Antonio de Azevedo Sodré
Valor Econômico
A sanção presidencial do novo texto do Código Florestal será decisiva para as duas grandes vertentes do tema da reforma: a importância de se proteger o meio ambiente e a necessidade de assegurar uma crescente produção de alimentos e, assim, garantir a sobrevivência de nossos filhos, netos, bisnetos e seus filhos.
O Brasil tem 61% do seu território ocupado por vegetação nativa, em sua maioria densas florestas, e adota práticas modernas no trato da terra, tais como agricultura de precisão, plantio direto, uso de sementes selecionadas e agricultura de baixo carbono. A maioria dos produtores rurais preserva solo, água e vegetação nativa. A agricultura como atividade econômica tem apresentado números expressivos tanto de aumento físico da produção como de aumento da produtividade.
Líder em produtividade agrícola de diversos produtos, o Brasil apresenta índices de crescimento acima da média mundial, segundo estudos recentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Enquanto países desenvolvidos, como França, Inglaterra e Estados Unidos, crescem abaixo da média histórica de 1,48% ao ano, verificada no período que compreende os anos de 1961 e 2007, o crescimento anual da produtividade do Brasil é de 3,6% ao ano, comparativamente aos 2,6% da América Latina, 0,86% dos países desenvolvidos e 1,98% para o conjunto de países em desenvolvimento.
Com desempenho tão exuberante, a agropecuária ocupa uma pequena parcela do território brasileiro (27,7%). Por outro lado, a maior parte do território nacional é coberta por vegetação nativa (61%).
Controvérsias não foram totalmente solucionadas, mas deve-se reconhecer que houve grandes avanços
Então, qual a razão das divergências surgidas durante a discussão do novo Código Florestal? Basicamente, de um lado a defesa intransigente da legislação anterior que o tempo mostrou ser ineficaz e inaplicável; de outro, a busca para adequar a legislação à realidade de forma a torná-la eficaz e dar início a um novo ciclo de proteção da vegetação nativa.
Do ponto de vista da produção de alimentos, os grandes avanços do texto aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal podem ser sintetizados da seguinte forma: houve uma adequação das restrições de uso sobre as pequenas propriedades possibilitando a sua continuidade; foi reconhecida a necessidade de se ressarcir o produtor rural pelo não uso da terra muito embora não se tenha definido como fazer; foi reconhecido o princípio jurídico da inter-temporalidade das leis e, como consequência, não há obrigatoriedade de recomposição e ou instituição da Reserva Legal quando a supressão da vegetação nativa ocorreu respeitando a legislação vigente na ocasião; foi admitida a inclusão das áreas de proteção permanente (APPs) no cálculo da Reserva Legal que pode ser instituída no mesmo bioma independentemente de bacia, com utilização de espécies exóticas (até 50% da área) e em alguns casos frutíferas; ocorreu a suspensão dos termos de ajuste de conduta - (TACs, implicitamente) e das multas (explicitamente), com prazo para os produtores se ajustarem à nova realidade.
Do ponto de vista ambiental, os grandes avanços são a implantação de uma legislação florestal viável, que concilia proteção com produção; a criação de um cadastro ambiental rural (CAR), que permitirá o controle efetivo com monitoramento via satélite; um programa de regularização ambiental (PRA), que incentiva a preservação; a concessão de um prazo factível para que as recuperações ocorram; o reconhecimento de que a competência para legislar sobre meio ambiente é concorrente como prevê a Constituição Federal; foram introduzidas definições legais que deverão reduzir os questionamentos e dando mais segurança jurídica aos operadores do Direito Florestal; em síntese, foi conquistada a promulgação da mais avançada lei de proteção das florestas em todo o mundo.
O que se espera para o futuro é que os produtores passem a regularizar suas propriedades com base na nova lei, usando como instrumento tanto o CAR como o PRA. Para isso, Estados e município deverão se aparelhar. Entretanto, em primeiro lugar, o governo terá que conquistar a confiança dos produtores rurais, pois sem isto não teremos nem CAR nem PRA.
Alguns questionamentos legais são esperados. No texto aprovado, as restrições ao uso da propriedade não são meras limitações administrativas, mas avançam sacrificando direitos. Em nosso entender, ao exigir plantio e a conservação, atos que obrigam desembolso de recursos, as limitações do uso da propriedade caracterizam desapropriação indireta, exigindo indenização. Isso poderia ter sido evitado com a inclusão da sugestão apresentada por um representante da BM&F Bovespa de criação das Certificado de Cotas de Reserva Ambiental (CCRAs), pois a sugestão contém uma solução inteligente. Se adotada, fará com que os produtores - que conservam APPs e Reservas Legais - passem a receber pelos serviços ambientais por meio de um mecanismo de mercado, sem onerar o Tesouro Nacional.
São também esperados questionamentos quanto ao alegado desrespeito do princípio da irretroatividade das leis ambientais. Nestes e mesmo em outros aspectos, as controvérsias não foram totalmente solucionadas, mas devemos reconhecer que foram conseguidos grandes avanços, fruto de muito trabalho e de concessões mútuas. O maior dos avanços foi ambiental, tendo em vista que antes da nova lei não era possível proteger porque a proteção era, na prática, inviável. Agora temos uma lei que pode ser aplicada. Este é o bem de maior valia, obtido entre tantas divergências e democraticamente, ora por consenso ora no voto, neste último com ampla maioria. O Congresso aprovou um texto de consenso (PL 21/2012), fruto de longas discussões e concessões de parte a parte. O texto aprovado, e que representa o melhor ponto de equilíbrio alcançado, passa à sanção presidencial.
Vetar ou não é uma prerrogativa presidencial. Mas, para assegurar a paz no campo, é importante manter o que foi acordado por unanimidade entre os congressistas. Houve uma construção exitosa do texto, o melhor possível para se colocar a produção de alimentos e a preservação ambiental na rota de convergência.
Está mais do que na hora de concluir este ciclo democrático de discussões e dar início às etapas seguintes de regulamentação do novo Código Florestal verdadeiramente capaz de enfrentar os atuais desafios de produzir alimentos preservando o meio ambiente.
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