domingo, 8 de maio de 2011

Demografia e crescimento

Está aberta a janela de oportunidade

JOSÉ EUSTÁQUIO DINIZ ALVES


José Eustáquio Diniz Alves é doutor em demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Foi o coordenador estadual do Sistema Nacional de Emprego no governo mineiro, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e da Universidade Federal de Ouro Preto. 
Atualmente é professor titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ligada ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –, onde foi coordenador de pós-graduação. 
Foi tesoureiro e vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) e participou da coordenação da pesquisa Impactos do Bolsa Família, realizada no Recife entre 2006 e 2007. 
Consultor do Fundo de População das Nações Unidas, tem vários livros e artigos acadêmicos publicados, principalmente sobre taxas de fecundidade, relações de gênero, família e domicílio, demanda habitacional, bônus demográfico e população e desenvolvimento. 
Esta palestra de José Eustáquio Diniz Alves, com o tema “O Brasil e o Bônus Demográfico”, foi realizada em reunião do Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio, Sesc e Senac de São Paulo no dia 12 de agosto de 2010. Os gráficos que foram então apresentados podem ser vistos na edição impressa da revista.

A partir de 2005 fizemos um esforço muito grande para divulgar um novo padrão demográfico brasileiro, particularmente o bônus demográfico, que é uma questão internacional. A base dessa discussão é um livro clássico de Coale e Hoover, de 1958, mas a designação “bônus demográfico” é bem mais recente. Geralmente utilizamos três termos para o mesmo fenômeno: bônus demográfico, dividendo demográfico ou janela de oportunidade demográfica. Este novo padrão demográfico brasileiro tem tudo a ver com a retomada do crescimento, com a redução da pobreza e da desigualdade etc.

A demografia também inclui uma área de estudos muito importante, pouco desenvolvida no Brasil, que chamamos de demografia de negócios. Significa conhecer toda a realidade sociodemográfica da população, inclusive georreferenciada, uma área que está se desenvolvendo muito. Nesta palestra, porém, vamos falar especificamente do bônus demográfico.

Comecemos com a relação entre população e desenvolvimento. No século 20 a população aumentou dez vezes, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 127 vezes. O Brasil foi talvez o país cujo PIB mais se expandiu em termos absolutos e, como a população aumentou muito mas a economia cresceu muito mais, esta se transformou numa das dez maiores do mundo.

Em termos de renda per capita, isso significa a média de 2,6% ao ano. Obviamente não foi um crescimento estável, variou muito durante o século. As duas primeiras décadas tiveram taxas menores, mas houve recuperação nos períodos seguintes, e as duas melhores décadas foram a de 1950 e a de 1970, com o plano de metas do JK e o segundo PND [Plano Nacional de Desenvolvimento] do governo Ernesto Geisel, este conhecido como milagre econômico. A de 1980 foi a pior, sendo por isso chamada de década perdida. Na de 1990 houve uma pequena melhora, mas as duas últimas décadas do século 20 foram piores do que as duas primeiras.

Apesar disso, foi na década de 1990 que se controlou a inflação e se alcançou a estabilidade. Assim, a primeira década do século 21 já é melhor do que as duas últimas do século 20. Mesmo assim, o crescimento da renda per capita na primeira década do século 21 foi menor do que a média do século anterior.

Uma projeção para os próximos anos mostra uma perspectiva de crescimento médio do PIB de 5,7% até 2014. Como a população está crescendo 1%, seria 4,7%, ou seja, a próxima década deve ser melhor do que a segunda década do século 20 e do que a primeira década do século 21. Esses dados são do Ministério da Fazenda, e há dados do FMI [Fundo Monetário Internacional] que indicam projeção semelhante. Desde 1980, é a primeira vez que temos certa recuperação e uma expectativa melhor para os cinco anos seguintes.

Mudança na estrutura etária

Será possível ao Brasil retomar o crescimento, principalmente com redução da pobreza e da desigualdade? O que posso afirmar é o seguinte: nunca na história deste país tivemos condições demográficas tão boas para o crescimento econômico. Então, para mostrar como as condições demográficas mudaram, temos de falar sobre transição demográfica. É uma coisa muito interessante: ninguém combinou, não há uma lei, não existe um livro explicando isso, mas todos os países do mundo passaram ou estão passando pela transição demográfica. O que é a transição demográfica? A diferença entre as curvas das taxas de natalidade e mortalidade é o crescimento populacional. Em todos os países acontece assim: a taxa de mortalidade começa a cair enquanto a de natalidade continua alta. Depois de certo tempo esta começa a cair também. Quando a mortalidade começa a cair e a natalidade permanece alta, a diferença entre elas aumenta e é isso o que as pessoas chamam de explosão populacional. Esse período, visto isoladamente, assusta. Em 1900 a população brasileira era de 17 milhões e em 2000 passou a 170 milhões, um grande crescimento. Só que depois de certo tempo a natalidade também começa a cair, e assim o ritmo de crescimento populacional vai diminuindo, até que as duas curvas se encontram e a população para de crescer. Quando as duas curvas se inverterem, a população vai diminuir. A última projeção do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] mostra que a população brasileira vai continuar crescendo até 220 milhões de habitantes, por volta de 2040, quando começará a diminuir. Isso se a fecundidade não cair de forma mais rápida. Todos os países do mundo passaram ou estão passando por isso. A transição demográfica reduz o ritmo de crescimento da população.

Do ponto de vista econômico, o mais importante é a mudança na estrutura etária. Em 1950 tínhamos uma pirâmide clássica, com base muito larga e topo muito estreito. No Brasil a base se ampliou até 1980, quando começou a se estreitar. A cada ano a base da pirâmide vai diminuindo e o topo da pirâmide cresce muito lentamente. Isso por enquanto, no futuro vai crescer mais rápido.

