Alberto Carlos Almeida
Diz o ditado que "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come". Caso o Brasil adote o sistema eleitoral distrital para a eleição de deputados federais, ou o equilíbrio federativo será colocado em xeque ou o PSDB precisará de muito mais votos do que o PT para obter maioria na Câmara. Os países que adotam o sistema eleitoral distrital - a Grã-Bretanha é o caso típico - procuram fazer com que os distritos tenham aproximadamente o mesmo número de eleitores. O Brasil tem hoje 135.804.430 eleitores e 513 deputados. Dividindo-se o primeiro número pelo segundo, os distritos eleitorais para deputado federal ficariam com aproximadamente 264.726 eleitores.
Em todos os países do mundo que adotam o sistema distrital há limites máximos e mínimos para a quantidade de eleitores por distrito. Mas a disparidade entre o menor e o maior não é grande nem está correlacionada com algum estado ou município. Como não há um parâmetro para o Brasil que permita estipular uma quantidade máxima e mínima de eleitores por distrito, o mais prudente é tomar como ponto de partida que o Brasil, se adotar esse sistema, será dividido em 513 distritos e cada um terá exatamente 264.726 eleitores. Fazendo-se isso, ficaríamos muito próximos de como o sistema funciona nos países que o adotam.
Contudo, se isso for realizado, o Estado de São Paulo, que hoje tem 70 deputados, passaria a ter 114. A adoção do sistema distrital seguindo o parâmetro de equidade do número de eleitores levaria 17 estados a perderem cadeiras na Câmara dos Deputados. Roraima, que hoje tem oito deputados, passaria a ter somente um. O Acre e o Amapá perderiam seis deputados cada. Rondônia e Tocantins perderiam quatro deputados cada. Bahia, Rio de Janeiro e Sergipe perderiam três cada. Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul e Paraíba perderiam dois deputados cada. Distrito Federal, Paraná, Alagoas, Pernambuco e Piauí perderiam um cada. Outros cinco estados nem ganhariam nem perderiam deputados e somente cinco estados aumentariam sua bancada: Pará, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Minas Gerais ganhariam um deputado cada um e São Paulo ganharia mais 44 deputados.
A perda de cadeiras é uma grande ameaça para qualquer deputado dos 17 estados eventualmente prejudicados pela adoção do voto distrital. Assim, se essa proposta de mudança for adiante, será muito pequeno o incentivo que os deputados desses estados terão para votar a favor do novo sistema. (A propósito, o estado de Delaware, nos Estados Unidos, tem um deputado e dois senadores). Roraima ficaria com um deputado e três senadores, Acre e Amapá também teriam mais senadores do que deputados. Seria algo inteiramente esdrúxulo para nosso sistema político. Adicionalmente, o equilíbrio federativo está baseado na sub-representação do Estado de São Paulo. Modificando-se isso, entraríamos no terreno do inteiramente desconhecido. Pode ser que nosso sistema não seja perfeito, mas é o que funcionou em nossas experiências democráticas, entre 1946 e 1964 e a partir de 1982. Aceita-se que São Paulo tenha muito poder e possa conduzir a política econômica, mas, por outro lado, não se concedeu a São Paulo a quantidade de deputados federais proporcional ao tamanho de seu eleitorado. Aliás, essa decisão foi tomada pelos constituintes de 1946, para limitar o enorme poder exercido por São Paulo durante o período que ficou conhecido como Primeira República (1899-1930).
A outra opção para a adoção do sistema distrital é manter todos os estados com o mesmo número de deputados que têm hoje. Nesse caso, o arranjo federativo não seria colocado em xeque, mas o grande prejudicado seria o PSDB. Mantendo-se São Paulo com 70 deputados, o estado seria dividido em 70 distritos, cada qual com em torno de 432.877 eleitores. Por outro lado, tomando-se os nove estados do Nordeste, tem-se o total de 151 deputados. Nesse caso, cada distrito, nessa região, teria aproximadamente 243.231 eleitores. Eis aí o grande problema para o PSDB.
O PT é mais forte do que o PSDB no Nordeste. Em São Paulo, o PSDB é mais forte do que o PT. Os mapas das duas últimas eleições presidenciais não deixam dúvidas quanto a isso. O sistema distrital leva o país que o adota a ter dois grandes partidos e, muito eventualmente, um terceiro partido pequenininho (isso será assunto de nosso próximo artigo). O sistema distrital destruiria o pluripartidarismo e faria com que o Brasil se tornasse um país bipartidário (ou praticamente isso). Veja-se a disputa entre democratas e republicanos nos Estados Unidos.
