domingo, 16 de setembro de 2012

Esquerda de butique

O antropólogo Hélio Jaguaribe chamava, décadas atrás, de "esquerda festiva".
Vale a pena a reflexão.



Esquerda de butique
 Plácido Fernandes Vieira
Correio Braziliense 


Nada me irrita mais do que um esquerdista de butique. O reacionário filhinho de papai que posa de avançado na mesa de bar, mas nunca participou de verdade do movimento estudantil, sindical ou partidário. Aquele cara antenado, festivo, falastrão, mas incapaz de emitir opinião própria. Tem como guia sempre o guru da moda. Seja ele Mao, Stalin, Fidel, Chávez, Lula... Mas, na prática, não perde uma chance de correr atrás para puxar o saco e babar o chefe ou o patrão "burguês". O discurso em defesa da classe operária, dos fracos e oprimidos e dos direitos sociais costuma ser apenas da boca pra fora. Pra consumo da patota que o cerca e o acha um sujeito legal. Sacou, velho?

O esquerdista de butique defende os direitos humanos e a livre expressão apenas dos cidadãos progressistas que vivem em sociedades burguesas. Se o país for "socialista", ele acha mais que os opositores, aquelas pessoas chatas que ficam cobrando democracia e eleições diretas, têm mesmo é de ser torturadas ou mortas. Se um governo de direita ou de centro concede algum tipo de bolsa ou auxílio à população mais pobre, logo ele tacha o benefício de "esmola", de tentativa de cooptar o voto dos grotões. Agora, se um governante "progressista" faz a mesma coisa, aí já não se trata de cooptação dos alienados, mas de programa de distribuição de renda.

O esquerdista de butique acha que reparação racial pela barbárie que cometemos contra os negros é criar cotas para facilitar o ingresso desses cidadãos nas universidades públicas. Não é não, meu chapa. A dívida é muito maior que o jeitinho para eles entrarem nas federais pela porta dos fundos. Se não fosse a demagogia, o governo trataria de melhorar o ensino oficial. E, enquanto não consegue essa proeza hercúlea, cuidaria para que, desde cedo, filhos de famílias negras de baixo poder aquisitivo tivessem a melhor educação possível. Isso sim seria reparação. Cota é puro oportunismo eleitoreiro.

Esquerdista de butique odeia a altivez de um Joaquim Barbosa, que ascendeu ao topo da pirâmide pelos próprios méritos. Preferiam que ele se comportasse como um coitadinho devedor de favores ao guru da vez. Relator do processo do mensalão no STF, Joaquim contraria os interesses de uma pseudoesquerda que defende como legítimo o desvio de dinheiro público para se perpetuar no poder. O julgamento pode ajudar a ressurgir a verdadeira esquerda no país, aniquilada desde a eclosão do escândalo denunciado por Roberto Jefferson em 2005. Tomara que ressurja com novos valores e propostas capazes de despertar na juventude brasileira, outra vez, o gosto pela política.
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