Se daqui a mil anos alguém perguntar qual foi a coisa mais importante que aconteceu no século 20, as pessoas não vão dizer que foi a ida à Lua ou a bomba atômica. A coisa mais importante de todos os séculos da história da humanidade é a grande redução da mortalidade e a ampliação da esperança de vida. Em 1900 vivia-se no mundo em torno de 30 anos, pois a mortalidade infantil era muito alta, puxando a média para baixo. No ano 2000 a média mundial já tinha ultrapassado os 60 anos. Isso nunca tinha ocorrido, a expectativa de vida sempre foi muito baixa em toda a história da humanidade. Ela dobrou no século 20 e nunca mais isso vai acontecer. Isso é interessante, não se pode pensar que no século 21 a esperança de vida vai chegar a 130 anos. Algumas pessoas poderão chegar lá, mas a média não vai mais dobrar. A ONU [Organização das Nações Unidas] acredita que a expectativa de vida até o ano 2100 chegue a 90 e poucos anos, o que será um grande avanço. Essa é uma característica muito importante do século 20, é uma herança bendita para todos os países do mundo.

Condição básica

Quanto à questão da mortalidade, é importante ressaltar que não existe desenvolvimento econômico com mortalidade infantil acentuada. O custo emocional e financeiro dessa realidade é muito grande. A redução da mortalidade infantil é uma condição básica para crescer. Em relação à mortalidade é só isso o que vou dizer. Para entender a dinâmica demográfica é mais importante entender a questão da natalidade ou da taxa de fecundidade.

É difícil calcular a taxa de fecundidade, mas a síntese do cálculo é simples: é o número médio de filhos por mulher. No Brasil, até a década de 1960 estava acima de seis filhos. A partir da segunda metade da década de 1960, essa taxa foi caindo e no censo de 2000 estava em 2,45. Em 2010 o IBGE está fazendo um novo censo e vamos saber como está essa taxa. Outras pesquisas confirmam a queda. A PNAD [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio], do IBGE, mostra que de 1995 até 2008 a fecundidade passou de 2,6 para 1,8 e, segundo a PNDS [Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde], do Ministério da Saúde, esse índice foi de 2,8 para 1,9. Há diferenças metodológicas entre as duas pesquisas, mas com certeza a fecundidade está em torno de 1,8.

Existe um número mágico na demografia, que chamamos de taxa de reposição, que é 2,1. Um filho repõe a mulher, outro repõe o marido ou companheiro e 0,1 existe porque nem toda criança sobrevive. Se a fecundidade ficar em 2,1 durante muito tempo, a população nem cresce nem diminui. Se ficar acima há crescimento e se ficar abaixo a população diminui. Isso no longo prazo. O Brasil já está com a fecundidade abaixo do nível de reposição e isso significa que a população brasileira vai diminuir se a fecundidade continuar assim.

Mas por que a população está crescendo se a fecundidade já está abaixo do nível de reposição? A população cresce porque aquela pirâmide ainda é muito jovem, há muito pouca gente no topo. Enquanto a pirâmide está se transformando, a população cresce. É o que se chama de inércia demográfica.

Neste ponto, a pergunta que se faz é: como vai se comportar a fecundidade no Brasil? Vai ficar assim, continuar caindo ou vai subir? Em 1970, a fecundidade era baixa somente no oeste paulista, no Triângulo Mineiro, em Porto Alegre e na serra gaúcha. Em 1991 essa tendência cresceu em todo o sul, sudeste e centro-oeste, além das áreas mais urbanizadas do nordeste e Manaus. No ano 2000 houve um processo de redução da fecundidade, que começou em algumas regiões mais desenvolvidas e foi se ampliando pelo país. Dizem que os pobres têm mais filhos, mas a fecundidade está caindo para todo mundo. As diferenças de classe social e de nível educacional continuam ainda, mas na média do Brasil a fecundidade já está abaixo do nível de reposição. São dados do IBGE no ano 2000.

Vejamos os dados da ONU. Há três cenários – o IBGE só faz um. Como vai se comportar a fecundidade até 2050? No cenário médio, mais provável, em 2050 a fecundidade vai chegar a 1,75 (1,25 e 2,25 nos outros dois). Em termos de volume, serão 218 milhões de habitantes em 2050 (187 milhões e 254 milhões nos outros cenários).

É interessante observar como isso se reflete nos grupos etários. No ano 2000, havia 17 milhões de crianças de zero a quatro anos. Na projeção média esse número, em 2050, cai para 10,5 milhões e na baixa para 5,4 milhões. Do ponto de vista da política educacional, esses dados mostram que é perfeitamente viável montar um esquema de educação infantil, pois isso vai garantir o futuro, a qualidade do trabalho e a produtividade da economia brasileira. Com poucos recursos será possível atender a todas essas crianças. A população de 5 a 14 anos vai passar de 34 milhões no ano 2000 para 21 milhões, ou então para 12 milhões, em 2050. Isso significa que com o mesmo dinheiro pode-se aumentar a qualidade do ensino fundamental. É isso que chamamos de bônus demográfico educacional.

A mesma coisa acontece com a faixa de 15 a 24 anos, relacionada ao ensino médio. A queda é menor, mas a população nessa idade está diminuindo. É uma oportunidade muito grande para investir na qualidade da educação.

Na projeção média da pirâmide para 2050, o grupo de pessoas com 80 anos e mais é o que mais vai crescer nos próximos 40 anos. É o processo de envelhecimento da população. A pirâmide vai se tornando um retângulo.

Bônus temporário

Qual é o impacto dessa mudança na estrutura etária sobre a economia? É o que chamamos de bônus demográfico. Pegamos o total de pessoas entre 15 e 64 anos –faixa de idade economicamente ativa – e dividimos pela população de zero a 14 e de 65 anos e mais, que chamamos de dependente. É a razão de dependência, que vem caindo e na projeção alta está em torno de 50, ou seja, cada pessoa em idade de trabalhar carrega meia pessoa em idade dependente. Essa razão de dependência é a principal medida para o bônus demográfico, que mostra que a população em idade de trabalhar tem uma carga de dependência menor, principalmente pela redução da dependência de crianças. A dependência de idosos veio subindo lentamente até 2010, mas daqui para a frente vai começar a se elevar cada vez mais e, a partir de 2025, apesar de a razão de dependência de crianças continuar caindo, a razão total vai começar a subir. Isso significa que o bônus demográfico é temporário, vem e passa. Esse bônus só ocorre uma vez e está acontecendo agora. Nunca na história do país houve uma razão de dependência demográfica tão baixa.

