quinta-feira, 5 de maio de 2011

A Estratégia Nacional de Defesa e a Reorganização e Transformação das Forças Armadas



Este artigo analisa as diretrizes da Estratégia de Defesa Nacional, aprovada pelo presidente Lula em dezembro de 2008. Nele, destaco as conexões do Brasil com países da América do Sul no campo estratégico militar. 

O documento estabelece uma nova orientação da Defesa Nacional, definindo objetivos e métodos da construção de uma nova estrutura para a defesa, em geral, e para as Forças Armadas, em particular, nos próximos anos.

A importância do documento é notável. Com um tom afirmativo e arrojado, supera um certo constrangimento com que documentos anteriores abordaram a Defesa Nacional. Não há nele meias palavras, é a Segurança Nacional que volta ao palco após décadas de dificuldades de tratamento desse tema tão vinculado ao regime militar. Convirá dar toda atenção à recuperação da afirmação primordial da defesa e segurança do Estado brasileiro quando, por influência da ONU, esse conceito tem sido preterido em benefício das perspectivas da segurança centrada nos cidadãos. É o que ocorre em países vizinhos, cujos livros de defesa ao menos se referem à perspectiva mais societária da segurança.

A Estratégia de Defesa Nacional foi elaborada em cerca de quinze meses da gestão de Nelson Jobim no ministério da Defesa e de Mangabeira Unger na Secretaria de Assuntos Estratégicos. Esses ministros são os autores públicos, enquanto os autores institucionais são as instituições militares que há muito se debruçam sobre mudanças necessárias nas Forças Armadas. 

Pretendo demonstrar que a Estratégia de Defesa Nacional constitui uma virada política que o presidente da República operou em circunstâncias difíceis e desfavoráveis na área militar. De fato, no período recente, uma crise militar se desenrolou na Força Aérea Brasileira em decorrência de dois acidentes gravíssimos com aviões comerciais e do movimento de controladores de voos, que incluiu greve e motim. 

O presidente Lula atuou nessa crise de modo exemplarmente equivocado, pois estimulou os sargentos controladores a protestar contra o governo federal, demonstrou simpatia por suas teses (ao menos não se distanciou das posições do ministro da Defesa Waldir Pires em favor da desmilitarização do controle aéreo) e afrontou a autoridade militar do ministro da Aeronáutica ao determinar ao ministro do Trabalho que negociasse com militares em greve, o que é vetado pela Constituição e regulamentos militares. Levou também um tempo longo demais para retomar o controle político da situação ao preservar um ministro da Defesa desacreditado e inoperante.

Até meados de 2007, o presidente manteve a Defesa Nacional ausente das prioridades governamentais, ainda que, no início do mandato, houvesse anunciado medidas pertinentes e necessárias, as quais, todavia, não prosperaram. Na Mensagem ao Congresso Nacional de 2003, o presidente da República afirmara que naquele ano “o Ministério da Defesa deverá promover a atualização da Política de Defesa Nacional, revigorar o debate sobre temas estratégicos com a sociedade civil e elaborar um Livro Branco de Defesa” . A nova versão da Política de Defesa Nacional, que aprovou em 2005, foi o fator positivo mais destacado das relações do Presidente da República com a Defesa Nacional no seu primeiro mandato. Quanto ao mais, não ocorreu o debate com a sociedade civil e o Livro Branco de Defesa sequer foi cogitado com seriedade.

A crise militar do setor aéreo foi dramaticamente revelada pelo terrível acidente avião da empresa Gol, que se chocou com um jato executivo nos céus da região central do Brasil, em novembro de 2006. Desnudou-se então a fragilidade do sistema de controle de voos, seja com relação aos equipamentos e métodos, seja quanto aos recursos humanos. Veio também à tona o despreparo e a descoordenação da cúpula civil do governo federal, com destaque para o presidente da República e seu ministro da Defesa, que não levaram na devida conta a natureza e especificidade da estrutura militar. 

O segundo acidente, com perdas de vidas humanas igualmente trágicas, ocorreu com avião da empresa TAM no aeroporto de Congonhas, na cidade de São Paulo, em junho de 2007. Aí o foco da crise foi o próprio Ministério da Defesa e seu braço operativo, a Agência Nacional de Aviação Civil. Desde então, a reforma da Defesa, em geral, e do sistema de controle aéreo, em particular, tornou-se um dos objetivos do presidente da República. Em meio à crise, deu-se a troca de Waldir Pires por Nelson Jobim, que assumiu a pasta com a missão de resolver o “caos aéreo” e reformar o sistema de controle .

Duas questões precisariam ser solucionadas em abril de 2007, com consequências previsíveis para as relações do poder civil e as Forças Armadas. O controle aéreo permaneceria sob o comando militar ou passaria a ser um serviço civil? Os militares grevistas seriam tratados segundo as normas militares, ou conforme a sensibilidade e prática sindicais do presidente da República? O ministro da Defesa Waldir Pires foi um defensor da desmilitarização do controle aéreo em confronto declarado com os interesses da Aeronáutica. A jornalista Eliane Cantanhêde definiu com precisão a natureza da crise militar no primeiro semestre de 2007: “O comandante Luiz Carlos Bueno foi atropelado pelas negociações dos ministros da Defesa, Waldir Pires, e do Trabalho, então Luiz Marinho, com os sargentos que fizeram operação-padrão em outubro, contrariando as leis militares e até a Constituição. Agora, o novo comandante, Juniti Saito, foi desautorizado pelo próprio presidente” .

