formais nestes dois anos. Em um setor que funciona como o termômetro da economia, a construção civil, o crescimento do emprego superou 13%. O IBGE também anunciou a taxa de desemprego de agosto: 5,3%, a menor em dez anos. A facilidade de crédito e os bons ventos da economia não deixam de ter efeitos colaterais. No último dia 20, o Banco Central divulgou que o endividamento das famílias alcançou nível recorde em junho, comprometendo 22,38% da renda mensal. E cerca de 44% do rendimento familiar acumulado em doze meses foi comprometido pelo pagamento de dívidas. 
O endividamento é um risco maior se forem levadas em conta as dificuldades para o Brasil obter ganhos de produtividade. É o tipo do investimento básico que temos cada vez maior urgência em fazer. E produtividade não é um conceito distante do cidadão comum, fruto do economês academicista. Pelo contrário. É preciso compreender a produtividade como o resultado de dois fatores principais: educação de alto nível e conhecimento aplicado na inovação de processos estagnados. Com o envelhecimento da população, também detectado pela Pnad, a questão da produtividade deveria ter a mesma relevância observada em nações como a Alemanha. 
Neste sentido, é preocupante a informação da Pnad de que o percentual de jovens de 15 a 17 anos nas escolas, em vez de subir, caiu, entre 2009 e 2011, saindo de 85,2% para 83,7%. São jovens que não trabalham nem estudam, ficando vulneráveis aos problemas da marginalidade. Além disto, há um exército de analfabetos acima de 15 anos: são quase 13 milhões, dos quais mais de 8 milhões passaram dos 50 anos de idade. A realidade regional, para nós, é pior. A quantidade de analfabetos jovens e adultos no Nordeste se aproxima de 7 milhões de pessoas, e as crianças em trabalho infantil ultrapassam 300 mil. Assim como o País não está imune aos efeitos da crise global, Pernambuco deve estar atento ao cenário nacional. Todo otimismo deve ser temperado com cautela, sem esquecer o trabalho imenso a nossa frente.
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A REDUÇÃO DA DESIGUALDADE



O ESTADO DE S. PAULO


Uma das grandes marcas da economia brasileira nos primeiros dez anos do novo século foi a redução simultânea da pobreza e da desigualdade, como confirma o estudo intitulado A Década Inclusiva (2001-2011), recém-divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo, quanto à divisão da renda e da riqueza, mas ninguém pode menosprezar a melhora das condições de vida de cerca de 40 milhões de pessoas e sua incorporação ao mercado de consumo. Em outros grandes países emergentes, o crescimento econômico nos últimos 20 anos foi acompanhado de redução da pobreza e aumento da desigualdade, porque a situação de alguns grupos melhorou muito mais rapidamente que a de outros. Em várias potências do mundo rico, a distribuição tem-se tornado mais desigual desde o quarto final do século passado, numa trajetória quase sem desvio, seja em tempos de crise ou em fases de prosperidade.
A mudança mais visível, no caso do Brasil, foi a diminuição da pobreza. Por qualquer dos critérios adotados para definir a população pobre, a redução desse contingente, no País, foi superior a 55% em menos de dez anos, de acordo com os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) analisados pelos técnicos do Ipea. Em menos de um decênio, o País alcançou uma das mais importantes Metas do Milênio fixadas pela Organização das Nações Unidas nos anos 90 - o resgate de metade dos pobres num prazo de 25 anos. Ao mesmo tempo, as políticas adotadas permitiram reduzir de forma significativa o indicador de desigualdade. Durante três décadas, a partir de 1970, o Índice de Gini - o mais usado para medir a distribuição de bens - pouco havia variado, permanecendo próximo de 0,6. Esse índice varia entre zero e um. Quanto mais baixo o número, menor a desigualdade. O índice caiu de 0,59 em 2001 para 0,53 em 2011.
Durante esse período, a renda dos grupos mais pobres cresceu muito mais rapidamente que a dos mais ricos. A dos 10% mais baixos na escala da renda aumentou 91,2% ao longo de dez anos, enquanto a dos 10% do topo acumulou um crescimento de 16,6%. De modo geral, o aumento foi maior para os grupos da metade inferior da escala.
Várias fontes de renda contribuíram para a redução da desigualdade. A mais importante foi o trabalho, com peso de 58%. A análise aponta, em seguida, a Previdência (19%), o Programa Bolsa-Família (13%), os benefícios de prestação continuada (concedidos a certos grupos de idosos e de deficientes) e outras (6%), como aluguéis e juros.
O aumento da renda do trabalho foi de longe, portanto, o fator mais relevante. Esse aumento decorreu principalmente da valorização do salário real, dependente tanto da expansão do emprego como do aumento do salário mínimo. Curiosamente, os dois fenômenos - a expansão do emprego e a elevação dos salários - ocorreram num cenário de crescimento econômico muito menos acelerado que o de países como a China, a Índia e outros emergentes. O espetáculo do crescimento, como observou o novo presidente do Ipea, Marcelo Néri, foi sobretudo o do crescimento econômico dos pobres.
Será sustentável essa evolução? Afinal, a desigualdade no Brasil ainda é muito ampla e é preciso avançar muito até se alcançar um padrão mais aceitável. Uma das condições essenciais é o controle da inflação. Nenhuma política de valorização dos salários ou de transferência de recursos teria produzido resultados duradouros num ambiente de inflação elevada, como aquele anterior ao Plano Real, em 1994. Isso boa parte dos brasileiros parece haver aprendido. Outra condição importante é a manutenção de fundamentos econômicos sólidos.
Finalmente, é preciso fortalecer o lado da oferta - e isso inclui a melhora dos padrões educacionais e o investimento em ciência e tecnologia. Sem um setor produtivo capaz de responder à elevação da demanda interna, o descompasso entre o aumento da renda familiar e o potencial das empresas resultará em graves desequilíbrios internos e externos e em crises devastadoras, como as já vividas muitas vezes no Brasil.
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