Com o envelhecimento da população, o primeiro bônus passa, mas aí surge um segundo bônus – essa já é outra história. O fato é que se aproveitarmos este bônus agora, criaremos condições para um segundo bônus demográfico mais à frente. Se não o aproveitarmos, a situação demográfica vai ficar muito ruim. Nunca tivemos uma situação demográfica tão favorável para o desenvolvimento econômico, para a redução da pobreza e da desigualdade.

Isso não é de agora. Começou lá pela década de 1960, e Lula teve uma sorte incrível de estar na presidência num momento extremamente favorável, inclusive na área internacional. Obviamente o governo tem o mérito de uma série de políticas que foram feitas. Na verdade houve a junção de vários fatores.

Em 1980 a porcentagem da população economicamente ativa (PEA) em relação à população total era de 36%, ou seja, mais ou menos um terço da população trabalhava e dois terços não. Em 2007 já é de 52%. Isso ocorreu por causa da mudança da estrutura etária. Então, independentemente das outras questões, só por esse efeito demográfico há mais gente trabalhando com uma carga demográfica menor. Pensem numa família – homem, mulher e seis filhos. Somente ele trabalha, ganhando salário mínimo. São R$ 510, que, divididos por oito, significam R$ 70 por pessoa. Certamente esse casal está no Bolsa Família. Agora, imaginem um casal com dois filhos, em que ambos trabalham e cada um ganha salário mínimo. São R$ 1.020, que, divididos por quatro, resultam em R$ 250. Estão fora do público alvo do Bolsa Família, viraram classe C. Qual foi o milagre? Foi a queda da fecundidade e a inserção da mulher no mercado de trabalho.

Isso não é uma coisa simplesmente demográfica, mas depende da demografia, porque uma mulher com seis filhos e marido que ganha salário mínimo não tem condições de pagar uma empregada. Assim, ela não pode trabalhar. Mas se tem dois filhos que já saíram de uma idade mais dependente, pode colocá-los numa creche pública e trabalhar. Então a queda da fecundidade permite que essa mulher trabalhe, o recurso é dividido por menos pessoas, eles podem investir na qualidade de educação dos filhos e no nível de consumo. É um efeito demográfico.

Em relação à entrada da mulher no mercado de trabalho há dados impressionantes. Em 1950 as mulheres começavam a trabalhar enquanto solteiras, depois casavam, tinham filhos e saíam do mercado de trabalho. No ano 2000 não é mais assim. Elas casam, têm filhos e continuam trabalhando. A curva está se aproximando da dos homens, porque eles estão ficando mais na escola e se aposentando mais.

Vejamos o crescimento da participação feminina. A tendência é que as mulheres tenham a mesma taxa de participação dos homens no mercado de trabalho. Isso cresce com a educação. Quanto maior o nível educacional, maior a participação dos homens, mas principalmente das mulheres. A mulher com 15 anos ou mais de estudo já está praticamente empatada com o homem, a diferença está naquelas com baixo nível educacional. E quanto maior é a entrada da mulher no mercado de trabalho, maior é a igualdade dentro da família e maiores são os investimentos. Ou seja, o crescimento da classe média tem a ver com esses fatores demográficos.

Gente não falta

É bom dizer também que o grau de informalidade está diminuindo, tanto para homens como para mulheres. Elas estão mais no mercado informal do que eles. Uma coisa que incomoda muito é que o pessoal pega uma informação qualquer e a transforma em verdade. Quando a população crescia muito, diziam que isso gerava muita pobreza, violência etc. Agora, que já fomos para o outro lado, há pessoas falando que existe um apagão de mão de obra, que é preciso aumentar a fecundidade, a migração etc. Ora, nós temos 61 milhões de pessoas acima de 10 anos que não estão no mercado de trabalho, e entre 25 e 59 anos – idade economicamente ativa – são 3,45 milhões de homens e mais de 14 milhões de mulheres fora da PEA. Então como é que está faltando mão de obra? São quase 20 milhões de pessoas – dados de 2008 – que não estão na PEA e quase metade são informais.

Não existe, portanto, apagão de mão de obra. O que existe é uma coisa normal da economia. Faltam profissionais especializados. É a questão do sistema educacional inadequado, mas não de falta de gente. São coisas diferentes.

O bônus demográfico tem um papel significativo na redução da pobreza e da desigualdade. O primeiro dado que comprova isso é o número de pessoas por domicílio. Até 1970 cada casa no Brasil tinha 5,3 pessoas. Isso foi diminuindo e em 2007 já eram 3,4. E vai continuar caindo. E o número de cômodos por domicílio foi crescendo. Em 1960 menos da metade dos domicílios tinham cinco cômodos – cozinha, banheiro, sala e dois quartos. Hoje mais de 70% têm isso. Se os domicílios estão se ampliando e o número de pessoas está diminuindo, está melhorando o espaço e a qualidade de vida nas moradias.

Outra coisa que está mudando é o tipo de família no Brasil. Um casal com filhos não é mais o padrão da família brasileira. Cresceu o número de casais sem filhos, em parte porque eles estão tendo menos filhos e estes saem de casa. O monoparental feminino – mulher só com filho – é também um dos arranjos que mais aumenta. O que mais vai crescer daqui para a frente é o unipessoal, domicílios com uma pessoa só. Isso ocorre principalmente nas idades maiores, quando um dos cônjuges falece, mas também nas idades adultas, pois cada vez mais homens e mulheres estão optando por não casar e morar sozinhos, mesmo tendo companheiro ou companheira. Há até casos de casais que moram em casas separadas.

Sem filhos

Casais com menos filhos e mulheres entrando no mercado de trabalho fazem crescer o número de casais de dupla renda, o que é muito importante para a demografia dos negócios, pois há um consumo maior. Existe até uma sigla – Dinc ou Dink –, que significa Double Income No Children (ou Kids). São os casais que não querem ter filhos e preferem viajar, trocar de carro etc. É um dos tipos de casal que mais cresce no mundo inteiro.

