quarta-feira, 23 de maio de 2018

Populismo de Pochmann

SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 20/05

Não adianta negar as restrições do mundo, pois a conta sempre chega

O professor do Instituto de Economia da Unicamp Marcio Pochmann, responsável pelo programa do candidato do PT, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em 29 de abril, afirmou: "O fundamental no início do governo é um programa de emergência, que permita ao país sair da crise e voltar a crescer. Nós entendemos que a questão fiscal se resolve com volta do crescimento".

Certa feita, o presidente da Argentina Juan Perón escreveu em carta ao então presidente do Chile, Carlos Ibáñez: "Meu caro amigo: dê ao povo tudo o que for possível. Quando lhe parecer que você está dando muito, dê mais. Você verá os resultados. Todos irão lhe apavorar com o espectro de um colapso econômico. Mas tudo isso é uma mentira. Não há nada mais elástico do que a economia, que todos temem tanto porque ninguém a entende".

Para os populistas, a economia é elástica e a crise fiscal se resolve apertando o pé no acelerador e colocando a economia para crescer. Na América Latina o populismo produziu décadas de inflação e estagnação. A Argentina regride há sete décadas.

É compreensível que políticos escolham a estratégia populista. Dá resultados eleitorais. É péssimo para o país e para a sociedade e, principalmente, para os pobres --populismo sempre leva à crise e ao desemprego--, mas traz bônus eleitorais no curto prazo.

Quando técnicos ou intelectuais prometem o Paraíso, eles escondem dos cidadãos as reais limitações da economia e os verdadeiros problemas a serem enfrentados.

Pior ainda, dão munição à pior forma de política: a que procura manipular a opinião pública em busca de votos, evitando uma discussão civilizada e adulta de nossos problemas.

O desequilíbrio fiscal representa um genuíno conflito distributivo. Se no século 19 esse embate se dava prioritariamente no âmbito do confronto entre o capital e o trabalho, hoje seus principais campos de batalha são o Tesouro Nacional e o Congresso, que é a instância que arbitra o conflito.

Sempre haverá temas técnicos. Por exemplo, qual será o efeito desta ou daquela forma de tributação sobre o crescimento? E sobre a desigualdade e pobreza? Estes e outros temas demandam o debate sério informado com o melhor aporte da academia. Mas a decisão final é política.

A teoria demonstra, e nossa história já provou,que a política preconizada por Pochmann sempre nos levou à inflação e ao desemprego. Não há nenhum indício ou estudo acadêmico sério que indique que seria diferente desta vez. E, como já disse, das formas de tentar gerir o conflito distributivo, a única pior que a inflação é a guerra civil.

Pochmann, em artigo na Folha na quinta feira (17), chamou-me de paladino do governo para ricos. Mostrou os números dos lucros dos bancos no governo Temer. Se tivesse se dado ao trabalho de averiguar a lucratividade dos bancos nos anos Lula e Dilma, notaria que foi ainda maior do que no último biênio.

No início do governo Lula, Pochmann também foi contrário à focalização das políticas públicas nos mais pobres, princípio que está na base do programa Bolsa Família.

Uma das raízes da atual crise política foi uma campanha eleitoral em que se esconderam da sociedade seus limites, escolhas e conflitos. Repetir a estratégia, fugir a um debate civilizado e adulto, levará ao aprofundamento da crise.

Não adianta negar as restrições do mundo, pois a conta sempre chega. Na Argentina de Perón, na Argentina hoje e no futuro que Pochmann propõe.

Samuel Pessôa

Físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV

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