segunda-feira, 16 de maio de 2011

Obama por Osama

Merval Pereira
O Globo

Trocar os nomes Obama e Osama nos noticiários, especialmente no rádio e na televisão, se tornou tão comum ao redor do mundo – eu não fugi à regra e várias vezes tive que ser alertado por um bem-humorado Carlos Alberto Sardemberg na CBN – que passou a ser motivo de investigação jornalística.

O blog de notícias Salon, dos Estados Unidos, ouviu linguistas e estudiosos da comunicação para tentar entender o que se passa. Eu fui ouvir uma neurocientista e um psicanalista, e a dúvida persiste: é um erro mecânico de linguagem ou um ato falho que quer dizer alguma coisa?

A explicação mais comum é a mecânica. Adam Buchwald, professor-assistente de ciências comunicativas da Universidade de Nova York (NYU) lembra que quanto mais similares ou relacionadas são duas palavras, mais provável é que sejam substituídas uma pela outra. A similaridade pode ser baseada no som (fonológica) ou no sentido (semântica).

Matt Goldrick, professor associado de linguística da Universidade Northwestern diz que Osama-Obama é a "tempestade perfeita" para um processo mental de recuperação.

Quando recordamos os sons das palavras, inconscientemente lembramos de outras que têm o som similar. O fato de os dois serem figuras políticas importantes, cada qual à sua maneira, também contribuiria para o erro, diz ele.

Harriet Klein, também especialista da NYU, inclui um aspecto psicológico na questão, que seria o seguinte: trocar Osama por Obama tem uma explicação fisiológica, que é a antecipação do "B" de Bin Laden, transformando o "S" em um "B", que inclusive é um som menos complexo do que o "S". Já trocar Obama por Osama teria um caráter derrogatório.

A neurocientista brasileira Lucia Willadino Braga, Presidente e Diretora Executiva da Associação das Pioneiras Sociais, e coordenadora do Centro Internacional de Neurorreabilitação e Neurociências da Rede Sarah, Rio de Janeiro/RJ, considerada uma das maiores especialistas do mundo, diz que esta troca é perfeitamente explicável pela neurociência, e tem origem nas conexões neuronais.

"Os efeitos do estresse no cérebro são exatamente deste tipo", diz ela, explicando que existe no cérebro uma rede neuronal de leitura e escrita que se interliga com a rede de linguagem do ponto de vista semântico, fonológico e mesmo ortográfico.

"Quando a pessoa está sob estresse, as conexões cerebrais são afetadas e aumenta a probabilidade de trocas, neste caso, a questão ortográfica (s ou b) eventualmente pode não ser acionada".

A doutora Lucia Braga lembra que no Brasil, frequentemente, vemos a troca dos nomes "Cleusa" e "Creusa", entre outros, que são menos similares que "Osama" e "Obama", "que além da troca de uma só letra (na questão ortográfica), começam e terminam com o mesmo som (a questão fonética), dobrando a probabilidade de troca, pois já permite outro tipo de falha nas conexões cerebrais em outra região do hemisfério esquerdo, responsável pela fonética da linguagem".

Além do mais, lembra Lucia Braga, existem áreas cerebrais responsáveis por associações, e Obama e Osama são nomes que pertencem a um mesmo contexto, conhecidos por todos no cenário internacional. "Assim, a probabilidade de associação e troca aumenta ainda mais".

Os jornalistas em geral trabalham sob a pressão do tempo, o estresse, o que favorece este tipo de falha, ressalta. "Pensando do ponto de vista da neurociência, a probabilidade de um jornalista fazer esta troca é altíssima. Eu nunca havia parado para pensar nisto, mas na verdade um jornalista na frente da TV ou no rádio deve fazer um esforço cerebral importante para evitar esta troca, é uma tarefa difícil para o cérebro em estresse. Imagino que estes erros aconteçam principalmente por jornalistas em situação de estresse, mas podem acontecer, com menos frequência, também com outras pessoas".

Já o psicanalista Joel Birman, professor da UERJ e da UFRJ, com doutorado em filosofia, acha que a razão básica para as trocas é o popular "ato falho", identificado por Freud como "lapso", quando o inconsciente se manifesta explorando as possibilidades de enganos mecânicos que a língua favorece.

Para ele, a explicação de que são dois líderes políticos com nomes semelhantes já sai do campo mecânico e entra no campo semântico, a identidade funcional ligada ao poder político.

Já o stresse coloca uma participação psíquica no caso. "Eu acho que as explicações não mecânicas entram no campo do lapso, a troca de uma letra de maneira inesperada, dá uma dimensão política ao fato".

Joel Birman vai mais além, e vê diferenças entre o lapso interno e o acontecido fora da sociedade americana. "No caso europeu, acho que o lapso tem o significado de relacionar Obama com um ato terrorista".

Nos Estados Unidos, Joel Birman ressalta que já havia uma tentativa de fazer ironia com a troca das letras, para ressaltar que Barack Obama Hussein não seria confiável, "o fato de que ele ter um sobrenome de origem supostamente muçulmana, no contexto de um quadro político em que uma semana antes ele fora obrigado a apresentar sua certidão de nascimento para provar que não era muçulmano".

O fato de ter havido uma repetição do erro em diversos países, em vez de banalizar o erro, reforça para Joel Birman a tese do lapso.

"Freud quando falava do lapso, falava exatamente dessa dimensão aparentemente mecânica, que é a justificativa habitual de quem comete o lapso. Mas o que é mais significativo é que ao trocar uma letra, troca-se um contexto todo".
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