Por que Dilma Rousseff se recusa a afastar Palocci, ainda que temporariamente?
Eu não prejulgo, mas sou um pouco cético quanto ao desempenho de Dilma Rousseff como presidente da República. Digo isto sem medo de contradizer o comentário bem positivo que fiz anteontem sobre a decisão de privatizar a construção de novos terminais aéreos.
Para este ingrato ofício de analista político, eu me confesso idealista demais. Onde meus colegas só vêem jogo bruto, cargos, grana, essas coisas, eu de repente me pego preocupado com questões de princípio, valores e condições de legitimidade.
Para os cidadãos, a presidência não é só uma posição de mando, é também sua grande referência moral dentro do sistema político. E eles se relacionam com ela como se estivessem se olhando num jogo de espelhos. O símbolo que vier de lá eles devolvem. Se vem coisa boa, ótimo, eles se sentem moralmente bem e agradecem. Se vem coisa não tão boa, eles se olham outra vez no espelho e se fazem certas perguntas. Quem sou eu, afinal? Algum otário? Esta lição Fernando Collor deve ter aprendido.
Decididamente não estamos no melhor dos mundos possíveis. É certo que a sociedade anda meio ébria de tanto consumir, mas isto não quer dizer que esteja relaxada, desatenta ou despreocupada.
Não estou me referindo ao comportamento dos partidos de oposição, hoje sabidamente mais frágeis no Congresso que durante o governo Lula. O que me chama a atenção é o arqui-conhecido fenômeno do rebaixamento dos valores morais do país.
O rebaixamento moral é vez por outra promovido por personalidades que deveriam estar lutando contra ele, em virtude seja das posições de autoridade que ocupam, seja por se contarem entre os apoiadores mais entusiastas do novo governo. Faço aqui uma menção sucinta a dois casos recentes.
Dias atrás a imprensa noticiou a defesa de uma tese de doutorado apresentada na Unicamp pelo senador petista Aloísio Mercadante. Mesmo sem a ter lido, pus-me a pensar se a referida tese seria aprovada se o autor não fosse um senador da República e um destacado integrante do governo que ora se inicia.
Fiz outro dia um comentário negativo a respeito da “reabilitação” de Erenice Guerra na festa da posse. Erenice não foi absolvida, pois a rigor nem foi investigada. E, claro, Dilma tem todo o direito de afagar quem ela quiser; nada a impede de fazer como Lula, adotando São Tomás Bastos como santo de sua devoção. Atrevo-me, porém, a lhe sugerir atenção aos símbolos que a cada passo ela estará tecendo.
TRECHO ACRESCENTADO EM 25.05.11
Chegamos agora ao quinto mês do governo Dilma Rousseff. Causa-me espanto a rapidez com que o capital político por ela amealhado no início do ano está se dissipando.
Na economia, ela está fazendo mais ou menos o que eu pensei que ela fosse fazer: quase nada. No Congresso, quem a imaginou capaz de moderar o apetite por cargos do PMDB e do PT, sorry, enganou-se. Na área educacional, estamos vendo o MEC comprar livros deveras estapafúrdios para distribuição nos níveis fundamental e médio: alguns de flagrante teor ideológico-partidário, outros aconselhando leniência com o português mal falado e pior escrito. Na política externa, especificamente na questão dos direitos humanos, eu aplaudi de pé a posição da “presidenta” em relação ao Irã. Pensei que depois ela ia falar de Cuba, da Venezuela etc, mas até agora, nada.
E eis que de repente, não mais que de repente, a Dra. Rousseff tem sobre a mesa um caso que não comporta tergiversação: o do ministro Antonio Palocci. Não me consta que ele tenha o dom de multiplicar peixes, mas conseguiu o milagre de multiplicar seu patrimônio pessoal por 20 em exíguos 4 anos. Se isso é corrupção, só uma investigação séria poderá dizer. Mas que parece, ah isso parece.
Nesse particular, a presidente foi absolutamente enfática em seu discurso de posse: em seu governo, a corrupção não teria vez. Mas a orientação dada à bancada governista no Congresso sugere o oposto. Trata-se de uma “operação abafa” - uma das mais truculentas que já se viu no parlamento brasileiro – com o evidente propósito de impedir a inquirição do ministro.
Ora, na posição que ocupa, com o poder que tem, com o respaldo de uma enorme maioria governista, por que tanta preocupação em blindar o ministro-chefe da Casa Civil ? Não seria mais sensato prestar logo os esclarecimentos que o Congresso e a sociedade pedem e encerrar o assunto? Se nada houve de ilícito ou imoral no vertiginoso enriquecimento do Sr. Palocci, é óbvio que o “abafa” produzirá o efeito contrário. Será contraproducente. Lançará sobre ele uma densa nuvem de suspeitas, da qual ele não se livrará tão cedo.
Difícil de compreender, sobretudo, é a relutância da presidente em recorrer ao ótimo exemplo do presidente Itamar Franco em relação ao ministro Hargreaves em 1993.
Ao perceber que seu ministro se tornara alvo de denúncias de corrupção, Itamar não pestanejou: afastou-o temporariamente, de modo a facilitar as investigações e também para preservá-lo, na hipótese de nada vir a ser provado contra ele . Constatada a improcedência das denúncias, o presidente reconduziu-o ao posto que ocupava.
Por que Dilma Rousseff não acolhe o bom modelo do presidente Itamar Franco? Por que adota uma linha de conduta absolutamente oposta, confrontando a minoria oposicionista na base da truculência?
Difícil compreender isso, não?
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