De fato, o presidente da República determinou ao ministro do Trabalho que tratasse com os controladores de voo, passando por cima e à margem da autoridade do ministro da Defesa e do comandante da Aeronáutica. Para os controladores – que se encontravam em situação de motim, pois a Constituição Federal proíbe expressamente a greve aos militares – existiria uma “incompatibilidade entre a vida militar e o controle de tráfego aéreo, já denunciada pela Organização da Aviação Civil Internacional e pela Organização Internacional do Trabalho” . 

As divergências acerca do controle aéreo chegaram a tal ponto que o ministro da Defesa e o comandante da Aeronáutica (seu subordinado) defenderam posições antagônicas  na Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar esse setor militar. Enquanto o ministro bateu-se pela criação do controle aéreo civil, o comandante reafirmou a tradicional posição da sua Força em prol do controle militar  .

O pano de fundo do múltiplo desconforto nas relações entre o poder político e o aparelho militar era a fragilidade da estrutura e atuação do Ministério da Defesa, que não dirigia efetivamente as Forças Armadas nem defendia os interesses destas (em nome da Defesa Nacional) junto ao presidente da República e aos ministros da poderosa área econômica. Foi nessa circunstância, de baixo perfil da Defesa Nacional, que o presidente realizou uma manobra política hábil: trocou o ministro da Defesa e melhorou sua relação com as Forças Armadas. Instituição que, apesar das dificuldades, goza de significativo prestígio na sociedade: uma pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros constatou que, entre 17 instituições, “as Forças Armadas se destacam com um nível de confiança de 79%, [ao passo que] outras duas instituições [de prestígio] estão na casa de 70 pontos percentuais – Igreja Católica (72%) e Polícia Federal (70%)” .

Outro elemento importante do contexto no qual se tomou a decisão de elaborar a Estratégia Nacional de Defesa foi a aquisição de armamentos, navios e aviões militares pela Venezuela, sob o comando do presidente Hugo Chávez, que promove uma aliança estratégia com Cuba, Equador, Bolívia e Nicarágua . Com isso, inquietaram-se os escalões militares superiores brasileiros, receosos com a perda de capacidade militar do Brasil no contexto regional . 

Prevalecia então no nosso meio militar a percepção de um descaso das autoridades políticas com a Defesa Nacional. O general Heleno Pereira, comandante militar da Amazônia, postulou o reequipamento adequado das Forças Armadas nos seguintes termos: “a situação vai ficando mais crítica. O nosso fuzil, armamento individual do combatente, e fundamental, tem 43 anos de uso. As nossas viaturas têm, em média, mais de 20 anos. Grande parte da viação do Exército foi comprada em 1988, tem 20 anos. Um país com a estatura geopolítica do Brasil tem que mudar isso. […] Flagrantemente, nós estamos ficando pra trás” .

Não se deve descartar, finalmente, que o presidente Lula tenha determinado a elaboração da Estratégia Nacional de Defesa – que implicará investimentos elevados nas Forças Armadas nos próximos anos e mudanças em normas legais – buscando contar com a boa vontade das Forças Armadas com relação à hipótese do terceiro mandato presidencial. As Forças Armadas – embora destituídas da condição de atores políticos decisivos – não devem ser desconsideradas em razão do seu poder simbólico, do prestígio de que gozam na sociedade e do contingente eleitoral que seus milhares de funcionários civis e militares representam.

A Política de Defesa Nacional (2005) e a Estratégia Nacional de Defesa (2008)

Achando-se plenamente vigente, a Política de Defesa Nacional (PDN), aprovada pelo Decreto presidencial n. 5 484 (30.6.2005), deveria ser considerada uma referência obrigatória para a Estratégia Nacional de Defesa. Mas a END não cita sequer uma vez a PDN, que se define como “o documento condicionante de mais alto nível do planejamento de defesa, [que] tem por finalidade estabelecer objetivos e diretrizes para o preparo e o emprego da capacitação nacional, com o envolvimento dos setores militar e civil, em todas as esferas do Poder Nacional” . É como se a END partisse do zero, assumindo, sem o dizer, a síndrome da primeira vez com que o presidente da República qualifica as ações de seu governo em relação aos que o precederam.

A Estratégia de Defesa Nacional e a Política de Defesa Nacional são povoadas por multiplicidade de temas comuns. Ambas são propositivas em sua projeção para o futuro, mas a END agrega um diagnóstico das dificuldades (vulnerabilidades) da Defesa Nacional. Os estilos são muito distintos. Enquanto a END é categórica e afirmativa, a PDN é excessivamente cautelosa. Ao postular a “reformulação e a democratização das instâncias decisórias dos organismos internacionais” e a “solução pacífica de controvérsias”, a PDN diz que “não é prudente conceber um país sem capacidade de defesa compatível com sua estatura e aspirações políticas” (PDN, pp. 3 e 12). 

A Estratégia de Defesa Nacional emprega um estilo sem rodeios, partindo da tese de que o Brasil está destinado a ser uma potência capaz de defender-se: “se o Brasil quiser ocupar o lugar que lhe cabe no mundo, precisará estar preparado para defender-se não somente das agressões, mas também das ameaças”. Acerca do lugar que deverá caber ao nosso país na ordem internacional, afirma que “o Brasil ascenderá ao primeiro plano no mundo sem exercer hegemonia ou dominação. O povo brasileiro não deseja exercer mando sobre outros povos. Quer que o Brasil se engrandeça sem imperar” . O Brasil precisa estar preparado para conflitos e ameaças que se colocarão na sua trajetória para a condição de potência de primeira linha. De resto, a ideia do combate ocupa lugar de destaque nesse documento.