Outra coisa que está aumentando é o nível educacional. É baixo ainda – 6,5 anos de estudo em 2007 – para qualquer padrão internacional, mas pelo menos nossa tendência é de subida. A população branca tem nível educacional maior, mas desde a década de 1990, com as políticas de cotas nas universidades, a diferença entre negros e brancos já vinha diminuindo e essa tendência continua. Esse é um dado importante.

A queda violenta observada nos dados de pobreza e indigência em 1986 é artificial, foi fruto do Plano Cruzado de Sarney, com seus preços congelados. Até o início da década de 1990 a pobreza estava em torno de 40% e a indigência de 20%. A partir de 2003, com a recuperação da economia, com todas as políticas adotadas e com as boas condições demográficas, aí sim a pobreza começa a cair de forma constante.

Fim da indigência

Existe um indicador internacional, chamado Poder de Paridade de Compra (PPC). Equivale a US$ 1,25 e é um referencial internacional importante. Esse dado mostra que no Brasil, em 1990, mais de 25% da população estava vivendo com menos de US$ 1,25 por dia. Em 2008 eram 4,8%, uma queda extremamente expressiva, que mostra que o Brasil já cumpriu uma das metas do milênio, a de reduzir pela metade a pobreza extrema. Ela revela também que é possível acabar com a pobreza e com a indigência até 2016, o ano da olimpíada no Rio de Janeiro. É perfeitamente possível, porque as condições demográficas ajudam, assim como o cenário internacional. Acabar com a pobreza é mais difícil, mas a indigência é possível eliminar e essa é uma notícia muito boa para o Brasil.

Em parte isso se deve à valorização do salário mínimo, que em 1995 comprava uma cesta básica em São Paulo e agora compra 2,3. Em 2002, o lema central da campanha política era acabar com a fome. Hoje uma pesquisa do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] mostra que a fome é uma coisa residual no país. O problema hoje é muito mais a obesidade do que a fome, e obesidade entre os pobres, não é coisa de rico. Mata muito mais gente do que a fome.

O desemprego é outra coisa que está caindo, graças à retomada do crescimento. A expectativa para 2010 é que fique abaixo de 7%. Há 12 milhões de famílias no Bolsa Família, que não podem ficar o resto da vida penduradas no Estado. O Bolsa Família é superimportante, porque essas pessoas não tinham dinheiro nem para pegar um ônibus e procurar emprego ou ir ao serviço médico etc. Mas, dadas essas condições, temos de fazer com que os filhos dessas famílias estudem, aprendam e entrem no mercado de trabalho. A bandeira é aquela da OIT [Organização Internacional do Trabalho]: pleno emprego e trabalho decente. É assim que o Brasil vai realmente acabar com a pobreza.

O índice de Gini é um indicador de desigualdade social. No Brasil estávamos em torno de 0,6 em 2001, quando a concentração de renda começou a diminuir, chegando a 0,54 em 2008. É a maior queda na concentração de renda da história do Brasil. A revista britânica “The Economist” mostra que os Estados Unidos, entre os países ricos, é o mais desigual, com aproximadamente 0,46. O índice brasileiro é um dos mais altos do mundo, mas a publicação revela que entre os americanos, principalmente depois da era Bush e de uma série de políticas adotadas, a concentração de renda está aumentando e no Brasil diminuindo. A China também é hoje um dos países em que mais cresce a desigualdade, mas também tiram muita gente da pobreza.

Existe um relatório do Ministério da Fazenda, de 2010, sobre classes sociais entre 2003 e 2008, com projeção para 2014. Em 2003 a classe E representava 28% da população. Foi a 16% em 2008 e vai a 8% em 2014. A classe D correspondia a 27%, passou a 24% e deve chegar a 20%. A classe C foi de 37% para 49%, com projeção de 56%. Ou seja, o Brasil hoje é majoritariamente um país de classe média e as classes B e A passaram de 8% para 11% e vão chegar a 16%. Se você somar 56% com 16%, mais de 70% da população brasileira em 2014 será de classe C para cima. As condições demográficas foram fundamentais para essa mobilidade social ascendente que houve no Brasil. Pode-se questionar o critério para medir essa classe C, mas é certo que algum tempo atrás ela era muito mais pobre.

Para finalizar a questão do bônus demográfico, vejamos os dados sobre a evolução do PIB per capita e a redução da porcentagem de pobres. Na década de 1970 a renda crescia e a pobreza se reduzia. Aí veio a crise de 1981 a 1983, levando o índice de pobreza lá para cima. Com o Plano Cruzado a pobreza cai, mas volta a piorar depois do Plano Cruzado e no governo Fernando Collor. Com o Plano Real a renda começa a subir e a pobreza cai. E mais recentemente a renda continua subindo e a pobreza caindo.

Cabe dizer também que o bônus demográfico não começou agora, mas vem pelo menos desde a década de 1980. Somente não apareceu antes por causa da crise econômica. Sem crescimento econômico, geração de emprego, melhoria da educação e da saúde não adianta ter condições demográficas. Quando começou o crescimento, e com a redução da razão de dependência, a pobreza diminuiu, assim como a desigualdade.

Vejamos uma projeção para 2025. Se a renda per capita crescer 2,5%, que é menos do que a média do século 20, e o número de pobres cair 5% ao ano, vamos ter menos de 10% das pessoas na pobreza até 2025. É uma diferença fantástica.

Há condições de ser melhor do que isso? Sim, se o país todo se engajar. Todos os dados estão mostrando que a segunda década do século 21 será melhor que a primeira. As condições estão dadas, precisamos trabalhar com elas.

Debate

CLÁUDIO CONTADOR – Num dos cenários apresentados, o Brasil estaria com a população estabilizada e depois caindo para 218 milhões de habitantes, o que é um número pequeno para o tamanho do território. Isso não tem implicações geopolíticas?

JOSÉ EUSTÁQUIO – O Canadá é do tamanho do Brasil e tem 30 milhões, a Austrália também e tem 20 milhões. Não é a quantidade de pessoas que conta, mas o que se faz com ela e o território.

