domingo, 27 de maio de 2018

Da extrema esquerda a empresas, há adesão e pouca crítica ao paradão do transporte

Vinicius Torres Freire - Folha de S. Paulo

Movimento se tornou porta-voz acidental da raiva das ruas

Quase não se ouve crítica à parada dos transportadores de carga.

É fácil compreender que candidatos à eleição não se atrevam a atacar um protesto contra os detestados aumentos de combustíveis. Mas a adesão ao paradão caminhoneiro vai de empresários a movimentos sociais de extrema esquerda, todos tentando tirar casquinha de uma revolta popular entre bolsonaristas, quando não liderada pelos partidários do capitão da extrema direita.

Pesquisas sobre reações nas redes sociais indicam maioria favorável ao movimento, mesmo que falte gasolina e se espalhe o medo de desabastecimento de comida. A hashtag #TemerAbaixaAGasolina foi para o topo das paradas do Twitter.

Do outro lado, restaram praticamente a alma penada do governo de Michel Temer e os economistas-padrão, que muitas vezes vivem no mundo da lua em que a política é um exotismo exógeno.

Desde que o comércio ocidental ressurgiu, na Idade Média, empresários protestam contra desordens e bloqueios de estradas, digamos, em nota sarcástica. O paradão caminhoneiro, porém, começou com o apoio de várias associações empresariais.

Há protestos, como aqueles dos criadores de animais, da indústria de produtos de carne, de fabricantes de remédios e químicos, de carros. Em geral, são tímidos ou localizados. Não há grita empresarial organizada contra o que antes se chamava de baderna, ainda mais se organizada pela esquerda.

Durante a semana, a esquerda decidiu surfar a onda dos caminhoneiros, de costume seus desafetos. O PT reconheceu a justiça do protesto, mais para bater em Temer e na política entreguista e privatista da Petrobras, mal citando o povo dos caminhões. Mas a Frente Brasil Popular, de movimentos sociais próximos do petismo, e a Frente Povo Sem Medo, à esquerda, aderiram, assim como a CUT e o MTST, de Guilherme Boulos, presidenciável do PSOL.

Marina Silva (Rede) e Geraldo Alckmin (PSDB) ficaram numa crítica suave à falta de diálogo e à frequência dos reajustes da Petrobras, sem condenar sua administração de mercado, estraçalhada por Ciro Gomes (PDT). O Congresso quase inteiro bate em Temer e na Petrobras de mercado.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, presidenciável do DEM, pede que a Petrobras dê uma suavizada nos reajustes e detona Temer. Quer dar ao paradão o sentido de protesto contra impostos.

Henrique Meirelles, até ontem timoneiro da coalizão mercadista que levou Temer ao poder, foi meio nessa linha. Mas, para baixar impostos, diz, é preciso reformar a Previdência. Nota-se, porém, um desejo geral de não reformar coisa alguma, mas de transferir prejuízos privados para fundos públicos.

Empresas de transporte e seus clientes não querem micar com a alta do custo do combustível, que não conseguem repassar aos consumidores, na pindaíba. Reivindicam subsídios do governo falido, o qual ninguém quer bancar.

Há de fato uma revolta contra impostos e governos em geral, vitaminada pela raiva de quatro anos de crise, das corrupções e de Temer. Mas quase todo o mundo quer uma mão estatal, desde que bancada por outrem.

Essa conjunção de repulsas contaminou feito a peste o programa de reformas, como a da Previdência. É o sentimento que parece estar na base do apoio tácito ao movimento caminhoneiro, que se tornou um porta-voz acidental da raiva das ruas. Resta a pergunta: quem ou o quê se quer derrubar agora?

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