Os seguintes objetivos da Defesa Nacional constam do documento de 2005: “I – a garantia da soberania, do patrimônio nacional e da integridade territorial; II – a defesa dos interesses nacionais e das pessoas, dos bens e dos recursos brasileiros no exterior; III – a contribuição para a preservação da coesão e unidade nacionais; IV – a promoção da estabilidade regional; V – a contribuição para a manutenção da paz e da segurança internacionais; e VI – a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais” (PDN, pp. 14–15). Esses objetivos estão ausentes da END, como se não mais existissem para o governo brasileiro.

Mas a verdade é que a Estratégia Nacional de Defesa não pretende apenas “a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais”. O Brasil será uma potência. Para tanto, trata-se da reorganização das Forças Armadas, da reestruturação da indústria brasileira de material de defesa e da redefinição da política de composição dos efetivos das Forças Armadas (END, p. 3).

Os ministros Jobim e Mangabeira Unger obtiveram a aprovação do presidente da República para um documento orientador da Defesa Nacional. Eles afirmam o seguinte no documento “EM Interministerial nº 00437/md/sae-pr”, que dirigiram ao Presidente: “tendo o Brasil crescido economicamente e ampliado seu perfil internacional, deve agora adotar ‘uma nova postura no campo da Defesa’, implicando a reforma do ministério da Defesa e a reorganização das Forças Armadas”.

Este é o teorema central da Estratégia Nacional de Defesa: a liderança brasileira é condição essencial para a integração da América do Sul, por razões que vão da Geografia à Política, à Economia e à Defesa Nacional .

Para a Estratégia Nacional de Defesa, não se trata de equipar as Forças Armadas sem que passem por um processo de transformação que as habilite a defender adequadamente o Brasil. Nos meios militares e acadêmicos dos Estados Unidos, transformação significa a passagem de um modelo atual para um modelo futuro de Forças Armadas. Jaime Garcia, cientista político e coronel (da reserva) do Exército chileno, aplica para a América do Sul o conceito de transformação a partir de três pilares das Forças Armadas: a destinação, a base constitucional e as capacidades. Em suas palavras: “Na América Latina, transformar as forças armadas significa uma mudança radical na sua destinação, nas normas que as regem e nas suas capacidades. […] Hoje, se trabalha simultaneamente com três conceitos. […] Adaptação que consiste em adequar as estruturas existentes para continuarem cumprindo as tarefas previstas. Modernização é otimizar as capacidades para cumprir da melhor maneira as missões previstas e Transformação é desenvolver novas capacidades para cumprir novas missões ou desempenhar novas funções em combate” . O exame das diretrizes da Estratégia de Defesa Nacional nos permite concluir que o Ministério da Defesa e a Secretaria de Assuntos Estratégicos promovem um processo de modernização (otimização das atuais capacidades em vista de missões habituais) e de transformação (desenvolvimento de novas capacidades e estrutural das Forças Armadas). 

Uma notável distância separa a Estratégia Nacional de Defesa da Política de Defesa Nacional: trata-se da Segurança Nacional. A PDN incorporou conceitos da Escola Superior de Guerra com o tempero da ONU. Desse modo, “Segurança é a condição que permite ao país a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais”, ao passo que “Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas”. Sem se referir a tais conceitos, ao tratar das “Medidas de implementação”, a END retoma o termo “segurança nacional” para englobar gerenciamento de crises, sistemas de inteligência, terrorismo e antiterrorismo, segurança de infraestrutura, segurança química e nuclear, segurança cibernética, doenças tropicais, busca e salvamento em operações internacionais, etc. Destaco duas áreas de atividades tipicamente de defesa do cidadão que passam a ser consideradas de segurança nacional: “as ações de defesa civil, a cargo do Ministério da Integração Nacional”, e “as ações de segurança pública, a cargo do Ministério da Justiça e dos órgãos de segurança pública estaduais” (END, pp. 56–67). Em todas estas áreas, de um modo ou de outro, poderão ocorrer ações das Forças Armadas, em especial com o emprego de Garantia da Lei e da Ordem. A esse respeito, o Ministério da Defesa proporá alterações legais para obter maior eficácia da ação militar e proteção dos agentes militares (END, pp. 14 e 60).

As diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa

Em benefício da clareza, agrupamos as diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa por proximidade conceitual, tendo como ponto de partida a diretriz que trata das capacidades das Forças Armadas. 

“Estruturar o potencial estratégico em torno de capacidades” 

Na Diretriz 6, se encontra o princípio central, a diretriz fundadora da Estratégia Nacional de Defesa. Por isso, ela mereceria um tratamento mais esclarecedor. A nosso ver, por três razões principais. Em primeiro lugar, porque o Brasil tem interesses a defender por intermédio do seu poderio militar, ainda que não tenha inimigos estratégicos definidos e declarados. Mas há ameaças contra sua segurança, e a crise do apagão aéreo o demonstrou muito bem. Em segundo lugar, porque a organização em torno de capacidades enseja um nível ainda inusitado de coordenação entre as Forças Armadas. Por último, porque contribuirá para o cultivo da identidade militar efetivamente nacional: um piloto de caça, um artilheiro e um submarinista devem ser, antes de tudo, oficiais das Forças Armadas, somente depois militares da Aeronáutica, do Exército e da Marinha.

A dissuasão

Segundo a Diretriz 1,“Dissuadir a concentração de forças hostis nas fronteiras terrestres, nos limites das águas jurisdicionais brasileiras, e impedir-lhes o uso do espaço aéreo nacional”. A dissuasão é o efeito de uma capacidade e de uma estrutura de decisão capaz de empregá-la: “Para dissuadir, é preciso estar preparado para combater” (END, p. 4). Este conceito e o anterior formam o bloco central da Estratégia Nacional de Defesa, pois deles decorrem todos os demais. Não há novidade sobre a dissuasão, mas sobre como obtê-la, conforme o item que vem a seguir.