Creio que apenas dois partidos grandes sobreviveriam: PT e PSDB. O PMDB tenderia a ser drasticamente reduzido. Dentre esses dois grandes partidos, o PT teria uma votação mais forte no Nordeste e o PSDB, em São Paulo. É aí que reside o problema do PSDB. Mantido o atual número de deputados por estado, o PSDB precisaria de muito mais votos para eleger um deputado. O PT precisaria, para eleger 20 deputados no Nordeste, de 2.432.333 votos (50% +1) e o PSDB, para eleger 20 deputados em São Paulo, precisaria de 4.328.791 (50% +1). Esse risco não é algo teórico. O favorecimento de um partido em detrimento de outro já acontece atualmente na Grã-Bretanha. O Partido Trabalhista precisa de menos votos do que o Conservador para ter maioria no Parlamento.
As últimas duas eleições britânicas revelam que o sistema distrital favorece bastante o Partido Trabalhista, justamente porque os distritos em que ele vence têm menos eleitores do que os distritos do Partido Conservador. Os trabalhistas são mais fortes nos lugares onde os distritos têm menos eleitores: 65.498 eleitores por distrito na Escócia e 56.545 eleitores por distrito no País de Gales. O partido conservador é mais forte na Inglaterra, onde o número médio é de 71.882 eleitores por distrito. O resultado dessa assimetria é que os conservadores precisam derrotar os trabalhistas com margem de 11% dos votos totais para ter maioria de cadeiras no Parlamento e os trabalhistas precisam apenas de uma vantagem de 3% para conseguir a mesma coisa. Em 2005, os trabalhistas conseguiram maioria de 67 cadeiras, com somente 35,2% dos votos totais. Em 2010, porém, os conservadores não conseguiram a maioria, mesmo tendo 36,1% dos votos totais.
Adotando-se esse sistema no Brasil e mantendo-se o número atual de deputados por estado, o PSDB seria nosso Partido Conservador e o PT, o Partido Trabalhista. O PSDB teria muito mais dificuldade para conseguir a maioria de cadeiras na Câmara do que o PT. É curioso, portanto, que haja no PSDB muitos deputados que defendam um sistema eleitoral que prejudica seu próprio partido e, provavelmente, seu próprio mandato. Creio que ainda não tenham se dado conta desse fenômeno.
Hoje, nosso sistema eleitoral, proporcional, não desconsidera tantos votos quanto o sistema distrital. No sistema distrital, apenas o candidato mais votado em um distrito é eleito. Pode acontecer que haja três candidatos, que o primeiro obtenha 45% dos votos, o segundo fique com 40% e um terceiro, com 15%. Se isso ocorrer, são aproveitados somente 45% dos votos. Os outros 55% dos eleitores daquele distrito não ficam com representação alguma. Isso não ocorre no sistema proporcional. Nesse caso, a tendência é que o partido com 45% dos votos eleja 45% dos deputados, o partido com 40% eleja 40% dos deputados e o partido com 15% dos votos fique com 15% dos deputados. Isso significa que, mesmo sendo mal votado no Nordeste, o PSDB acabaria elegendo deputados. O mesmo vale, eventualmente, para o PT em São Paulo. O resultado final é que não é nem mais nem menos difícil para esses dois partidos elegerem deputados por conta de sua força ou fraqueza regional. O partido elege mais deputados onde é forte e elege menos onde é fraco. O sistema proporcional é, portanto, mais equânime que o distrital.
A grande maioria das inovações institucionais tende a ser prejudicial para quem as adota. Com todos os seus defeitos, o sistema eleitoral proporcional é bem adaptado às condições brasileiras: certamente bem adaptado ao nosso pacto federativo e aos nossos partidos. O sistema eleitoral distrital não é nada adaptado ao Brasil, sua adoção acarretaria tensão no arranjo federativo, prejudicaria o PSDB - enfim, traria várias consequências negativas previsíveis e, o que é pior, imprevisíveis também. Os políticos não fizeram inovações institucionais durante nossas experiências democráticas, com exceção do breve período parlamentarista dos anos 1960. Não inovaram porque faz sentido não inovar. O melhor sistema político não é o melhor em abstrato, mas é o melhor nas condições históricas e culturais nas quais é adotado. O melhor não é o melhor ideal, mas é o melhor possível.
A força do PSDB de São Paulo
A propósito da força do PSDB de São Paulo, acabou de ser eleito secretário-geral do partido um ilustre desconhecido de provavelmente a maioria dos leitores do Valor. A eleição de Gontijo para esse cargo mostra que as bases do partido são muito fortes em São Paulo. Não é preciso ser deputado estadual ou federal para ser escolhido para uma posição-chave na direção estadual do partido. Isso é uma grande lição de força e democracia que o PSDB fornece para a sociedade brasileira. Trata-se de um dirigente agregador, que veste a camisa do partido e faz um bom trabalho para fortalecê-lo. Foi reconduzido ao cargo para dar continuidade a isso.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo".
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