CONTADOR – A questão é reorganizar o espaço.

JOSÉ ROBERTO FARIA LIMA – Especialmente porque a Grande São Paulo tem 10% da população do país em um milésimo do território nacional.

JOSUÉ MUSSALÉM – Uma das coisas que me chamam a atenção é o aparelhamento político de alguns organismos de pesquisa do Brasil, como é o caso do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada]. Recentemente seu presidente, Marcio Pochmann, fez uma declaração surrealista, pois dividiu os estratos de renda como pobreza absoluta até 50% do salário mínimo, pobreza entre 51% e um salário mínimo e, pasmem, renda alta acima de um salário. As pessoas que lavam para-brisa de carros nos semáforos de Recife ganham em média R$ 33 por dia. Para o Ipea, elas são ricas. Esse é um conceito político-partidário. 
Entre os anos 1930 e 1940, tanto a renda per capita quanto o PIB cresciam mais do que a população. Isso aconteceu num período em que o mundo experimentava os efeitos da depressão de 1929, e o crescimento se deve também ao processo de substituição de importações, que foi iniciado pelo Brasil a partir de 1930. 
Quanto à mudança de patamar, não podemos nos esquecer do contorno social e da infraestrutura. As pessoas mudam, deixam de ser miseráveis, mas não saem da pobreza. E existe um custo social da infraestrutura, saneamento e transporte coletivo, que são precários, o custo da carga tributária, que é brutal, e fundamentalmente os problemas na saúde pública e na educação. O pessoal ligado ao governo vende muito gato por lebre em termos de melhoria de qualidade de vida no Brasil.

JOSÉ EUSTÁQUIO – Realmente usos políticos são inevitáveis. Utilizei dados do Ministério da Fazenda porque são recentes e achei importante trazê-los para a discussão. Mas quero chamar a atenção para o seguinte: todas as projeções, brasileiras ou internacionais, mostram que nos países emergentes a melhoria tem a ver com a valorização das commodities, puxada pela demanda chinesa. Assim eles vão ter um crescimento maior do que os mais avançados, o Brasil incluído. Talvez não seja no nível que o Ministério da Fazenda está colocando, mas tudo indica que vai ser melhor do que na primeira década. Agora, uso político é isso, há quem queira mostrar que tudo começou em 2003 e quem prefira dizer que foi no século 19, ou com Getúlio Vargas, JK etc. Mesmo o período autoritário foi de maior crescimento, com maior infraestrutura etc. 
Meu objetivo, porém, é mostrar o lado demográfico, que está ajudando muito, e as pessoas não conhecem. Ou não querem reconhecer. É importante discutir e debater, porque, como Gilberto Freyre já dizia, é no confronto dos contrários que vamos conseguir fazer a síntese e encontrar soluções.

MALCOLM FOREST – O professor Masaaki Imai, que foi o organizador do Kaizen no Japão e deu grande apoio ao crescimento industrial, sempre dizia: trabalhe com estatísticas e com informações, mas, ao recebê-las, duvide, questione. A realidade bonita e esperançosa que vimos em sua palestra não condiz com o noticiário diário. O Distrito Federal custa R$ 100 bilhões por ano, compare isso com os poucos dólares que o District of Columbia, em Washington, demanda. Queria saber como se explica esse milagre brasileiro. É só um bônus demográfico ou há outra razão? Não sinto esse otimismo. 
Gostaria que fizesse um comentário sobre o crescimento migratório e o das populações islâmicas, há informações da ONU sobre isso e o que tenho lido é que o Islã propõe o aumento das famílias, ou seja, da população.

JOSÉ EUSTÁQUIO – É preciso distinguir manchete de jornal da realidade. O maior país muçulmano do mundo é a Indonésia, que tem pouco mais de 200 milhões de habitantes. A fecundidade desse país já está próxima de 2,1. Ou seja, a população da Indonésia continua crescendo e a projeção é que chegue a 300 milhões pela inércia demográfica, porque quando envelhece a população para de crescer. O Irã fez essa transição demográfica, a mais rápida do mundo. A fecundidade lá vinha caindo levemente na década de 1970, mas estava em torno de 5,5 a 6 filhos por mulher. Depois da revolução islâmica, na década de 1980, passou para quase 7. Aumentou porque se destruiu o sistema de saúde etc. A transição ocorreu num período de menos de 15 anos. A do Brasil também é uma transição rápida. Estados Unidos e Europa a fizeram em cem anos, e nós em 30 ou 40. A população do Irã vai continuar crescendo por efeito da inércia demográfica, mas a fecundidade já está no nível de reposição e isso está acontecendo em outros países também. A China, por exemplo, tem a possibilidade de diminuir em 700 milhões sua população até 2100.

NEY PRADO – Agora estão estimulando a procriação porque está faltando mão de obra.

JOSÉ EUSTÁQUIO – Nas grandes cidades a fecundidade é baixa. Mas os chineses têm outro problema, a preferência por filho homem. Antigamente matavam a menina ou a abandonavam. Hoje, com o ultrassom, as mulheres abortam para tentar um menino. Então há muito mais homens que mulheres. Estão estimulando a fecundidade para evitar esse desequilíbrio entre os sexos. 
Quanto aos muçulmanos, o fato é que eles têm fecundidade mais alta do que os cristãos de modo geral. Como a transição da fecundidade é mais recente, eles crescem muito mais, porque sua estrutura etária é muito mais jovem e obviamente há setores radicais que incentivam a procriação.

ISAAC JARDANOVSKI – Mas a mortalidade infantil é muito alta nesses países.