A (re)organização das Forças Armadas

Os princípios de monitoramento, controle, mobilidade e presença orientarão a reforma doutrinária, territorial e operativa das Forças Armadas (Diretrizes 2 a 5). As unidades combatentes terão a capacidade de deslocar-se para os locais de conflito armado (efetivo ou potencial) com rapidez e eficiência, potenciadas pela aplicação da tecnologia (mobilidade estratégica), e operando na mesma condição no interior do teatro de operações (mobilidade tática). Essas definições expressam conceitos adotados há anos pelas Forças Armadas  . 

Em razão de sua importância estratégica, os setores espacial, cibernético e nuclear devem ser vetores da autonomia nacional em relação às tecnologias estrangeiras (Diretriz 6). O Brasil deve dominar o ciclo nuclear para fins pacíficos, com aplicação em sua matriz energética, além do projeto do submarino a propulsão nuclear. O cibernético e o espacial possibilitarão às forças militares atuar em rede e em tempo real. 

A unificação das operações militares e a criação de novas estruturas de comando militar constituem a Diretriz 7. Aqui se acha uma definição da maior relevância para a eficiência do Ministério da Defesa na direção das Forças Armadas. De um lado, parte-se da subordinação das Forças Armadas ao ministro da Defesa (LC 97/99), sendo o presidente da República seu comandante supremo (Constituição Federal), dispondo cada uma das Forças de um comandante. De outro lado, será criado o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, composto pelos chefes dos Estados-Maiores das três Forças e chefiado por um deles, respondendo esse órgão ao ministro da Defesa. Sua função precípua será tomar “iniciativas que deem realidade prática à tese da unificação doutrinária, estratégica e operacional e contará com estrutura permanente que lhe permita cumprir sua tarefa” (END, p. 6). É provável – mas esse aspecto não está claro – que o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas substitua o atual Estado-Maior de Defesa, cujas prerrogativas são semelhantes: elaboração da doutrina, planejamento e acompanhamento das ações combinadas das Forças Armadas, da atuação no plano nacional em apoio à Segurança Pública e à Defesa Civil, além da participação em operações de manutenção da paz (artigo 9º da LC 97/99). Preservam-se os mecanismos de indicação (pelo ministro da Defesa) e de nomeação (pelo presidente da República) dos comandantes das três Forças, realçando-se o papel dos Estados-Maiores respectivos na reformulação estratégica ora adotada. Finalmente, a formação de administradores civis para o Ministério da Defesa é um objetivo profundamente necessário, até para promover a desmilitarização funcional do Ministério da Defesa.

Distribuição territorial dos contingentes militares

Os comandos de áreas e o Estado-Maior Conjunto são referidos na Diretriz 8. A Estratégia Nacional de Defesa propõe reduzir a concentração de unidades militares no Sudeste, transferindo parte delas para a Amazônia e regiões de fronteira a Oeste, num processo de “adensamento” das unidades de fronteira (Diretriz 9). As referências territoriais (distritos navais, zonas aéreas e regiões militares) deverão coincidir sempre que possível. Porém, a mudança essencial,visando ao desenvolvimento das capacidades operacionais, será, em cada área, a estruturação de um “Estado-Maior Conjunto, que será ativado para realizar e atualizar, desde o tempo de paz, os planejamentos operacionais da área” (END, p. 6). 

“Priorizar a região amazônica”, sem detrimento do Sul e do Sudeste, é a Diretriz 10. A Amazônia, o Atlântico Sul e as regiões de fronteira a Oeste constituem as prioridades da Defesa Nacional. Mas as referências à defesa e segurança da região Sudeste são tímidas. Aqui se conhecem “as maiores concentrações demográficas e os maiores centros industriais do país”, supondo a presença militar – ou a capacidade de se fazer presente – condizente com os valores estratégicos a defender. 
O documento não esclarece como será possível defender adequadamente o Sul e o Sudeste (Diretriz 9). Postulo que essas regiões devem constar como prioridades da Defesa Nacional, de modo crescentemente importante, na medida em que o Brasil robusteça seu perfil estratégico, apesar das relações de cooperação na subregião Mercosul/Cone Sul. Enfim, as prioridades de defesa da Amazônia – cuja soberania brasileira é reafirmada de modo incondicional, não se admitindo qualquer tipo de tutela – e do Oeste têm de compor um equilíbrio com a defesa do centro econômico e tecnológico do país. 

Por último, o documento postula o desenvolvimento da capacidade logística, em especial na região amazônica (Diretriz 11), em termos de estrutura de transportes e de comando e controle, com destaque para a hipótese de “condições extraordinárias impostas por um conflito armado” (END, p. 7). 
Tudo que aqui foi considerado incidirá sobre o número de militares das Forças Armadas. Esse tema é tratado de passagem, não se podendo identificar uma tendência de aumento de contingentes nem, ao contrário, de sua diminuição. No entanto, esta última é discretamente sugerida pelo emprego da expressão “política de otimização do emprego de recursos humanos” (Diretriz 15, END, p. 8). 

Referências à mobilização e à capacidade dissuasória surgem na Diretriz 21. Em caso de “degeneração do quadro internacional”, o país poderá ter de defender seu território, rotas comerciais marítimas e aéreas, plataformas de petróleo, etc. Sua capacidade de dissuadir dependerá da capacidade de mobilizar e renovar recursos materiais e humanos para a defesa nacional.

