XICO GRAZIANO
O Estado de S.Paulo
Lembrei-me da palavra, recorri ao dicionário do Aurélio e lá encontrei: "Espécie de enigma, linguagem obscura, embaraço, problema". Na hora pensei: encaixa-se na votação do Código Florestal. Alguém consegue decifrar essa charada?!
Tarefa difícil. Basta ver o imbróglio formado lá no Congresso Nacional. Durante duas semanas suas excelências bateram cabeça discutindo o relatório do deputado Aldo Rebelo. Quando tudo parecia estar resolvido, encrencaram entre si e suspenderam a votação. Por duas vezes.
Três Ministérios - os da Agricultura, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário - fincam pé em suas convicções, impedindo que se atingisse uma posição comum. Escalado para intermediar a encrenca, o ministro da Casa Civil ora pende para a agricultura, depois banca o meio ambiente, defende a agricultura familiar, conversa, tergiversa e, enfim, se cala. O governo nada define.
Os ambientalistas, puxados pelos mais radicais, apregoam o desastre ecológico. Alardeiam que a mudança no Código Florestal desgraça trará, no aumento do desmatamento, nas enchentes, no aquecimento global, quase o fim do mundo. "Desliguem a motosserra", bradam os ecoterroristas.
Acostumados secularmente a derrubar árvores para plantar, os ruralistas tradicionais seguem em sua toada produtivista. Dizem que a população precisa de comida, senão a fome vai aumentar, empregos serão desperdiçados, a renda sufocará o desenvolvimento. "Deixem-nos produzir em paz", gritam os agrodevastadores.
O tiroteio verbal que opõe o velho ruralismo ao ambientalismo radical confunde os jornalistas. Afeta a imprensa, porém, um viés urbanoide, aquele que teima em tratar o campo sob uma visão preconceituosa, distorcida. Desgraçadamente, dá cartaz meter a bucha nos fazendeiros.
Nessa guerra de informação, o cidadão interessado no assunto continua em dúvida. Onde está a razão? Afinal, a mudança no Código Florestal vai melhorar ou piorar a proteção das matas virgens no País?
Eu respondo: nem um, nem outro. O relatório final apresentado por Aldo Rebelo pouco altera os critérios que regulam a derrubada das florestas nativas. Além do mais, o odioso desmatamento ocorre à margem da lei, de forma clandestina, quase sempre mancomunado com a corrupção que cega os órgãos públicos. Caso de polícia ambiental.
De onde vem, então, a gritaria ambientalista? A nervosa reação surgiu quando o deputado relator propôs, inicialmente, reduzir pela metade as áreas de proteção permanente (APPs) na beirada dos pequenos rios, que cairiam de 30 para 15 metros. Uma temeridade.
Após grita geral, nova versão da proposta deixou claro que tal redução somente valerá naquelas áreas já desmatadas, cuja vegetação teria de ser recuperada. Entender esse ponto é essencial. O agricultor cuja margem de rio estiver florestada não poderá suprimir a vegetação ali existente na faixa de 30 metros. O desmatamento continua proibido.
Mas se ele - caso da maioria absoluta dos pequenos produtores rurais - estiver cultivando até perto da água que trespassa a propriedade, terá de recuar sua produção da margem e revegetar uma faixa de 15 metros. Prestem atenção: nessa charada florestal, a expressão correta é "recuperação ambiental", não se trata de desmatamento. Aqui está a saída do impasse.
A recuperação da mata ciliar expressa o desejo antigo dos agrônomos que defendem a modificação do Código Florestal. Acontece que a exploração agropecuária avançou desmedidamente sobre áreas lindeiras de nascentes e córregos, depauperando-as. Esse equívoco histórico da produção rural nos trópicos exige uma solução inteligente.
Nem toda ocupação nas áreas de preservação - várzeas, encostas, topos de morro ou matas ciliares - é degradante do solo. Basta ver os arrozais gaúchos, os cafezais da Mantiqueira, as macieiras de São Joaquim (SC) ou a pecuária leiteira alhures. Por outro lado, arar terra até a beirada do córrego para plantar canavial, ou qualquer outra cultura, é inaceitável. Um exagero.
Afigura-se excessivo, impraticável, no entanto, querer eliminar todos os terrenos de produção existentes nas APPs, exigindo a volta das matas. Quem defende tal regra deveria também lutar para extinguir a Avenida Paulista, instalada em topo de morro. Ou derrubar o Palácio da Alvorada, construído na mata ciliar do Lago Paranoá. Não faz sentido.
Talvez, é verdade, muitas dessas áreas de produção rural não devessem ter sido ocupadas no passado. Mas as cidades também não poderiam ter-se expandido como o fizeram. A virtude, todos sabem, mora no caminho do meio. É razoável permitir que se continue produzindo em parte dessas "áreas consolidadas", utilizadas há décadas. Salvo quando houver dano ou risco ambiental relevante. Vale na roça como na urbe.
No caso das reservas legais, a situação é semelhante. A grande maioria das propriedades rurais suprimiu a vegetação original dessas áreas (entre 20% e 80%, conforme a localização), que, segundo o Código Florestal, deveria ter sido preservada. Primeiro, pela simples razão de que as fazendas foram abertas antes de 1965. Segundo, porque a lei era pouco cumprida até 15 anos atrás, quando o tema do desmatamento ganhou as manchetes nacionais.
Hoje, com a crise ecológica mundial e o avanço da tecnologia agropecuária, abrir floresta virgem virou desgraça. Antes, porém, empurrava o desenvolvimento socioeconômico. O "passivo ambiental" acumulado no processo civilizatório, portanto, não onera só o agricultor, mas pertence a toda a sociedade. Ninguém tem "culpa" nessa história.
Um tripé deve fundamentar o novo Código Florestal: favorecer a compensação ambiental, consolidar a agricultura sustentável e travar o desmatamento. Sem anistiar os bandidos ambientais.
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