JOSÉ EUSTÁQUIO – Sim, é muito alta. Mas não penso que o fato de a população muçulmana crescer mais seja uma estratégia geral que vá ameaçar o mundo nos próximos 50 anos, pode ser de algumas minorias. Não acredito nisso, são notícias exageradas. 
Quanto à educação: na década de 1980 ouvi um comentarista esportivo dizer que o Brasil nunca ganhou maratona. Para ganhar essa prova é preciso ter muita gente na disputa, assim como no futebol temos muitos craques. A educação é mais ou menos isso, estamos tendo uma massificação. Esse lado é positivo, o desafio é melhorar a qualidade. Os Estados Unidos também estão enfrentando isso, o nível educacional no Japão e na Coreia é muito maior do que lá. Nós temos de correr atrás da Argentina e do Chile. É aquele negócio do copo. Talvez eu esteja vendo o copo meio cheio e você meio vazio, mas essa é uma realidade complexa. Quis trazer uma mensagem otimista. Quero mostrar que existem condições e muitos problemas para resolver. Temos de aproveitar este momento. Depois, quando a população envelhecer e passar a onda de crescimento da China e da Índia, as coisas vão ficar mais difíceis.

ROBERT APPY – A taxa de fecundidade pode mudar para cima? Tenho a impressão de que na Europa há essa flutuação da fecundidade, o que muda totalmente o panorama.
Outra questão: fico sempre escandalizado quando se fala no Brasil de população economicamente ativa a partir de 10 anos. Penso que já é hora de mudar essa definição. E também sugiro alterar um pouquinho a definição de classes A, B, C e D, que nos engana muito nos últimos anos.

JOSÉ EUSTÁQUIO – A fecundidade vem diminuindo no mundo todo, em certos lugares caiu muito, chegando ao nível 1,1, que chamam de lowest-low fertility. Em alguns países europeus ela já está se recuperando, mas para um nível próximo da reposição, ou seja, perto de 2. Aumento acima de 2 praticamente não existe. Então cai até 1,2 e depois se recupera para 1,6 ou 1,7, no máximo 2, mas não volta para os níveis anteriores. No Brasil, todos os estudos demográficos mostram que a fecundidade vai continuar caindo pelo menos até 1,5. Essa é a projeção do IBGE. Depois pode se recuperar um pouquinho, mas a volta aos patamares antigos está completamente descartada. O esforço dos países visa manter depois a fecundidade em torno de 2, que é mais ou menos o nível de reposição para a população ficar estável, mas isso é complicado. Assim como não é fácil fazer política para baixar a fecundidade, não é fácil fazer política para elevá-la. 
O IBGE adota os 10 anos para a população economicamente ativa porque se não fizer isso não vai saber se as pessoas estão trabalhando – estabelecer essa idade é fundamental para obter a informação. Mas concordo com você que entre 10 e 16 anos a pessoa tem de estar na escola e não no trabalho. 
Quanto aos critérios de classes, a Abep [Associação Brasileira de Estudos Populacionais] e ABPN [Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as)] estão sempre aperfeiçoando essas medidas. Quando falo em classes C e D, prefiro usar aspas, porque o conceito é muito complicado, embora também seja útil em alguns aspectos.

JOSEF BARAT – Minha pergunta é se esse bônus é inexorável ou a tendência de redução da natalidade pode ser revertida. Por exemplo, um programa como o Bolsa Família não estimula novamente o aumento do número de nascimentos?

JOSÉ EUSTÁQUIO – Há pessoas que não gostam do termo “bônus demográfico”, porque ele passa a ideia de que é um bônus que se pode sacar, está lá à disposição. Por isso há os que preferem falar em “janela de oportunidade”. De fato é uma janela, que se pode aproveitar ou não. Se não houver educação e principalmente emprego, perde-se a janela. O cavalo arreado passa e você não subiu em cima. 
Em relação à queda da fecundidade, ela é irreversível no nível de 6 para 2, e pode flutuar um pouco em torno de 2. Mas todas as projeções indicam que vai continuar caindo. 
O Bolsa Família foi objeto de nossas pesquisas em Recife. Visitamos as favelas, apesar das dificuldades com os traficantes. Fizemos comparação com outros programas similares da América Latina e em alguns deles o benefício propositalmente não varia com o número de filhos, mas com a situação de pobreza da família. Há quem afirme que a variação do benefício por número de filhos incentiva a natalidade. Teoricamente é assim, mas na prática, a R$ 20 por criança, é difícil imaginar que as pessoas massivamente vão ter mais filhos por causa desse valor, pois os custos são muito maiores. 
Uma pergunta interessante que fizemos foi: “Quantos filhos sua mãe teve?” Resposta comum: em torno de dez. “Quantos filhos você tem?” A resposta indicava quatro ou cinco, ou seja, a metade dos pais. “Quantos filhos você gostaria de ter tido?” Resposta: dois. “E quantos filhos você acha que seus filhos devem ter?” Dois ou três. 
Filho antigamente era seguro para a velhice dos pais, pois não havia previdência etc. Quando a sociedade começa a mudar, a se urbanizar, investir em educação e emprego de qualidade, as famílias trocam quantidade por qualidade. Essa racionalidade econômica é extremamente forte, perpassa todas as classes sociais. Respondendo objetivamente, o Bolsa Família tem um desenho pró-natalista, mas na prática não é, primeiro porque o valor é muito baixo e também porque essas pessoas estão numa sociedade em que a tendência é fazer, como diz um demógrafo australiano, uma reversão do fluxo intergeracional de riqueza. Antigamente os pais contavam com os filhos, porque o custo deles era baixo e o benefício alto. Hoje esse fluxo se inverteu. E essa será a tônica daqui para a frente.

BARAT – Nos anos 1970, quando se discutia controle da natalidade e planejamento familiar, a Igreja Católica, as Forças Armadas, as feministas, o Partido Comunista, todos eram contra...

JOSÉ EUSTÁQUIO – Que aliança mais esdrúxula, comunistas, Igreja e militares...

BARAT – Há uma explicação, é uma aliança conservadora. O que aconteceu foi a urbanização, a mulher participando do mercado de trabalho etc. A queda da natalidade foi inexorável. Hoje se fala disso novamente. Até que ponto essa preocupação pode conduzir a políticas de estímulo ao crescimento da natalidade? 
Outra observação interessante é o conservadorismo, o baixo nível de expectativa do povo brasileiro. O fato de possuir um telefone celular ou comprar uma televisão de tela plana já torna a pessoa satisfeita. E o pior é que se atribui isso a Lula.