O Serviço Militar Obrigatório é tema da Diretriz 23. Essa tradicional obrigação da cidadania com a defesa nacional será preservada, pois contribuiria para formar militares com as origens sociais mais diversas e, no caso dos oficiais, procedentes de todas as regiões do país. Em outras palavras, o SMO é “instrumento para afirmar a unidade da Nação acima das divisões sociais. Não basta, para tanto, o atual sistema de quase serviço voluntário, na medida em que as Forças Armadas não têm vagas suficientes para que todos os inscritos cumpram o serviço militar obrigatório. Duas orientações destinam-se a superar essa situação. Primeira: o SMO se tornará efetivamente obrigatório, selecionando-se os candidatos segundo critérios de aptidões intelectuais e físicas. Segunda: os jovens dispensados do SMO deverão cumprir um serviço civil de natureza social. Uma formação militar básica será agregada a essa experiência, formando-se assim parte da reserva mobilizável. As mulheres não podem ainda cumprir o Serviço Militar Obrigatório, mas poderão participar de tal serviço civil.

Capacidades e habilidades dos militares 

Esses são temas das Diretrizes 12, 13 e 14. Nelas se trata da aquisição,que já é efetiva em algumas regiões, da capacidade militar convencional e de “predicados atribuídos a forças não-convencionais”, ou seja, da guerra de selva e, no limite da teoria, a meu ver, da guerrilha urbana, uma vez que se fala em estratégia de resistência diante da ocupação do território brasileiro (selva ou meio urbano) por força militar superiormente dimensionada (END, p. 7). Seria assim impositiva a adoção da estratégia defensiva e de resistência para as forças nacionais combaterem um inimigo de muito maior poder bélico – uma potência isoladamente, ou potências em aliança. Busca a Estratégia Nacional de Defesa o esmaecimento das diferenças entre forças convencionais e não-convencionais, em termos operacionais, amparando-se no conceito de flexibilidade. Não se trata de tarefa de baixo grau de dificuldade. Os combatentes deverão adquirir a habilidade de atuar em rede com colegas de sua força específica, mas também com militares de outras forças. Contarão para tanto com um conjunto de tecnologias de comunicação, é certo, mas dependerão da alteração cultural da autoimagem e identidade dos militares enquanto categoria profissional. Adicionalmente, espera-se deles uma especial capacidade de mobilidade, além das qualidades de iniciativa, flexibilidade, adaptabilidade e capacidade de gerar surpresa no campo de batalha. Está aqui desenhado um elevado grau de preparo profissional dos combatentes.

Missão no Brasil 

Evoca-se na Diretriz 17 a destinação militar à garantia da lei e da ordem, em circunstâncias especiais de crise institucional, exigindo-se uma decisão exclusiva do presidente da República, ainda que sugestão a este respeito lhe seja encaminhada por um ou pelos dois presidentes dos outros poderes republicanos (LC 97/99). A Estratégia Nacional de Defesa ressalva que ainda falta um devido amparo legal aos militares, sendo necessária ainda a normatização de adequados “procedimentos federativos que deem ensejo a tais operações” (END, p. 9).

Hipóteses de emprego das Forças Armadas

As hipóteses de emprego militar não constituem uma diretriz propriamente dita. Elas configuram definições teóricas de cenários nos quais tal emprego venha a se tornar imperativo, cabendo seu detalhamento ao documento Estratégia Militar de Defesa, a ser oportunamente elaborado a partir dos seguintes fatores: “o monitoramento e controle do espaço aéreo, das fronteiras terrestres, do território e das águas jurisdicionais brasileiras em circunstâncias de paz; a ameaça de penetração nas fronteiras terrestres ou abordagem nas águas jurisdicionais brasileiras; a ameaça de forças militares muito superiores na região amazônica; as providências internas ligadas à defesa nacional decorrentes de guerra em outra região do mundo, ultrapassando os limites de uma guerra regional controlada, com emprego efetivo ou potencial de armamento nuclear; a participação do Brasil em operações de paz e humanitárias, regidas por organismos internacionais; a participação de Força Expedicionária, integrando Força Multinacional em atendimento a compromissos internacionais assumidos pelo país; a participação em operações internas de Garantia da Lei e da Ordem, nos termos da Constituição Federal, e os atendimentos às requisições da Justiça Eleitoral; ameaça de conflito armado no Atlântico Sul” (END, p. 39).

Cooperação militar e integração da América do Sul

Faço aqui um pequeno repertório de idas e vindas do governo do presidente Lula nas relações entre Defesa Nacional e integração da América Latina. Como destaquei, a Estratégia Nacional de Defesa representa uma mudança. Também nesse âmbito. 

Para torná-la mais clara, lembremos que membros deste governo se colocaram em lados opostos acerca da constituição de uma força militar sul-americana. O então ministro da Casa Civil José Dirceu, em novembro de 2003, tratou do assunto num encontro com empresários e intelectuais, tendo sofrido resistência pública dos ministros Celso Amorim (Relações Exteriores) e José Viegas Filho (Defesa). E o coronel Oliva, do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, divulgou uma hipótese de trabalho (Meta Estratégica 39) tendo como referência o ano 2061: “O aperfeiçoamento da política de defesa poderá fazer com que o Brasil fortaleça sua capacidade de defesa, isoladamente ou como parte de um sistema coletivo de defesa com os países vizinhos, para enfrentar novas ameaças e desafios, garantir a proteção de seu território e respaldar negociações de âmbito internacional” .

Uma correspondente argentina escreveu que o objetivo brasileiro “es una integración militar que permita defender los recursos naturales de la región. Se parte de un presupuesto lógico: hay un volumen de reservas de hidrocarburos más que respetable, es la mayor reserva de agua del planeta y el área es sumamente rica en biodiversidad. En síntesis, un verdadero paraíso natural, como ya no existe en otras partes del mundo. Oliva Neto, quien divulgó el plan en una conferencia realizada esta semana en Brasilia, no habla sin respaldo. Días atrás fue recibido por el presidente Lula” .

