Angela Bittencourt - Valor Econômico
Marsh alerta para pressão do risco político em 2018
O Brasil vive hoje em "estado de exceção". Não se trata do Estado de Exceção classificado pelo Direito Constitucional, em que os cidadãos não podem contar com a legislação para se defender ou têm seus direitos cassados em nome do estabelecimento da ordem e paz social. É fato que o governo Temer lançou na sexta-feira, pela segunda vez em três meses, o decreto que prevê Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que autorizou o uso das Forças Armadas em todo o território nacional para desobstrução de vias públicas federais tomadas por caminhoneiros em protesto contra o preço do óleo diesel. Em fevereiro foi adotado decreto semelhante quando definida a intervenção federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. No sábado, o presidente Michel Temer assinou mais um ato que permite ao governo assumir o controle de caminhões para desobstruir as rodovias.
A demora do governo em negociar com os caminhoneiros condições que poderiam evitar a expansão de bloqueios precipitou um acordo que não foi aceito por toda a categoria. Resultado: o governo federal e os governos estaduais e municipais (não necessariamente juntos) atravessaram o fim de semana em busca de decisões alternativas para tirar os caminhões das estradas, evitando assim a paralisação do país nesta segunda-feira.
E aqui entra o "estado de exceção" a que a coluna se refere: a adoção de medidas extraordinárias pelas autoridades monetárias para que o mercado financeiro mantenha sua funcionalidade neste momento em que eventos também extraordinários tiram o país dos eixos.
Nesta segunda-feira, na terça e na quarta, o Tesouro Nacional realizará leilões extraordinários de compra ou de compra e venda de NTN-F com vencimento em janeiro de 2025, 2027 e 2029. O objetivo do Tesouro é dar suporte ao mercado de títulos públicos e correlatos. O Tesouro não disse, mas esses leilões anunciados na sexta-feira à noite darão ao mercado e também ao Tesouro a oportunidade de redefinirem taxas de juros. Essa ação é necessária quando a instabilidade nos mercados é tão intensa que inviabiliza a correção natural de preços dos ativos.
O Tesouro suspendeu ainda os leilões tradicionais de venda de títulos nesses três dias. Em consequência, perdas de investidores, decorrentes do desalinhamento de taxas de juros, tendem a ser contidas e o governo provavelmente terá assegurado o refinanciamento de sua trilionária dívida pública.
A atuação conjunta do Tesouro e Banco Central não foi anunciada como ocorreu no último trimestre de 2015, também no último trimestre de 2016 e no segundo trimestre de 2017. Isso porque o BC já está intervindo no mercado de câmbio há semanas, na venda de contratos de swap cambial, operação que tem o efeito de manter ou injetar mais dólares em mercado. Nesta segunda-feira e ao menos até o último dia do mês, o BC deve oferecer swaps em montante superior à venda destinada especificamente à substituição de cerca de US$ 5 bilhões de contratos que vão vencer em 1º de junho.
Em outubro de 2015, forçou a atuação conjunta do Tesouro e BC a instabilidade provocada pela exposição do então governo Dilma Rousseff à votação de vetos presidenciais pelo Congresso e das contas da União, de 2014, pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Em novembro de 2016, nova ação conjunta do Tesouro e BC ocorreu em meio ao cenário de incerteza em relação à política monetária americana e à vitória de Donald Trump à presidência dos EUA. Em maio de 2017, a divulgação do áudio com a conversa travada entre o empresário Joesley Batista, do J&F, e o presidente Temer - arrastado para o centro da Lava-Jato - justificou a operação orquestrada de Tesouro e BC.
Quatro intervenções excepcionais em quatro anos são reveladoras sobre o aumento do risco político e também do risco jurídico no Brasil que já não paga o juro "mais alto do mundo" aos investidores globais.
A Marsh, líder global do mercado de seguro e gestão de risco político, divulgou recentemente a edição 2018 do Atlas de Risco Político, em que classifica 200 países com pontuações calculadas a partir da avaliação de riscos políticos, econômicos e sociais que ameaçam a estabilidade das nações no curto e longo prazos.
O Country Risk Index da Marsh corresponde a escalas de risco país: quanto mais próxima de 80 a 100 pontos estiver a classificação, mais estável é o país; quanto mais próxima de 49 e abaixo dessa pontuação, maior é o risco oferecido aos investidores - sejam eles institucionais, empresariais ou governos. Nesta última edição do Atlas, perderam pontos na América Latina Brasil, México, Paraguai e Suriname. Brasil e México permanecem na segunda pior escala de risco, com Index Score entre 50 e 59 pontos. Da Europa, a Itália e sua barafunda eleitoral se juntou ao grupo do Brasil, em que já estavam Argentina, Costa Rica, Colômbia, Peru, Equador, República Dominicana, Mongólia, Gana, Namíbia, África do Sul, Gabão e Costa do Marfim.
Entre os latinos, Paraguai e Suriname estão abaixo de 49 pontos e se juntam ao grupo do barulho que abriga, entre muitos outros, Cuba, Síria, Ucrânia, Somália, Gabão, Venezuela, Bolívia e Afeganistão.
Compõem o time menos arriscado, com Index Score entre 80 e 100 pontos: Canadá, Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda e Suíça. Estão na segunda divisão dos mais estáveis - com pontuação entre 70 e 79 pontos - EUA, Alemanha, França, Coreia do Sul, Emirados Árabes, Japão, entre outros.
"O risco político segue como uma grande preocupação entre empresas multinacionais e investidores em boa parte mundo neste ano", diz a Marsh, que cita três gatilhos armados em direção ao risco global: manobras com mísseis pela Coreia do Norte; negociações no âmbito do Brexit que aumentam com a possibilidade de a Grã-Bretanha não chegar a um acordo na União Europeia; e maior protecionismo comercial. Os EUA são atores na maioria dos eventos que potencializam conflitos.
Ataques terroristas e fortalecimento de partidos de extrema direita, desde 2017, infernizam a Europa. Sucessão presidencial é risco presente em países latinos, inclusive o Brasil, e africanos.
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