JOSÉ EUSTÁQUIO – Estimular novamente a natalidade não vai ter efeito, ninguém vai convencer as pessoas. Pode-se conseguir marginalmente, mas em grande quantidade não. Aquela aliança esdrúxula – comunistas, militares, Igreja e feministas – existiu até meados da década de 1970, depois acabou, as feministas romperam porque aí entrou a questão dos direitos reprodutivos.

BARAT – Só as feministas, o resto continuou.

JOSÉ EUSTÁQUIO – A Igreja, sim. Os militares perderam a influência. 
A Igreja Universal, por exemplo, defende o aborto e a vasectomia. Mas de modo geral as igrejas são pró-natalistas. Mesmo assim, não conseguem reverter a tendência. Contra tudo e contra todos, a fecundidade caiu e vai continuar baixa.

LUIZ GORNSTEIN – Por falar em igrejas, o crescimento das evangélicas se deu em consequência da falta de religiosidade do povo ou da perda de força dos católicos?

JOSÉ EUSTÁQUIO – Não entendo muito de religião, mas fiz um estudo sobre as mudanças de credo religioso. Os evangélicos vêm crescendo, principalmente de 1970 para cá. No último censo eram em torno de 15% e a perspectiva é que já passem de 20%, chegando a 25%. Os sem religião também vêm aumentando. Em parte isso se deve ao fato de termos católicos praticantes e declarantes, vamos dizer assim. Outra coisa: toda cidade tinha uma igreja católica na praça principal. A população foi crescendo e a religião católica não conseguiu acompanhar. Deixou então a periferia para os evangélicos, que foram comendo o mingau pela beirada. Os evangélicos crescem entre a população mais pobre, os negros e as mulheres. Chamo isso de democratização da religião. Hoje há mais opções, e até dentro da religião católica. Pode-se ser carismático etc. 
É interessante observar que o número dos sem religião cresceu. Não são ateus nem agnósticos. São sem religião pelo seguinte: o cidadão era católico, foi para a Igreja Universal, ficou desiludido e diz estar sem religião definida. De acordo com os dados do IBGE, predominam entre os sem religião os homens adultos e as crianças. Por quê? O homem é católico, a mulher virou evangélica, a criança ficou sem religião definida porque pode ser católica ou evangélica.

MARISA AMATO – O setor de educação é o que mais poderia se beneficiar dessa janela de oportunidade. Pergunto se esse setor aproveita esses dados. Existe algum planejamento para que isso possa acontecer? Vemos um aumento muito grande do número de faculdades e cursos, coisas que serão transitórias, pois não haverá tanta gente assim para estudar.

JOSÉ EUSTÁQUIO – Fizemos um esforço muito grande para divulgar esses dados, juntamente com George Martini, um grande demógrafo canadense casado com uma brasileira. Contatamos o ministro da Previdência em 2004, e ele nunca tinha ouvido falar de bônus demográfico. A melhor maneira de chegar aos governantes é via imprensa, e o sucesso maior começou na “Folha de S. Paulo”, que publicou uma grande matéria. Antônio Ermírio de Moraes, Rubens Ricupero e outros articulistas e pessoas de influência começaram a falar disso. O Ipea já tem trabalhos nessa área. Os mais fortes são da Abep. 
Se tudo ficar como está, as coisas vão melhorar pelo efeito da inércia, mas obviamente é pouco. Você falou da educação. Existe um projeto ministerial de universalizar o ensino de 4 a 17 anos, em vez ficar só no fundamental. Isso é extremamente importante. É educar desde o berço. Todos os estudos mostram que em termos cognitivos o essencial é dar educação para as crianças, o que faz melhorar os outros níveis também. 
E os dados mostram que isso não é tão caro. Como a população jovem está diminuindo, precisamos fazer duas coisas: uma é expandir o atendimento em termos de idade, principalmente de 4 a 17 anos, colocar todo mundo na escola, e depois investir na qualidade do ensino a essas crianças e jovens. Isso vai aumentar a produtividade e naturalmente o crescimento da economia.

MÁRIO ERNESTO HUMBERG – Na década de 1980 discutimos na Sociedade de Planejamento Empresarial qual seria o impacto das mudanças populacionais na forma de atuação das empresas, mas isso nunca chegou a ser objeto de preocupação da área política. Mas existem alguns aspectos que precisariam ser mais trabalhados em função dessas alterações. O primeiro é a questão da previdência, que precisa ser repensada, bem como a da saúde e mesmo a da aplicação dos recursos públicos. E também a questão ambiental, porque temos hoje cerca de 100 milhões de pessoas cujo esgoto segue para os rios, lagos e mar. Penso que precisaríamos trabalhar mais ativamente na divulgação do bônus demográfico e nas mudanças que isso implica para o país. 
Um estudo recente mostra que temos em São Paulo número suficiente de escolas para abrigar toda a população infanto-juvenil. Para o ensino fundamental, portanto, não precisamos construir nenhuma. O único problema é que muitos estabelecimentos estão em locais em que a população já não mora mais, enquanto na periferia há falta deles. A prioridade, portanto, não é construir, talvez seja colocar ônibus e melhorar o ensino.

MOACYR VAZ GUIMARÃES – Sob o ponto de vista técnico-científico, a sua exposição é irretocável. Discordo, entretanto, quanto às projeções. Dizer por exemplo que por volta de 2050 a pobreza estará extinta é utopia. Ela jamais se extinguirá, pois está ligada à própria natureza do homem. 
Outra questão é o número de filhos. O que verifico, até no noticiário policial, é que as famílias faveladas geralmente tem três, quatro, cinco, seis filhos, e vivem em situação ultraprecária. 
Admito que os dados apresentados são o retrato do momento. Projetá-los, porém, me parece muito perigoso. No setor da educação, por exemplo, vejo que a preocupação do governo, em termos estatísticos, é anunciar que determinou cada vez mais a ampliação de vagas no ensino superior. Mas o que se verifica na realidade é a autorização para o aumento de vagas em vários estabelecimentos comerciais de educação, e o jovem ao final desses cursos recebe um diploma que não passa de um papel sem valor algum, porque não atesta sua competência. 
Na área da saúde o problema é muito sério. O atendimento hoje, com a população que temos, é deplorável, para dizer o mínimo. Obviamente, se a projeção para 2025 ou 2050 se confirmar, a gravidade da situação aumentará em proporção geométrica. E a expectativa maior de vida certamente criará problemas previdenciários terríveis, além dos relativos à assistência médica.