Desde os anos 1990 ocorreram iniciativas desse tipo também do lado argentino. Nos primeiros dias do governo Fernando Henrique Cardoso, o ministro argentino das Relações Exteriores postulou um estrutura de Defesa no Mercosul com base nas forças militares brasileiras e argentinas. Ele se preocupava com a relação de forças militares favorável ao Brasil .

O presidente Lula tratou da Defesa Nacional na reunião de chefes de Estado e de governo da União Sul-americana de Nações, em Brasília, no primeiro semestre de 2008. Em primeiro lugar, em decorrência da Unasul, “a América do Sul ganha estatuto de ator global”. Em segundo lugar, o Brasil tem motivos econômicos próprios para construir a integração regional: “O Brasil quer associar seu presente e seu futuro ao destino da América do Sul. Nenhum de nossos países pode, sozinho, aspirar à prosperidade. Mais do que generosos, temos que ser solidários”. Finalmente, o presidente refere-se à Defesa Nacional, que raramente consta de seus discursos fora das cerimônias militares: “é chegada a hora de aprofundarmos nossa identidade sul-americana, também no campo da defesa. Nossas Forças Armadas estão comprometidas com a construção da paz. A presença de muitos de nossos países na Minustah, força da ONU que garante a segurança no Haiti, é exemplo dessa determinação. Devemos articular uma visão de defesa na região fundada em valores e princípios comuns, como o respeito à soberania e à autodeterminação, a integridade territorial dos Estados e a não-intervenção em assuntos internos. Por isso, determinei ao meu ministro da Defesa que realizasse consultas com todos os países da América do Sul sobre a constituição de um Conselho Sul-Americano de Defesa” .

Tendo feito esse percurso pelo governo Lula, voltemos à Estratégia Nacional de Defesa que desenha uma posição de destaque para a América do Sul, em continuidade à orientação da Política de Defesa Nacional (2005). De fato, este documento previa a extensão, para a área de defesa e segurança, dos resultados do desenvolvimento da região: “Como consequência de sua situação geopolítica, é importante para o Brasil que se aprofunde o processo de desenvolvimento integrado e harmônico da América do Sul, o que se estende, naturalmente, à área de defesa e segurança regionais” (END, p. 9). Mais especificamente, a Política de Defesa Nacional propugnou a integração da indústria de defesa no nível regional: “A integração regional da indústria de defesa, a exemplo do Mercosul, deve ser objeto de medidas que propiciem o desenvolvimento mútuo, a ampliação dos mercados e a obtenção de autonomia estratégica” (END, p. 17). Em outras palavras, uma das diretrizes estratégicas da PDN consistia em “contribuir ativamente para o fortalecimento, a expansão e a consolidação da integração regional com ênfase no desenvolvimento de base industrial de defesa” (END, p. 9). 

O embaixador José Viegas Filho, ministro da Defesa nos dois primeiros anos do governo Lula, tratou desse tema em diversas ocasiões. Na abertura de um ciclo de debates que contribuiu para a segunda versão da Política de Defesa Nacional, relacionou o desenvolvimento da indústria de defesa brasileira com as dos países da região: “Neste momento de crise por que passa a indústria de defesa nacional, buscaremos avaliar a sua relevância para o projeto de país que estamos empenhados em implementar e procuraremos definir uma estratégia por meio da qual, na medida do possível, possamos incentivar o seu desenvolvimento. Nesse esforço, será fundamental contar com nossos parceiros sul-americanos. Quando se trata de modernizar equipamentos de emprego militar, é altamente salutar que os governos da América do Sul estreitem a sua coordenação e atuem em conjunto – tanto como compradores e importadores quanto como produtores e exportadores. Dessa forma, alcançaremos a coerência e a escala econômica necessárias ao melhor aproveitamento de nossos recursos” .

Viegas Filho destacou a confiança mútua como fator decisivo para a indústria de defesa na dimensão sul-americana. A confiança é um condicionante bastante evidente, já que os parceiros dependerão uns dos outros para chegarem a um produto final: “Em termos mais concretos e imediatos, nos decidimos a buscar convergências no setor da indústria de defesa. Neste caso, parto da premissa de que, quando se trata de modernizar material de emprego militar, é claramente salutar que os governos da América do Sul atuem em conjunto, tanto como compradores e importadores quanto como produtores e exportadores. Agindo dessa forma, os países do subcontinente – com suas respectivas indústrias – serão capazes de alcançar coerência e escala econômicas propícias a um aproveitamento mais racional dos recursos disponíveis. Ademais, há que se ter presente o fato de que a integração de indústrias de defesa constitui uma medida adicional de reforço de confiança mútua” .

O ministro Viegas cultivava uma tese cara ao Itamaraty: a identidade política, senão estratégica, da América do Sul: “[já que] a América do Sul constitui uma região que detém identidade política própria, comecei a explorar, entre outros elementos de cunho prático e imediato, possibilidades de integração no setor da indústria de defesa. Em todos os meus contatos internacionais, busquei chamar atenção para a natureza estável das relações entre os países da América do Sul, região que é totalmente livre de armas de destruição em massa e na qual inexistem conflitos militares de caráter interestatal. Mais do que isso, procurei enfatizar o papel crucial desempenhado pelo Brasil na construção e na manutenção dessa estabilidade” .

A contribuição do Brasil para tal integração regional se fundaria numa realidade ao mesmo tempo política e geográfica: “Partilhamos fronteiras com dez vizinhos. Temos interesses comuns com cada um deles – desde os do Cone Sul até os da região amazônica. Vivemos em paz – em perfeita paz – com todos eles por mais de 130 anos. O Brasil irradia estabilidade na região e é, em larga escala, responsável pela natureza pacífica e cooperativa das relações entre os Estados da América do Sul”  .