JANICE THEODORO – Sei que estamos trabalhando com dados macro e evidentemente observando tendências numa direção ou noutra e não problemas específicos. Refletindo a partir disso, pergunto a você, assistindo à cena histórica, quais seriam as variáveis. Todos os países teriam o mesmo comportamento, sendo as tendências mais ou menos semelhantes? Teríamos melhor qualidade no processo de transformação das pirâmides em função de um período mais curto ou mais longo?

FARIA LIMA – Temos de aprender a raciocinar com cenários cambiantes. Lembro a anedota da mãe que, ao ver seu filho pequenininho crescer a 20 centímetros por ano chegou à conclusão de que, aos 30 anos, ele teria muitos metros de altura. Ou seja, em algum momento deve haver um processo de modificação qualitativa. Visitei recentemente a África muçulmana e depois passei por Paris, que está negra. A presença do islamismo na Europa é extremamente preocupante, porque pode causar um desequilíbrio político na região. Evidentemente, suas análises são de tendência macro. Mas será que o aspecto qualitativo não deve ser levado em consideração? 
A cidade de São Paulo, só para resumir algo que sempre repito, tinha 200 mil habitantes em 1900 e 10 milhões no início de 2000. Cresceu portanto 50 vezes e um gato 50 vezes maior não é um gato, é um tigre. São Paulo é uma espécie de filhote de tigre numa ninhada de gatos, não precisa simplesmente de um adestrador, precisa de um domador. 
Se considerarmos a área conurbada entre Rio de Janeiro e São Paulo, são 40 milhões, a população da Argentina. Gostaria de saber exatamente onde entra a reflexão sobre modificações qualitativas. Aprendi com o professor Aúthos Pagano que a estatística não mente, mas engana.

NEY PRADO – Creio que podemos tirar de sua palestra que esses dados objetivos precisam ser levados em conta para efeito de projeções. Acontece, porém, que projeções são imprevisíveis quanto a seu cumprimento. Poderão acontecer ou não. Se no plano individual nosso futuro é imprevisível, fico imaginando como seriam essas afirmações. Esse é o pequeno reparo que faço.

JOSÉ ROBERTO BELLINTANI – Gostaria de saber se existem estudos mais aprofundados com relação ao impacto da violência e da criminalidade. Na área da informalidade, por exemplo, os negócios ilícitos oferecem muito emprego e renda. Existem estudos de correlação entre a demografia e as questões da insegurança?

JOSÉ EUSTÁQUIO – Eu trabalho com o cenário mais positivo. Há mais de 200 anos houve um debate muito parecido com este, conhecido como Malthus-Condorcet [entre Thomas Robert Malthus, estudioso britânico, e Nicolas de Condorcet, filósofo e matemático francês]. Malthus dizia que é impossível acabar com a pobreza, reduzir a mortalidade, melhorar muito a qualidade de vida da população. Ele afirmava que, se melhorar, as pessoas vão ter muitos filhos, a população vai crescer, vai faltar alimento e aí crescerá a mortalidade. Malthus era muito religioso, era pastor da Igreja Anglicana, e falava que isso foi colocado por Deus. A miséria veio para pagar o pecado de Adão, que comeu a maçã que Eva lhe ofereceu. 
Condorcet, ao contrário, dizia que é possível acabar com a pobreza. Discutiam isso há 200 anos, tendo como foco a Europa. E a Europa de hoje, principalmente do norte, acabou com a pobreza. Se acabaram lá, por que não podemos fazer o mesmo aqui? A China está mostrando que pode acabar com a pobreza, e vão conseguir isso daqui a mais alguns anos. Sou otimista, sim. É difícil, mas acredito. E espero não estar errado, embora reconheça que posso estar. 
Discordo da afirmação de que não podemos acabar com a pobreza. Dizer que vamos acabar com ela deterministicamente também é errado. O que quero dizer é que isso é possível, se trabalharmos bem, ao contrário do que Malthus falava. Ele dizia, aliás, que, quanto maior a renda das pessoas, mais filhos elas teriam. E o que ocorre é que quanto mais aumenta a renda, mais cai a fecundidade. A relação entre fecundidade e renda é inversa e não diretamente proporcional.

FARIA LIMA – Mas Malthus dizia isso em função da teoria de Ricardo, de rendimentos decrescentes. O desenvolvimento tecnológico modificou isso.

JOSÉ EUSTÁQUIO – Esse é outro erro.

FARIA LIMA – A plataforma econômica que existia até a época da Revolução Industrial era diferente. A partir da industrialização, a população mundial explodiu e a tendência, numa inércia dinâmica, é chegar a 9 bilhões. Na China há 700 milhões de pessoas no campo, três vezes a população do Brasil, e não conseguem fazer a migração para as cidades, porque senão elas afundam.

JOSÉ EUSTÁQUIO – A China vai ter uma redução monstruosa da população. Em relação à violência, existem muitos estudos. David Coleman, por exemplo, é um autor que enfoca muito isso. São temas complexos. Os Estados Unidos e o próprio Brasil foram feitos com integração, melting pots, cadinhos de raças e culturas diferentes. Por que isso não pode acontecer na Europa também e ser positivo? E quando houver uma reforma protestante no islamismo? Existem setores moderados, progressistas etc. O que assusta no islamismo são os radicais que caminham para o terrorismo.
Pensem no Brasil de cem anos atrás e de hoje. Todos os indicadores são melhores. Há problemas? Sim. Podemos melhorar? Podemos. Sei que tenho a tendência a ser otimista, falar muito de bônus. Mas quero deixar claro que não considero o bônus automático. Ele pode facilmente ser convertido em ônus. 
Não faltam desafios. Um deles é a previdência, mas as condições nunca foram tão boas para chegar a uma situação melhor. Se vamos chegar ou não, depende de um esforço maior de todos.
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