A Estratégia Nacional de Defesa de dezembro de 2008 vai na direção da integração política, econômica e estratégica regional, sem abrir mão do caráter nacional da Defesa. A indústria de defesa contribuirá para a integração regional, que comporta com destaque uma instituição recentemente criada que é o Conselho de Defesa Sul-americano: “Essa integração não somente contribuirá para a defesa do Brasil, como possibilitará fomentar a cooperação militar regional e a integração das bases industriais de defesa. Afastará a sombra de conflitos dentro da região. Com todos os países avança-se rumo à construção da unidade sul-americana. O Conselho de Defesa Sul-Americano, em debate na região, criará mecanismo consultivo que permitirá prevenir conflitos e fomentar a cooperação militar regional e a integração das bases industriais de defesa, sem que dele participe país alheio à região” (END, p. 9). “[…] O Ministério da Defesa, o Ministério das Relações Exteriores e as Forças Armadas buscarão contribuir ativamente para o fortalecimento, a expansão e a consolidação da integração regional, com ênfase na pesquisa e desenvolvimento de projetos comuns de produtos de defesa. [Os dois ministérios] promoverão o incremento das atividades destinadas à manutenção da estabilidade regional e à cooperação nas áreas de fronteira do país” (END, p. 55). 

A propósito, os Ministérios da Defesa, das Relações Exteriores e a Secretaria de Assuntos Estratégicos têm a responsabilidade de propor, até o final de março do ano em curso, o “estabelecimento de parcerias estratégicas com países que possam contribuir para o desenvolvimento de tecnologia de ponta de interesse para a defesa” (END, p. 58). 

Lembremos ainda que, com os países vizinhos, a cooperação em matéria de Defesa é matéria muito vasta, chegando a constituir um campo que alguns especialistas denominam Diplomacia Militar. E o Brasil tem uma grande experiência em operações de manutenção da paz, de busca e salvamento e de desminagem, operações constantes das Diretrizes 18 a 20. De outro lado, há anos são realizadas operações de treinamento com forças militares do Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e França, uma das modalidades de cooperação no campo da Defesa Nacional. A mais destacada, parece-me, é a existente entre Argentina e Chile envolvendo um método comum que define e contabiliza os gastos de defesa e, mais relevante ainda, o funcionamento de um Estado-Maior consultivo.

A Estratégia Nacional de Defesa incorpora uma experiência em curso do Exército Brasileiro (Centro de Treinamento) no sentido de que o “Ministério da Defesa promoverá ações com vistas ao incremento das atividades de um Centro de Instrução de Operações de Paz, de maneira a estimular o adestramento de civis e militares ou de contingentes de Segurança Pública, assim como de convidados de outras nações amigas. Para tal, prover-lhe-á o apoio necessário a torná-lo referência regional no adestramento conjunto para operações de paz e de desminagem humanitária” . 

A título de conclusão

A Estratégia Nacional de Defesa é um documento afirmativo e audaz que traduz o projeto de construção de um país dotado de novos papéis no plano regional e mundial. Ele é estritamente centrado nos conceitos de Segurança Nacional e Defesa Nacional, não levando em conta a existência de outros conceitos de segurança, como segurança cidadã e segurança humana, que enfocam mais os cidadãos do que os Estados. Não é necessário acolher uma negação radical entre eles e a Segurança Nacional, mas também não é o caso de desconhecê-los.

A END não revela dados institucionais e materiais das Forças Armadas, ao contrário do que fazem os livros de defesa nacional de países vizinhos (como Chile, Argentina, Peru, Colômbia e Equador). Portanto, não está afastada a necessidade para o Brasil de ter seu próprio Livro de Defesa Nacional, pois ele é um instrumento de ampliação da legitimidade social da Defesa Nacional e, no plano externo, de consolidação das relações de confiança com a região e o âmbito mundial.

Finalmente, a END não se reporta aos conceitos diplomáticos, talvez para afastar a imensa sombra do Itamaraty de épocas anteriores. Mas não se desvincula deles no que eles têm de mais decisivo a respeito da integração sul-americana. Destacadamente, falta à END a incorporação da temática da segurança dos cidadãos, sob a ótica da Segurança Pública, que constitui o desafio principal para a cooperação dos países da América do Sul. 



1 . Brasil, Presidência da República, Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Mensagem ao Congresso Nacional na Abertura da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 52ª Legislatura, Brasília, 2003. (Defesa Nacional e Política Externa).

2 . A propósito da inoperância do Ministério da Defesa e da frágil direção das Forças Armadas, ver: Cláudio Camargo, Francisco Alves Filho e Hugo Studart, “Para que serve o Ministério da Defesa?”, IstoÉ, abril de 2007. Ver também “Falta uma decisão firme de Lula sobre o controle aéreo”, Valor Econômico, 13.4.2007, Editorial.

3 . Eliane Cantanhêde, “Nunca antes neste país?”, Folha de S. Paulo, 1.4.2007, p. A3.

4 . Trechos do manifesto dos sargentos da Aeronáutica, O Estado de S. Paulo, 31.3.2007.

5 . Tânia Monteiro e Ana Paula Scinocca, “Comandante contraria ministro e defende controle aéreo militar”, O Estado de S. Paulo, 12.4.2007. 

6 . A CPI do “Apagão Aéreo” analisou as circunstâncias dessa crise e apresentou um elenco de sugestões para a sua superação. Veja-se: Relatório Parcial dos Trabalhados da CPI do “Apagão Aéreo” (Criado por meio do Requerimento nº 401/2007 – SF). Causas do “apagão aéreo”. Brasília, DF, julho de 2007. 

7 . Associação dos Magistrados Brasileiros, Barômetros AMD de confiança nas instituições brasileiras, junho de 2008.

8 . Sobre a política de armamentos da Venezuela, ver: Aldo Pereira, “Agouros geopolíticos”, Folha de S. Paulo, 4.6.2007; Roberto Godoy, “América Latina investe em mísseis antiaéreos”, O Estado de S. Paulo, 28.1.2007; do mesmo autor, “Venezuela expande seu poderio militar”, O Estado de S. Paulo, 5.2.2007.

9 . A Estratégia Nacional de Defesa, em sua Parte II – Medidas de Implementação – arrola as “principais vulnerabilidades da atual estrutura de defesa do país”, que incluem a “obsolescência da maioria dos equipamentos das Forças Armadas, a insuficiência de recursos, a inadequada política de aquisição, dentre outros fatores”. Brasil, Ministério da Defesa, “Estratégia de Defesa Nacional”, p. 37.

10 . Márcio Noronha, “Amazônia é prioridade militar“, entrevista com o general Augusto Heleno, Em Tempo Amazônia, 11.11.2007.

11 . Brasil, Ministério da Defesa, “Política de Defesa Nacional”, Brasília, DF, 2005, p.3 (Introdução).

12 . Brasil, Ministério da Defesa, “Estratégia Nacional de Defesa”, p. 6.

13 . “La América Latina que está al sur del Canal de Panamá, integrada por 12 naciones, es cada vez más una entidad estratégica propia, en la cual la prioridad para Washington tiende a descender – pese a la reciente reactivación de la IV Flota – y el liderazgo de Brasil a aumentar”. Rosendo Fraga, “Brasil y la seguridad de América del Sur”, Nueva Mayoria, 20.5.2008. 

14 . Jaime Garcia Covarrubias, “A Transformação da Defesa nos EUA e sua Aplicação na América Latina”, Military Review (edição brasileira), maio-junho de 2005, p. 85.

15 . “A evolução natural do país nas últimas décadas ensejou a Estratégia da Presença Nacional, conferindo-lhe um caráter seletivo. A mobilidade estratégica conferirá à Força a capacidade de se fazer presente onde e quando for necessário”. Brasil, Ministério da Defesa, Exército Brasileiro, “Diretriz Geral do Comandante. 9 de maio de 2007”, p. 2. Disponível em: http://www.exercito.gov.br/05notic/paineis/2007/08ago07/diretrizes.pdf.

16 . Presidência da República, Núcleo de Assuntos Estratégicos, “Projeto Brasil 3 tempos. 50 temas estratégicos“, Brasília: Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão 

Estratégica, 2004.

17 . Eleonora Gosman,”Proyecto de Brasil para unir las fuerzas militares sudamericanas”, El Clarín, Argentina, 19.11.2006.

18 . “El poder de combate es claramente desfavorable para Argentina con respecto a Brasil. Algunos datos son elocuentes: 1) En zona de frontera con Brasil, Argentina concentra un número estimado en el 10 por ciento de sus efectivos de Ejército, mientras el país vecino supera el 40 por ciento. Dicho con otras palabras: los conceptos de hipótesis de guerra e hipótesis de conflicto son para Brasil mucho más importantes que para Argentina. 2) La relación de fuerzas específícas (grandes unidades acantonadas en frontera) es de 3 a 1 favorable a Brasil (otros estudios de la Secretaría de Planeamiento de Defensa señalan que esa relación es de 6 a 1). 3) En infantería, la relación de fuerzas teóricas es de 4,57 a 1 a favor de Brasil. 4) Caballería, 7,5 a 1. 5) Artillería, 6,5 a 1. Otros datos reales denota hasta dónde es importante para Brasil la zona de frontera con Argentina. Desde 1965 aquella nación ha colocado allí los comandos militar oeste, militar este, militar sudeste y militar sur. Hoy, cada uno de ello: tiene bajo bandera 15 000 hombres, 40 000, 15 000 y 60 000, respectivamente en cada comando. Esos comandos poseen la sedes en las localidades de Santa María, Curitiba y Porto Alegre, además de una unidad de batalla en las afueras de Foz de Iguazú”. Alfredo Canedo, “La cuestión militar con Brasil”, Ámbito Financeiro, Argentina, 2.1.1995. Disponível no Banco de Dados www.ser2000.org.ar.

19 . Discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a reunião extraordinária de chefes de Estado e de Governo da União Sul-Americana de Nações – Unasul. Brasília-DF, 23 de maio de 2008.

20 . “Palavras do Senhor Ministro de Estado da Defesa, José Viegas Filho, por ocasião da abertura do ciclo de debates sobre o pensamento brasileiro em matéria de defesa e segurança. Itaipava, 13 de setembro de 2003”. Obtive os discursos do ministro Viegas Filho no sítio www.defesa.gov.br entre 2003 e 2004.

21 . “Pronunciamento do Exmo Senhor Ministro de Estado da Defesa, José Viegas Filho, aos oficiais-generais das três Forças, por ocasião do fim do ano de 2003.”

22 . Mensagem do Ministro de Estado da Defesa, José Viegas Filho, sobre a atuação do Ministério da Defesa em 2003.

23 . Discurso na reunião entre os Ministros da Defesa do Brasil, Índia e África do Sul, em Pretória, África do Sul, 1.2.2004.

24 . Brasil, Ministério da Defesa, “Estratégia Nacional de Defesa”, p. 54.

Eliézer Rizzo de Oliveira é doutor em Ciência Política pela Fundação Nacional de Ciência Política (Paris, 1980), professor titular aposentado da Universidade Estadual de Campinas e docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie (Faculdade de Direito, Campinas, SP).
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